27.7.13

RELEITURAS E RECORDAÇÕES



Há livros que só entendemos muitos anos depois da primeira leitura. Era eu rapazito e frequentava mensalmente a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian em Alpiarça. Os senhores que nos recebiam eram afáveis e davam-nos conselhos de leitura. 
-Leva este que é muito interessante. Conta a história de um velho pescador...
Levei-o e li-o. Quando o devolvi perguntaram-me:
-Então, gostaste?
Tive vergonha de dizer a verdade e respondi que sim. Mas os meus 12 ou 13 anos acharam o livro muito chato. Um velho que vai para a pesca e ali anda até apanhar um grande peixe que os tubarões comem e ele regressa ao porto apenas com a grande espinha presa ao casco do barquito... Aquela escrita seca que descrevia os pensamentos do velho e as falas dele com o miúdo ou consigo próprio no mar - bah! achei-as uma grande chumbada! Aquilo nada tinha a ver com as aventuras do Emílio Salgari ou de Júlio Verne.
Realmente, para que um livro seja bom são precisas várias coisas. Uma delas é um leitor disponível e capaz de entender, o que não era o meu caso.

Muitos anos depois peguei no livro. A medo, não fosse repetir-se a cena. Ah! Mas eu já não era o mesmo. E o livro encontrou o leitor. Era Hemingway e Cuba e os pescadores que eu aprendera a apreciar com os avieiros do Tejo ou em Peniche, nas companhas das traineiras que saíam para o mar ao fim da tarde e regressavam ao meio da noite. Eram os peixes com nomes e cheiros e paladares. E era aquela escrita luminosa, sem artifícios, directa ao osso do texto.


Hoje, ao reler mais uma vez o pequeno grande texto, senti de novo a maresia nos pensamentos de Santiago, o velho, e de Manoulin, seu jovem amigo, revi as luzes do pequeno porto de pesca e fui confortado pelas palavras imorredoiras ( p. 109):

«- Mas o homem não foi feito para a derrota - disse. - Um homem pode ser destruído mas não derrotado. Tenho pena de ter morto o peixe. Agora vem o pior e nem sequer me resta o arpão. O dentuso é feroz e hábil e forte e inteligente. Mas eu fui mais inteligente do que ele. Talvez não. Talvez só estivesse mais bem armado.»

Uma última recordação desses anos 60 do século passado: os senhores afáveis que nos aconselhavam livros na carrinha da Biblioteca Itinerante, eram - só vim a sabê-lo anos depois - Herberto Helder e António José Forte. Nem mais!



Pacheco Pereira não é personalidade que me provoque admiração ou simpatia. Tenho um preconceito assumido em relação a pessoas da minha geração que foram de extrema-esquerda no período revolucionário e que se passaram de armas e bagagens para a direita. Esse foi o caso de PP. Na altura eu era militante do PCP e ficava sumamente irritado com os ataques destes intelectuais que nos acusavam de "revisionistas". 

26.7.13

UM GESTO ... E O DIA ILUMINA-SE.





Fernando Fabião tem gestos  que chegam até aqui com a imprevisibilidade das chuvas de Verão.
Desta vez encontrei esta folha dentro do envelope que veio pelo correio.
E um pequeno cartão, mensagem artesanal com palavras luminosas.

Obrigado, querido poeta e amigo!

24.7.13

UMAS RICAS FÉRIAS - Página LUGAR ONDE no jornal BADALADAS de 26 de Julho

PDF da página do jornal

UMAS FÉRIAS BEM PASSADAS!

Há alturas da vida em que é preciso parar e pensar. Jacinto e Francisco Filipe, irmãos de Santo Isidoro (Mafra), tinham acabado de perder o pai. Estavam na meia-idade, a entrar na fase em que alguns se interrogam sobre o que andam cá a fazer. Homens de profunda Fé cristã e, por isso mesmo, inquietos, sentiram que era preciso passar das palavras aos actos, da “oração” à “hora de acção”. Jacinto explica:
«Isto foi no princípio de 1990. Surgiu a ideia de umas férias diferentes, em que, pelo voluntariado e pela solidariedade, pudéssemos conhecer outros povos, as suas tradições, tomar contacto com as suas dificuldades e, na medida do possível, contribuir com o nosso trabalho para a sua superação.»
Falaram com amigos, pesaram hipóteses e decidiram: Guiné-Bissau! Alguns tinham lá estado na guerra colonial, sabiam que era um dos países mais pobres do mundo, onde se fala Português. E não era longe, a 4 horas de avião de Lisboa.
«Como não conhecíamos ninguém daquelas paragens, foi através dos Padres Franciscanos portugueses que iniciámos os primeiros contactos em Lisboa, que viriam a permitir a concretização deste sonho de "Férias Solidárias"», diz Francisco Filipe.
E de 3 a 18 de Dezembro desse ano passaram férias em Bissau. «O nosso primeiro trabalho em terras africanas foi reparar as varandas, as cozinhas e as instalações sanitárias das doze casas pertencentes à Conferência de S. Vicente de Paulo, da paróquia de Nossa Senhora da Candelária, de Bissau. Essas casas eram habitadas por pessoas muito carenciadas.»
Nunca mais pararam. A partir daí, praticamente todos os anos há um grupo de pessoas que se integra nesta prática de “Férias solidárias”. Gente maioritariamente do Oeste mas também de todos os pontos do país. Rui Fiúza é um dos amigos que já lá foi diversas vezes. Electricista, sabe que o seu trabalho é precioso num país em que falta tudo: «O mais importante é não irmos para lá com a ideia de que nós é que sabemos. O nosso trabalho é fazer o que as pessoas dizem ser mais necessário para a vida delas. Não impomos nada. Perguntamos aos chefes das aldeias e eles é que dizem o que precisam.»
Construção de um pavilhão numa escola, reparação de poços, construção do Centro Social de Ondame, reorganização e gestão de um Centro Materno-infantil (que os nativos baptizaram de Bom Samaritano), Cursos de Formação em diversas áreas de Desenvolvimento Rural, montagem de uma Rádio Local e de um Centro Cultural, instalação de um bloco operatório na Clínica, campanha de consultas de oftalmologia e operações às cataratas – estes são alguns resultados destas “Férias Solidárias”.


                                                     Construção de um poço em Santa Luzia                                                                    
                                                                         * * *

FUNDAÇÃO JOÃO XXIII – CASA DO OESTE

Uma colaboração casual com esta instituição valeu-nos a oferta deste belíssimo livro que é um testemunho impressionante do que podem a Fé esclarecida e a prática da Fraternidade.
Folheámo-lo com avidez e encontrámos os sinais que identificam os homens de boa vontade: sentido da solidariedade, humanismo, cooperação, apelo a favor dos povos mais empobrecidos.


A chancela do livro revelou-nos que este projecto de “Solidariedade com a Guiné” está enquadrado na missão da Casa do Oeste, sita em Ribamar, concelho da Lourinhã – um lugar de encontro, formação e convívio da Diocese de Lisboa. Mais informações podem ser vistas aqui: http://casadooeste.no.sapo.pt/









* * * 


     VALORES DE OUTRA GRANDEZA

                                                                     
         Rui Fiúza, Francisco Filipe e Jacinto Filipe relataram com entusiasmo o que têm sido estas “Férias Solidárias”. Mas eles não se querem vedetas. Sublinham que pertencem a um grande grupo de muitas dezenas de pessoas que aderiram ao projecto desde 1990 até agora e que congregam vontades e recursos a partir da generosidade das pessoas e das empresas. Nada pedem ao Estado e todos os voluntários fazem questão de pagar as suas deslocações e despesas pessoais. Alugam um contentor que estacionam na zona de Mafra e ali vão guardando as dádivas: roupas, material escolar, ferramentas, materiais de construção e eléctricos, alimentos de longa duração, material clínico e, até, veículos usados. O contentor segue por via marítima e quando chega à Guiné já lá estão alguns voluntários que organizam a distribuição.

«Sabemos que os nossos gestos de solidariedade não salvam o mundo…, mas ajudar um povo a crescer, salvar uma criança que entrou em coma por falta de um simples anti-palúdico, ou limpar as cataratas dos olhos duma pessoa, são gestos, são momentos únicos na vida, que não têm preço, porque eles são valores de outra grandeza!...»
Ouvir a fala destes amigos leva-nos a olhar o mundo com mais optimismo s confiança. 


                                                                                  * * *

COMO COLABORAR

Se ficou sensibilizado e deseja colaborar nestas acções de apoio à Guiné-Bissau pode fazê-lo através da Fundação João XXIII – Casa do Oeste que organiza campanhas de angariação de materiais diversos. Ajudas financeiras podem ser depositadas em conta bancária, basta pedir número à Fundação. Dos donativos serão passados recibos. Informações no Secretariado da Fundação: telefone/fax 261 422 790.Mail: casadooeste@sapo.pt


22.7.13

QUE É FEITO DELE?













António Ramos Rosa, em 2011, com Filipe Nobre Gomes e Paulo Borges.



António Ramos Rosa foi um poeta muito publicado, sobretudo entre os anos 70 e 90. Houve anos em que publicou vários livros: três livros em 1974, dois em 75, três em 77...
Voz poética inconfundível pela volúpia das palavras. Em muitos poemas não encontramos "um tema" - o amor, a solidão, a natureza, o abandono, a morte... - porque o cerne da sua poética é a relação que se estabelece entre as palavras em redor de um conceito. Veja-se o poema "Nudez":

O ar circula mais leve em toda a parte
Os sinais transmitem o silêncio habitável

É um sonho é um logro e é a presença viva
Brilha o brilho animal do ar imóvel

Cálida substância nova une a linguagem e a vida
varandas varandas sobre a água sobre o céu

Uma infinita plenitude uma infinita ligeireza
a beleza nua sem exaltação e incandescente
o lugar transparente uma clareira indevisa

Torre de pássaros e de barro e de ervas
torre fresquíssima obscura e clara
torre na margem extrema do mistério
tudo se compreende e tudo é incognoscível
Tudo passa tudo deriva e tudo é imóvel
Somos e não somos somos sempre mais

Aceita aceita a terra breve a única
que os deuses povoam na transparência breve
Aqui a terra revelou-se um horizonte aberto
e as palavras antigas reacendem-se

De novo é a primeira vez e a única
Luz primeira luz da terra primeiros lábios
sopro de fibras mais intensas mais ligeiras
e nomes mais simples mais animais mais nus

Do livro GRAVITAÇÕES, Litexa Portugal, 1983





Esta escrita interroga-me e deixa-me perplexo. Obriga-me a fechar os olhos e a pensá-la sem recurso aos sentidos. Mas quando os reabro encontro imagens sugeridas em claro escuro, como em certas fotos experimentais.



                                                                                                                                                                                                                              Foto: Carlos Savasini

Fecho este GRAVITAÇÕES e interrogo-me: que é feito deste poeta, homem com 89 anos, autor de tantos livros de poesia e de dois livros de ensaios sobre poesia que se tornaram clássicos: A poesia moderna e a interrogação do real, vol.s I e II, publicados em 1979?

Nas minhas buscas encontrei um rasto luminoso. Vale a pena folhear esta revista ENTRE CULTURAS.




14.7.13

CADA MINUTO






Cada minuto à tua beira
me recompensa da sorte azeda,
da chuva pesada, do frio nos ossos.
Cada minuto à tua beira
é todo o tempo à beira-mar.

Longe de ti recordo ainda
cada minuto à tua beira
e enlouquecido bebo a noite
cada minuto à tua beira,

tu que te chamas guitarra, poço,
brancura de lençol, brisa, domingo,

tu que me dás serenamente
(a mim que sempre o espero doidamente)
cada minuto à tua beira.


in: CUIDAR DOS VIVOS, Fernando Assis Pacheco
Foto: J Moedas Duarte, Foz do Lizandro, a sul da Ericeira

3.7.13

NASCEU HÁ 130 ANOS


Kafka com a irmã, em Praga (foto da net)

Franz Kafka nasceu em 3 de Julho de 1883 e morreu no dia 3 de junho de 1924, vítima da tuberculose, em Viena. Pediu a Max Brod que seus textos fossem queimados após sua morte. Contrariando o desejo do autor, Brod publicou romances, prosas, correspondências e diários, enriquecendo a Literatura universal com obras que se tornaram textos clássicos, caso de "A Metamorfose", O Processo" ou "O Castelo".