20.8.07

TANTO MAR


ACÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

Nesga de território entalada entre a Galiza, Castela e o Atlântico, a terra portuguesa cresceu para sul, empurrando as gentes mouras. Mas ao sul também havia mar. Após três séculos de guerras ofensivas e defensivas com os povos a leste, aos portugueses do século XV impôs-se a aventura oceânica. Dramáticas e dolorosas conquistas no norte de África. Mas também viagens mar adentro em exploração planeada e científica.
Sobre o Portugal dos Descobrimentos escreveu Manuel Alegre: «Antes de ti o mar era mistério. / Tu mostraste que o mar era só mar./ Maior do que qualquer império / foi a aventura de partir e de chegar. ». Porém, a extensão do Império superou a capacidade de o realizar. Por isso Fernando Pessoa sublinhou: «Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. / Senhor, falta cumprir-se Portugal.»
O mar continua a fascinar os nossos olhos, contemplação e desejo de partir. Mas há quem porfie na acção de tirar dele sustento próprio e alheio, pesca de dores sem esperança.
Os poetas olham-no e escrevem. Olham e escrevem. São eles que dão voz à nossa contemplação.
Tanto mar!


Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso , ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor,
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem
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Mar sonoro

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen
In Cem Poemas de Sophia

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Epigrama

Há só mar no meu País
Não há terra que dê pão:
Mata-me de fome
A doce ilusão
De frutos como o sol.

Uma onda, outra onda
O ritmo das ondas me embalou.
Há só mar no meu País:
E é ele quem diz,
É ele quem sou.

Afonso Duarte ( 1884-1958)

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Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
-depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
Do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quando for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles, Viagem


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O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas que se estendem pela areia…
Os peixes que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado…

O pescador Aónio que, deitado
onde co o vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado.

“Ondas – dizia – antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizeste à morte estar sujeita”.

Ninguém responde; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Luís de Camões, Sonetos
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O MAR

Antes que o sonho (ou o terror) tecera
Mitologias e cosmogonias,
antes que o tempo se cunhasse em dias,
o mar, sempre o mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é o violento
e antigo ser que destrói os pilares
da terra, e é só um e muitos mares,
e abismo e resplendor e azar e vento?
Quem o olha vê-o pela vez primeira,
sempre. Com o assombro tal que as coisas
elementares deixam, as formosas
tardes, a lua, o fogo da fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Sei-o no dia
que virá logo após minha agonia.


Jorge Luís Borges, in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro,
2ª ed., Assírio e Alvim, (trad. José Bento)


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PORES DO SOL

Se eu fosse pintor passava a minha vida a pintar o pôr do sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário.
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos, quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros doirados e verdes, com o crescente fino da lua no alto e do lado oposto a montanha enegrecida e compacta.
Tardes violetas, neste ar tão carregado de salitre que torna a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados…
Um poente desgrenhado, com nuvens negras lá no fundo, e uma luz sinistra. Ventania. Estratos monstruosos correm do norte. Sobre o mar fica um laivo esquecido que bóia nas águas – e não quer morrer…

Raul Brandão,in Os Pescadores,


ORLA MARÍTIMA

O tempo das suaves raparigas
É junto ao mar ao longo da avenida
Ao sol dos solitários dias de Dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de Agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
(...)



Ruy Belo, Todos os Poemas

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O MAR

Nascer…morrer…nada perguntes.
São simplesmente acontecimentos.
No meio, um mar tempestuoso.
E isto é o que sabemos.

No meio, um mar, sobre suas ondas
confiadamente naveguemos
deixando-nos levar, deixando-nos
levar…Nossas paixões são seus ventos.

Bem que de súbito se soltem
poderes que não conhecemos,
e se povoe nossa solidão
de promontórios de mistério,

siga a nave o seu caminho
real contra o incerto,
siga a vida, siga sempre, avance
tenaz seu rumo contra o pensamento.

Alfonso Costafreda, in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro,
2ª ed., Assírio e Alvim, (trad. José Bento)

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MAR INCERTO

Que triste o som acorda à minha voz !
Como é pálida a luz do meu espelho
e a desse rio azul que não tem foz :
o tempo, em que me vou fazendo velho.

Dias loucos da infância, onde estais vós?
E a alegria – esse cântico vermelho
do sangue virgem que não tem avós?
Como se chama a sombra em que ajoelho?

Arfa, cansado, no meu peito, um mar:
o mar remoto da remota Ilha
onde as sereias cantam ao luar.

A esteira dos navios, as gaivotas
gritam no céu, e o céu, lânguido, brilha
sem ecos de vitórias ou derrotas.


António de Sousa, in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro,
2ª ed., Assírio e Alvim



21.7.07

PÁGINA DE JULHO / A sair em 27



JOSÉ GOMES FERREIRA: HUMANO, DEMASIADO HUMANO!

Contra a passividade face ao desconcerto do mundo, pela fraternidade de todos os homens embarcados na viagem da vida – esta poesia é um grito constante. O seu autor via-se como “um caracol lírico a deixar rasto pelo século fora”.

Disse António Ramos Rosa:

«A voz poética de José Gomes Ferreira é dilacerante, profundamente angustiada, mas não sombria, não fúnebre, porque o poema é sempre um grito que de algum modo liberta e clarifica e limpa. No ímpeto deste grito, na sua fúria explosiva, a dor extrema volve-se na palavra libertadora que, sem transfigurar o negativo (pois que o expõe na sua nudez insuportável), transforma o trauma num princípio de vida e num poder inaugural. É este ímpeto que confere à poesia de José GF uma salubridade expressiva que transmuda toda a sua negatividade numa forma de afirmação vital e de insubordinação solar contra o mundo.»

“Grandezas e misérias, lágrimas e risos, gritos e sonhos, a luz do luar, a cintilação das estrelas, o sol flamejante, uma flor que desabrocha, aves que cortam livres o espaço, todos os elementos da sua linguagem poética conduzem-nos sempre à fantasia de construir uma verdade - a sua verdade – que projecta uma nova luz sobre os homens e o mundo do seu tempo. O poeta lúcido, por vezes duma lucidez insólita, adoptou esse vagabundear poético para dar testemunho, ou simplesmente para erguer na solidão o protesto do seu canto.” (Texto do editor em: Poesia V, Portugália Editora, 1973)



Breve biografia do autor

José Gomes Ferreira nasceu no Porto, no ano de 1900, mas viveu em Lisboa desde os quatro anos de idade. Licenciou-se em Direito em 1924, e passou por uma breve carreira diplomática, tendo trabalhado como Cônsul na Noruega. Regressado a Portugal, em 1930, dedicou-se ao jornalismo colaborando em publicações como a Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Afirmou-se como poeta com a publicação, em 1931, do poema "Viver sempre também cansa", cujo tema e tom de escrita marcaram desde logo o seu estilo inconfundível. Aproximou-se do ideário neo-realista sem, contudo, se circunscrever completamente a esta escola ideológico-estética.
Deixou uma obra vasta que as Publicações Dom Quixote coligiram na edição da Obra Completa, em 19 volumes, de crónicas, romance, textos autobiográficos e, sobretudo, poesia.
Foi presidente da ''Associação Portuguesa de Escritores'', eleito em 1979, associação que, em 1964, lhe tinha atribuído o Grande Prémio da Poesia com a sua obra "Poesia III.
Foi distinguido com as condecorações de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada e de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.
Em 1983 foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores. Viria a falecer dois anos depois.


POEMAS DE JOSÉ GOMES FERREIRA


A poesia não é um dialecto
para bocas irreais.
Nem o suor concreto
das palavras banais.

É talvez o sussurro daquele insecto
de que ninguém sabe os sinais.

Silêncio insurrecto.


*

Oh! esta comoção
de me sentir sozinho
no meio da multidão
- a ouvir o meu coração
no peito do vizinho.
Oh! esta solidão
quente como a camaradagem do vinho!


*

Poeta o que é?
Um homem que leva
o facho da treva
no fundo da mina
- mas apenas vê
o que não ilumina.


*

E se eu de súbito gritasse
nesta voz de lágrimas sem face!:

Eh! companheiros de plataforma
presos ao apagar do mesmo pavio!
Porque não nos amamos uns aos outros
e damos as mãos
- sim, as nossas mãos
onde apodrecem aranhas de bafio?

Eh! companheiros de plataforma!
(Não empurrem, Irmãos)


*

Chove...

Mas isso que importa!,
Se estou aqui abrigado nesta porta
A ouvir na chuva que cai do céu
Uma melodia de silêncio
Que ninguém mais ouve
Senão eu?

Chove...

Mas é do destino
De quem ama
Ouvir um violino
Até na lama.

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ARTISTAS TORRIENSES



“ARTE NO FEMININO – Quem é Quem na Pintura Portuguesa no Século XXI”
Afonso Almeida Brandão, ed. Produções Anifa Tajú, 2007

Chegou até nós este livro que faz uma panorâmica muito completa sobre o tema referido no título. Nele encontrámos a artista torriense, Maria Sofia Pereira. É uma inclusão muito justa pois destaca uma artista que se impôs como das mais importantes na pintura sobre porcelana, reconhecida em numerosas exposições individuais e colectivas. É muito conhecido o seu atelier em Torres Vedras que, desde 1983, produz peças de grande qualidade e onde convivem muitas pessoas que apreciam e cultivam esta arte.



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Leonor Brilha – que inaugurou recentemente a sua galeria “Espaço Ponto e Vírgula”, na R. Henriques Nogueira em Torres Vedras – expõe pintura na Galeria Periférica do Centro Cultural de Belém.
Sublinhamos este acontecimento porque ele significa o reconhecimento de uma artista que se tem vindo a impor no campo das artes. A exposição (After The Gold Master Pieces) reúne uma série impressionante de quadros onde rostos humanos são tratados de forma impiedosa, como que sublinhando o sentido trágico da vida. A não perder.

4.7.07

Contigo


Contigo aprendi
que algumas palavras
fazem mover os rios.
( Fernando J. Fabião )

30.6.07

FERNANDO ECHEVARRÍA premiado


Prémio D. Dinis, atribuído por um júri constituído por Vasco Graça Moura, Nuno Júdice e Fernando Pinto do Amaral, ao seu livro EPIFANIAS, editado em 2006.

O prémio será entregue em sessão solene, no dia 14 de Setembro de 2007, em sessão presidida pelo Presidente da República.

FERNANDO ECHEVARRÍA


Poeta, nascido em Cabezon de la Sal (Santander, Espanha), em 1929.Veio para Portugal aos dois anos, regressando mais tarde a Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia. Regressa a Portugal em 1953, e vive a partir de 1961 exilado em Paris e Argel. Regressa a Paris em 1966, aí passando a residir com permanência, dedicando-se à actividade do ensino; actualmente faz demoradas estadas no nosso país.

A sua poesia começa a afirmar-se nos finais dos anos 50 e é marcada inicialmente por uma certa propensão barroca, a que uma grande concentração de imagens e metáforas dará uma especial consistência. Depois - sem que esta primeira característica desapareça totalmente - a sua poesia tende para o que será a rarefacção elíptica, o isolamento vocabular, a compressão e a suspensão. Quanto a este aspecto antecipa, pelo modo como uma maior discursividade é recusada, uma certa tendência da nossa poesia da década de 60. Mas é noutra direcção que a obra poética de Fernando Echevarría se orienta: o sentido muito especial de abstracção que há nos seus poemas não colide com uma intensificação simbólica, muitas vezes derivada de uma retícula de ordem ambiguamente filosófica que lhes é sobreposta e que os títulos de alguns dos seus livros apontam ou sugerem.

A atenção prestada aos diversos aspectos da realidade - frutos, árvores, utensílios, etc. - pressupõe que a poesia é também um original exercício de conhecimento que se traduz numa mais funda "independência de se estar a ser". Outra característica marcante desta poesia está na circunstância de tender a constituir-se em torno de uma unidade, cujo limite seria a própria presença do livro entendido como uma realidade abstractamente integrativa, o que, inclusivamente, se pode revelar na própria forma como reorganizou e ordenou as suas primeiras obras em Poesias: 1956-1979 (1989). Nos anos cinquenta colaborou em revistas como Graal.

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. V, Lisboa, 1998


BIBLIOGRAFIA ACTIVA


Entre Dois Anjos (Poesia), 1956

Tréguas para o Amor (Poesia), 1958

Sobre as Horas (Poesia), 1963

Ritmo Real (Poesia), 1971

A Base e o Timbre (Poesia), 1974

Media Vita (Poesia), 1979

Introdução à Filosofia (Poesia), 1981

Fenomenologia (Poesia), 1984

Figuras (Poesia), 1984 ; 1987

Poesia: 1956-1979 (Poesia), 1989

Livro, poema com texto impresso em serigrafia no Atelier 87 em Paris e com 8 litografias de Jorge de Sousa executadas pelo mesmo à mão. edição de 40 ex. em vélin de rives bfk (Poesia), 1991

Sobre os Mortos (Poesia), 1991

Poesia: 1980-1984 (Poesia), 1993

Uso de Penumbra (Poesia), 1995

Geórgicas (Poesia), 1998

Poesia: 1959-1980 (Poesia), 2000

Poesia: 1987-1991 (Poesia), 2001

Epifanias (Poesia), 2006

Obra inacabada
(Poesia), 2006

28.6.07

SEI


Os rios não decidem as suas pontes
Nem os moinhos decidem o vento
Os ramos não decidem os seus ninhos.
____________________________________________
Sei que o mar fecha as ondas sobre os búzios e que, estes postos nos ouvidos, as ondas voltam devagar. Sei que no interior do corpo se desdobram e que só olhos os podem libertar.
Daniel Faria ( 1971 - 1999 )

26.6.07

Georges Moustaki - Humblement il est venu

Canções eternas.
...e resistência à ditadura musical anglo-saxónica!

O LABIRINTO DO FAUNO


Uma metáfora poderosa sobre a medonha Guerra Civil? Toda a Espanha?
Uma mistura de fábula, conto de fadas, História.
Um filme que me agarrou pouco a pouco e, no final, me deixou comovido.
Procurei informação sobre o filme e ENCONTREI AQUI

24.6.07

TEU NOME

Daniel Filipe
Autor do inesquecível poema A INVENÇÃO DO AMOR, grito inconformista e libertário.
Recordo hoje o soneto que Mário Viegas dizia com tanta seriedade e ressonâncias de sentido na sua voz calma. Daniel Filipe deixou outros poemas muito belos. Os livros são fáceis de encontrar, na colecçãoForma da Ed. Presença.





Teu nome, teu disfarce, tua ausência
do círculo familiar, a tua viagem,
tua febre, tua recusa e anuência
teu estar connosco e, entanto, à nossa margem.

Teu corpo, teu sentido, tua luta,
teus olhos fundos, teu perfil estranho,
teu quarto, teu refúgio, cela, gruta,
teu gado fugidio, teu amanho.

Teu riso inesperado, teu mistério,
teu sereno dormir, tua lembrança,
teu não acreditar no Quinto Império,

teu vivo exemplo, tua confiança,
teu sílex interior, teu rosto sério,
teu modo de ensinar-nos a esperança.

Daniel Filipe


Em 1925 nasceu Daniel Damásio Ascensão Filipe na ilha da Boavista, em Cabo Verde. Ainda criança, veio para Portugal onde fez os estudos liceais. Poeta, foi colaborador nas revistas Seara Nova e Távola Redonda, entre outras publicações literárias. Combateu a ditadura salazarista, sendo perseguido e torturado pela PIDE. Num curto espaço de tempo, a sua poesia evoluiu desde a temática africana aos valores neo-realistas e a um intimismo original que versa o indivíduo e a cidade, o amor e a solidão. Faleceu em 1964 em Cabo Verde.

Jornalista e poeta. Co-director dos cadernos “Notícias do Bloqueio”, colaborou também assiduamente na revista “Távola Redonda” e realizou, na Emissora Nacional, o programa literário “Voz do Império”. Daniel Filipe iniciou a sua actividade literária em 1946 com Missiva, seguindo-se Marinheiro em Terra (1949), O Viageiro Solitário (1951), Recado para a Amiga Distante (1956), A Ilha e a Solidão (1957) – Prémio Camilo Pessanha; o romance O Manuscrito na Garrafa (1960), A Invenção do Amor (1961) e Pátria, Lugar de Exílio (1963). O amor e a solidão, o indivíduo e a cidade recortam-se nos seus versos com acentos originais, fluentes e por vezes inesquecíveis.

22.6.07

AGRADECENDO AO MEU AMIGO CID SIMÕES QUE ME ENVIOU ESTE BELÍSSIMO POEMA


PARA FAZER O RETRATO DE UM PÁSSARO

Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro
agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres...
Às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho com o pincel
depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
a poeira do sol
e o ruído dos bichos entre as ervas no calor do verão
e agora espera que o pássaro se decida a cantar
se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar
então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro.


Jacques Prévert
(Trad. De Eugénio de Andrade)


POUR FAIRE LE PORTRAIT D’UN OISEAU

A Elsa Henriquez

Peindre d’abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d’utile
pour l’oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l’arbre
sans rien dire
sans bouger…
Parfois l’oiseau arrive vite
mais il peut aussi bien mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s’il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l’arrivée de l’oiseau
n’ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l’oiseau arrive
S’il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l’oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l’oiseau
Faire ensuite le portrait de l’arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l’oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l’herbe dans la chaleur de l’été
et puis attendre que l’oiseau se décide à chanter
Si l’oiseau ne chante pas
c’est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s’il chante c’est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l’oiseau
et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau.

Jacques Prévert

21.6.07

OLHAR



Em teu macio olhar repousa o meu.
E na face polida assim formada
se reflecte e recria o próprio céu.
Daniel Filipe in: A INVENÇÃO DO AMOR E OUTROS POEMAS

19.6.07

Uma visão "de fundo"

Este é o "Canhão da Nazaré", visto em profundidade através de meios técnicos de última geração.
Uma visão diferente do mundo em que vivemos, retirado de um blog que vale a pena continuar a visitar.
O mundo não pode ser visto apenas pela perspectiva literária...

Imagens e sons muito bonitos

Com a devida vénia que AQUI registo:

ENXADA





A VELHA ENXADA

Foi-te cair nas mãos a velha enxada,
De teus avós herança que ficou,
E que, por falta de uso, enferrujou,
Posta de canto, só e abandonada.

Na terra, agora inculta, onde cavou,
Muita flor viu abrir, numa alvorada,
E de pão viu sair muita fornada,
Das espigas que o Sol a rir dourou...

Mas tu, que por acaso a encontraste,
Sem teres contido o espanto que mostraste,
Nem bem saberes por onde lhe pegar,

Não vás pô-la de novo no seu canto!
Tira-a do chão, como se fosse um santo,
E põe-na, com respeito, num altar...

(Jaime Umbelino, Musa Antiga)

18.6.07

"O caos e a ordem"

Vou tentar arrumar os meus papéis...para ver se sai um LUGAR ONDE que se perceba!

17.6.07

Vitorino canta A.J. Forte





De facto, Vitorino tem uma bela canção com os versos de António José Forte, "POEMA", que faz parte do álbum "Leitaria Garret". Mais tarde foi incluída no seu álbum "As mais bonitas".
Obrigado à minha vizinha aqui

A VOZ em "Os Índios da meia Praia"

16.6.07

António José Forte




António José Forte:Póvoa de Santa Iria, 6 de Fevereiro de 1931 - Lisboa, 15 de Dezembro de 1988. Ligado ao movimento surrealista, integrou, desde o seu início, em meados da década de 50 do século passado, o chamado grupo do Café Gelo. Foi funcionário da Fundação Calouste Gulbenkian, onde, durante mais de vinte anos desempenhou as funções de encarregado das Bibliotecas Itinerantes.

POEMA

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar


(A. J. Forte)

14.6.07

Menina dos olhos tristes





Menina dos olhos tristes,

o que tanto a faz chorar?

-O soldadinho não volta

do outro lado do mar.


Senhora de olhos cansados,

porque a fatiga o tear?

-O soldadinho não volta

do outro lado do mar.


Vamos senhor pensativo.

olhe o cachimbo a apagar.

-O soldadinho não volta

do outro lado do mar



Anda bem triste um amigo,

uma carta o fez chorar.

-O soldadinho não volta

do outro lado do mar.


A lua que é viajante,

é que nos pode informar.

-O soldadinho já volta

do outro lado do mar.


O soldadinho já volta,

está quase mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho.

Desta vez o soldadinho

nunca mais se faz ao mar.


Poema de Reinaldo Ferreira


Intérpretes: Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso

Música: Zeca Afonso

13.6.07

AL BERTO





Faz hoje 10 anos que faleceu o poeta AL BERTO. Confesso que o conheço mal. Razão para o procurar na herança que nos legou, uma obra poética que se tem vindo a impor.
Hoje encontrei este poema:


dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos


Al Berto


(Foto in:http://nescritas.nletras.com/index.html

Reinaldo Ferreira


Poeta natural de Barcelona, filho do famoso jornalista com o mesmo nome, que nos anos 20 se celebrizou por assinar as suas peças sob o pseudónimo «Repórter X». Teve uma vida breve e pouco bafejada pela sorte. Iniciou os estudos secundários em Espanha, tendo-os concluído já em Moçambique, onde se fixou. Colaborou em algumas publicações de Maputo (a então cidade de Lourenço Marques) e da Beira: Capricórnio, Itinerário, Paralelo 20, etc. A sua poesia só ficou conhecida aquando da publicação póstuma dos seus Poemas (1960). Uma segunda edição, de 1966, vinha acompanhada de um prefácio de José Régio, que, tal como Vitorino Nemésio, lhe teceu largos elogios. A sua poesia pode ser enquadrada na tendência presencista, encontrando-se também elementos que a ligam ao simbolismo e ao decadentismo. Se nos seus poemas imperam a ironia, o niilismo e o absurdo, existe por outro lado um forte pendor humanista, visível na crítica a certos mitos.

Texto de www.astormentas.com/din/multimedia.asp?autor=...
Pouca gente sabe quem foi o autor das letras de canções célebres como Kanibambo e Uma Casa Portuguesa. E de poemas míticos como "Receita para fazer um herói" ( que Mário Viegas celebrizou ) e "Menina dos olhos tristes", cantada por Zeca Afonso. O seu autor chamou-se Reinaldo Ferreira, nascido em 20 de Março de 1922 e falecido de cancro do pulmão em 30 de Junho de 1959. José Régio ficou impressionado com a qualidade dos poemas que deixou. Os amigos publicaram-nos, tentando organizar um espólio disperso. A Ed. VEGA publicou em 1998 na col. O Chão da Palavra/Poesia, o livro de Reinaldo Ferreira «POEMAS», com estudo analítico de José Régio e Prefácio de Guilherme de Melo.
RECEITA PARA FAZER UM HERÓI
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

12.6.07

QUASE

Mário de Sá-Carneiro Parque dos Poetas, Oeiras

Um pouco mais de sol - eu era brasa.

Um pouco mais de azul - eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...


10.6.07

...se eu beijasse teu gesto...



Ó tocadora de harpa, se eu beijasse
Teu gesto sem beijar as tuas mãos!,
E, beijando-o, descesse plos desvãos
Do sonho, até que enfim eu o encontrasse

Tornado Puro Gesto, gesto-face
Da medalha sinistra - reis cristãos
Ajoelhando, inimigos e irmãos,
Quando processional o andor passasse!...

Teu gesto que arrepanha e se extasia...
O teu gesto completo, lua fria
Subindo, e em baixo, negros, os juncais...

Caverna em estalactites o teu gesto...
Não poder eu prendê-lo, fazer mais
Que vê-lo e que perdê-lo!... E o sonho é o resto...


(Fernando Pessoa)

9.6.07

Janelas para o mundo

(Magritte)




Janela: fronteira de todos os prisioneiros...

7.6.07

Passeando por aí (II)







Convento de Santa Maria de Almoster ( entre Santarém e o Cartaxo)
Edifício do séc. XIII, o convento sofreu alterações posteriores. Antiga pertença de monjas cistercienses, possui um claustro ogival do século XIV. A igreja tem um pórtico gótico, um notável interior forrado a azulejos policromados do séc. XVII, um magnífico trabalho de talha na capela-mor, bem como pinturas, frescos, altares laterais e soberbas esculturas.

Pertenceu ao convento cisterciense fundado em 1287, tendo sido a rainha Santa quem mandou construir a enfermaria e o claustro, com colunas geminadas e capitéis decorados. É de três naves com cinco tramos e arcos ogivais, abrindo lateralmente por um portal gótico. Destacam-se as imagens, pinturas, altares barrocos, painéis e azulejos do séc. XVIII

(Monumento Nacional, Decreto Nº 6644 de 27-5-1920
in Património Arquitectónico e Arqueológico ClassificadoEdição promovida pelo IPPAR, 1993 )


6.6.07

Passeando por aí (I)






Deambulando por aí ( A15, saída para S. João da Ribeira), fui dar à aldeia de Azambujeira, concelho de Rio Maior. As fotos são do largo principal:Pelourinho, casa dos Marqueses de Borba, Igreja.




A Azambujeira teve foral de D. Filipe III em 1633. Em 1834 o concelho foi extinguido e as suas freguesias integradas no concelho de Santarém. Em 1836 foi criado o concelho de Rio Maior para o qual Azambujeira transitou.É talvez a povoação mais antiga do concelho de Rio Maior, com os seus primórdios a remontarem ao tempo de D.Sancho II. Era grande senhorio destas terras o fidalgo Bartolomeu Domingues de Carvalho e, no seu período áureo andou ligado ás casas de Sabugosa, Mursa e Soure e ao Marquês de Borba.
Segundo o livro do séc. XVIII,(costa, A.Carvalho, Corografia Portuguesa e descrição topográfica do famoso reino de Portugal. Tomo III, Lisboa 1706-1712) o seu nome deve-se ao facto de ai terem existido muitas arvores de azambujos. O azambujo é uma árvore bravia parecida com a oliveira. O seu fruto parece uma azeitona pequena. (Wikipédia)

5.6.07

Ruy Belo, era uma vez

Vista do Cemitério de S. João da Ribeira (concelho de Rio Maior), com a Torre Mourisca (Mon. Nacional).


Campa rasa do poeta Ruy Belo, natural de S. João da Ribeira. Na pedra está gravado o seu poema COLOFON OU EPITÁFIO:

Trinta dias tem o mês

e muitas horas o dia

todo o tempo se lhe ia

em polir o seu poema

a melhor coisa que fez

ele próprio coisa feita

ruy belo portugalês

Não seria mau rapaz

quem tão ao comprido jaz

ruy belo, era uma vez


3.6.07

"Riu, pegou na corda e fez girar a roldana"



O pricipezinho estava cansado. Sentou-se. Eu sentei-me ao seu lado. Primeiro , ficou uma data de tempo calado, mas depois disse:

- As estrelas são bonitas por causa de uma flor que não se vê...

Eu respondi "Claro" e pus-me a observar, calado, as pregas da areia ao luar.

- O deserto é bonito - disse o principezinho.

E era verdade. Sempre gostei do deserto. Uma pessoa senta-se numa duna. Não vê nada. Não ouve nada. E, no entanto, há qualquer coisa a brilhar no silêncio.

- O que torna o deserto bonito - disse o principezinho - é haver um poço escondido em qualquer parte...

O Pricipezinho, Antoine de Saint-Exupéry

2.6.07

Além do Tejo


"Ó Alentejo esquecido
ainda um dias hás-de cantar."
(Zeca Afonso)
Deixo aqui este poema que me foi ontem enviado pelo meu amigo Cid Simões
Eu sei que o tema não é exaltante. Mas o Alentejo continua a desertificar-se. Alqueva não vai servir para uma agricultura modernizada mas para regar campos de golf. E já é um lugar de cruzeiros turísticos. Só o "Alentejo esquecido" vai deixando de cantar.


O ENFORCADO

No gesto suspensivo de um sobreiro,
o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,
espantalho que ninguém vê,
suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

(Alexandre O’Neill)

31.5.07

ETERNIDADE DO VENTO

Pintura de Sarah Anderson

Há poemas que trazem em si todas as paisagens do mundo e todos os abismos da alma humana.
Ruy Belo escreveu-os até morrer. Como este, de pormenorizado título, que se alonga por dez páginas:

«AO REGRESSAR EPISODICAMENTE A ESPANHA EM AGOSTO DE 1534 GARCILASO DE LA VEGA TEM CONHECIMENTO DA MORTE DE DONA ISABEL FREIRE»


(...)

procuro o teu mstério nos teus olhos

o teu rosto é tão vasto como um mundo

e quanto mais te olho mais pressinto

que é em vão que te procuro o fundo;

(...)

A minha eternidade é a do vento

que pelo movimento arrisca quanto é

e todo se resume no momento

(...)

30.5.07

A vós, que amais o amor...


Há muitos anos ouvi ler a história de Amadis. Agora ela chega-me de novo, pela mão de uma jovem que a está a ler para as aulas, na versão de Afonso Lopes Vieira, Romance de Amadis.
« Senhores, ouvide o Romance de Amadis, o Namorado. Escreveu-o um velho trovador português, mas depois um castelhano, trocando-lhe a língua e o jeito, da nossa terra o levou. Porém as mais nobres mentes de Espanha já por nosso o dão.
Em Portugal tem a segunda pátria o espírito heróico e amoroso da Távola Redonda.
E o conto é o do amor mais fino e fiel, de português amor, rendido como ele é só.
Ao começar o Romance, invoco a memória do cavaleiro-poeta que o compôs, para que me alumie. Invoco a alma do Portugal que aprendeu com Amadis a ser gentil e forte e a prezar a flor da Honra.
E vós que amais com amor heróico e fiel, que amais o amor, ouvide a história como eu a senti.»

29.5.07

Boa Vista - a Iha Fantástica

Dunas da ilha da Boa Vista / Cabo Verde: Morro de Areia. O deserto à beira-mar, num cenário de cortar a respiração, onde o epíteto de Ilha das Dunas ganha sentido. Do promontório avista-se um autêntico mar de areia, de vagas moldadas pelo vento, com o azul profundo
do Atlântico a acenar um convite difícil de resistir.




Praia de Chaves (Boa Vista, Cabo Verde)

A Ilha da Boa Vista

De Germano Almeida , escritor cabo-verdeano, é de ler: A Ilha Fantástica, retrato do lugar onde nasceu; Estórias contadas, compilação de crónicas escritas para O Público; e Viagem pela História das Ilhas, uma rota pelo arquipélago através daqueles que escreveram sobre ele. Todos editados pela Caminho.
(...)
De súbito, vem-me à memória uma cena do dia anterior. Uma jovem cabo-verdiana na praia, linda, de longos cabelos negros aos caracóis, a quem o namorado moldou uma cauda de sereia, numa cuidadosa escultura de areia. Quando cedi ao pedido para lhes tirar uma foto, vi que ela tinha tatuado todo o arquipélago na omoplata. A conversa posterior revelou que, tal como a maioria dos cabo-verdianos, também eles eram emigrantes. De que ela própria era a metáfora perfeita: dividida entre o conforto de uma vida melhor e o calor da terra natal, com o país gravado na pele. Ou no coração, tanto faz.

( Textos in : ROTAS & DESTINOS)

28.5.07

«Pôr em ordem»

Olhei-o nos olhos e desatei a rir. Ele não pode estar a falar a sério! - pensei. Transcorrido um certo tempo, nada se pode «pôr em ordem» entre duas pessoas; compreendi essa verdade sem esperança naquele instante, quando nos sentámos, ali, no banco de pedra. O homem vive, e corrige, ajusta, edifica, e destrói, algumas vezes, a sua vida; mas, passado tempo, dá-se conta de que o todo, tal como está, por força dos erros e do acaso, é imodificável. (...) Quando alguém emerge do passado para anunciar, em voz comovida, que quer pôr «tudo» em ordem, só podemos lamentar e sorrir das suas intenções; o tempo já «pôs tudo em ordem», à sua estranha maneira, da única maneira possível. ( Sándor Márai, A Herança de Eszter)

Entrada ou...saída?


Varatojo, Torres Vedras - Porta de entrada do átrio da Igreja


Há portas que não abrem nem fecham. São fronteiras de lugares diferentes.
Estão lá para serem vistas dos dois lados, a lembrar que nada é definitivo.

27.5.07

Não é despedida

«Céu visto de um navio. Campo visto dos montes:
a lembrança é de luz, de fumo, de lago em calma!

Para lá dos teus olhos ardiam os crepúsculos.

Folhas secas de outono giravam na tua alma.»

(Pablo Neruda, Vinte poemas...)





Na obscuridade

abre-se uma porta,

dela

caem em escamas as manchas do disfarce

repassadas de verdade.

(Paul Celan)

26.5.07

ESTRANGEIRICES TORRIENSES





É preciso dizer frontalmente: só os parolos falam "estrangeiro" na sua própria terra. Gente de bom gosto respeita a língua-mãe !
Estamos em Torres Vedras e não em Old Towers City !...