28.1.12

EÇA DE QUEIRÓS - Badaladas, 27 janeiro 2012


EÇA DE QUEIRÓS
Mestre de cena da comédia portuguesa

Ler Eça de Queirós é como descerrar a cortina de um palco e ficar perante o grande teatro do século XIX português, tão surpreendentemente próximo do que somos ainda hoje. Os seus romances marcaram a nossa literatura porque são povoados por personagens inesquecíveis que representam tipos e tiques de gente que todos conheciam na época e reconhecemos hoje ainda nos seus descendentes. Destaco três grandes romances: O Crime do Padre Amaro, em que Eça descreve uma vila de província e a hipocrisia moral e social de um clero boçal e videirinho; O Primo Basílio, em que fustiga a ociosidade e a futilidade  da pequena burguesia urbana, enredada em falsas virtudes; e essa obra maior, Os Maias, retrato impressivo das elites sociais e políticas de Lisboa que vivem no brilho do pechisbeque, ignorantes e decadentes. A abordagem destes temas correspondia em Eça de Queirós ao projeto de regenerar a vida social e política portuguesa. Cria ele que, mostrando os males, denunciando os erros, satirizando os costumes, talvez se transformassem os caracteres e se moralizasse a vida social. Esse era também o desígnio dos homens do “Cenáculo” e das suas Conferências no Casino Lisbonense. Mas a dura e espessa realidade acabou por se interpor como um muro. Anos mais tarde veremos esses homens filosofarem à volta de uma mesa de jantar, sossegadamente vencidos. Transformados, como Eça dizia de si mesmo, em “vagos anarquistas entristecidos”.
Todavia, abalaram Portugal com as suas ideias plasmadas em obras imorredoiras. Entre elas avultam as de Eça. Para além do espírito de observação, da sátira arrasadora e da ironia inimitável, o seu génio revelou-se na extraordinária capacidade para moldar a Língua Portuguesa numa nova roupagem: libertou-a do formalismo e da imobilidade e arejou-a com novos processos de escrita. Fazendo desabar os antigos preceitos estilísticos, recriou a Língua e fê-la capaz de entrar no mundo contemporâneo. |JMD

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NOTAS BIOGRÁFICAS
Eça de Queirós nasce em 1845, na Póvoa de Varzim. Conclui Direito, em Coimbra, e vem para Lisboa. Inicia atividade de cronista num jornal, em textos reunidos postumamente nas Prosas Bárbaras.  É diretor do Distrito de Évora, jornal da oposição, por um período de alguns meses. Em Lisboa, na casa de Jaime Batalha Reis, em 1867, integra o «Cenáculo», tertúlia intelectual que dará brado com a organização, quatro anos depois, das Conferências do Casino e que tem como figuras mais conhecidas, Eça, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, J. Batalha Reis e Oliveira Martins. Eça profere a quarta conferência intitulada «A Nova Literatura ou O Realismo como Expressão de Arte». Publicação em folhetins de O Mistério da Estrada de Sintra, em coautoria com Ramalho Ortigão, em 1870, ano em que foi nomeado administrador do concelho de Leiria. Em 1871 sai o primeiro número d'As Farpas dirigido por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Em 1872 entra na carreira diplomática. Foi cônsul em Havana, Newcastle e Paris. A primeira versão de O Crime do Padre Amaro é publicada em 1875, ano em que termina a escrita de O Primo Basílio, publicado três anos depois. Em 1879 escreve O Conde de Abranhos, publicado postumamente em 1925, tal como A Capital. A novela O Mandarim sai em folhetins em 1880. Um ano depois é publicada A Relíquia. Em 1888 publica a sua obra-prima Os Maias e integra o grupo Os Vencidos da Vida. Continua a colaboração em jornais e revistas e compõe vários Contos, além de traduzir As Minas de Salomão. A Ilustre Casa de Ramires começa a ser publicada em folhetins em 1897. Morre em Paris em 16 de Agosto de 1900. Em 1989 os seus restos mortais foram trasladados para Santa Cruz, nas serranias onde colocara a aldeia de Tormes do seu romance A Cidade e as Serras, que viria a ser publicado postumamente. Outros livros como Alves & Cª, Cartas de Inglaterra, Ecos de Paris, Notas Contemporâneas ou A Tragédia da Rua das Flores, só viriam a lume alguns anos depois da sua morte.
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CRONISTA EXEMPLAR
Eça de Queirós criou três romances fundamentais – Os Maias, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio – que faziam parte da sua idealização de um grande retrato literário de Portugal com fins de crítica social. Mas a sua obra não se confinou à ficção. Em crónicas de jornais e revistas da época deixou páginas fulgurantes de análise social e política. Perspicácia, humor, ironia, – foram instrumentos ao serviço de uma inexcedível capacidade de observação aplicada a partir dos consulados diplomáticos em que passou grande parte da vida.
«Antes e depois de Coimbra, pela vida fora, livros como Egipto, Cartas de Inglaterra, Ecos de Paris, Corres­pondência de Fradique Mendes, No­tas Contemporâneas é todo um largo e animado filme de aspetos da vida do tempo, surpreendida em sua fe­bre de ação e pensamento renova­dores. Sempre vivo nele o interesse vital da experiência humana, tanto como o interesse intelectual pelas criações do espírito, tanto como o interesse pelas mais profundas ansie­dades da alma.» (Hernâni Cidade in Portugal Histórico-Cultural)
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OS MAIAS - EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICA
É um dos grandes romances da literatura portuguesa, a história de uma família ao longo de três gerações, num plano inclinado de decadência que se consuma num episódio de incesto, símbolo da dissolução dos costumes e do amolecimento dos carateres. Poderoso quadro descritivo de um país que Eça alcunhou de “uma choldra torpe”.
«- Enfim – exclamou Ega – se não aparecerem mulheres, importam-se que é em Portugal para tudo recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima, com os direitos da Alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas… Nós julgamo-nos civilizados como os negros de São Tomé se supõem cavalheiros, se supõem mesmo brancos, por usarem com a tanga uma casaca velha do patrão… Isto é uma choldra torpe. Onde pus eu a charuteira?» (Ca. IV)
«E como Carlos lembrava a política, ocupação dos inúteis, Ega trovejou. A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis…Ainda assim podiam ser bonecos bem recortados, bem envernizados. Mas qual! Aí é que estava o horror. Não tinham feitio, não tinham maneiras, não se lavavam, não limpavam as unhas…» (Cap. XVIII)


 




24.1.12

Serra de Montejunto - Janeiro 2012 - Foto (C)Méon


Caminho este caminho,
saibro e neblina,
sabendo que mais adiante
não há destino.

S. Nidal 

13.1.12

Vitorino - "Rouxinol Repenica o Cante" [1]



A voz de Vitorino e uma flauta cantadora fizeram esta canção lindíssima.
A ouvir de novo...não cansa...

5.1.12

CAFÉ COM FILMES

 Ao jeito dos cine-clubes que durante tantos anos alimentaram a nossa cinefilia, o ATV - Académico de Torres Vedras volta ao CAFÉ COM FILMES. É uma oportunidade para ver filmes fora dos grandes circuitos comerciais.



2012 > Ano novo, vida nova.

Depois de dois anos de exibição, com intervenções diversas que antecediam os filmes, o Café com Filmes inaugura novo modelo de programação.
Os filmes passam a ser exibidos na sala principal, salvo situações pontuais que justifiquem o espaço do bar ou outros e apenas ocorrerá uma intervenção, em forma de espectáculo, no final da temporada, em Junho.

ENTRADA LIVRE. Exibição em DVD
Co-Produção com o Teatro-Cine de Torres Vedras
5ª feira, 21h30, Teatro-Cine Torres Vedras (quinzenalmente)


PRÓXIMOS FILMES:

A Nova Vida do Senhor O'Horten (12 de Janeiro)
Curtas Paragens - Sessões itinerantes de curtas portuguesas (26 de Janeiro)
Pater (9 de Fevereiro)

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A Nova Vida do Senhor O?Horten

Depois de 40 anos ao serviço dos Caminhos de Ferro, o pacato e solitário maquinista Odd Horten chegou finalmente à reforma e vai confrontar-se com toda uma nova vida...

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 Curtas Paragens ? Sessões itinerantes de curtas portuguesas

Exibição de curtas-metragens portuguesas, entre ficção e animação, que raramente têm estreia nas salas de cinema.

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 Pater

Vincent Lindon e Alain Cavalier são amigos. De vez em quando, vestem um fato e põe uma gravata. Ligam a câmara e filmam-se como homens de poder.

Para saber mais, VER AQUI.

3.1.12

NADA PARA LER!



Quem não sofreu já da "síndrome de Jacinto", aquela coisa que às vezes acontece antes de ir ler para a cama?

 (in: A CIDADE E AS SERRAS, Eça de Queirós, final do cap. VII)

«Suspirei, Jacinto preguiçava. E terminámos por remexer lan­guidamente os jornais que o mordomo trouxera, num monte facundo, sobre uma salva de prata — jornais de Paris, jornais de Londres, semanários, magazines, revistas, ilustrações... Jacinto desdobrava, arremessava: das revistas espreitava o sumário, logo farto; às ilustrações rasgava as folhas com o dedo indiferente, bocejando por cima das gravuras. Depois, mais estirado para o lume:

— É uma seca... Não há que ler. — E de repente, revoltado contra este fastio opressor que o escravizava, saltou da pol­trona com um arranque de quem despedaça algemas, e ficou ereto, dardejando em torno um olhar imperativo e duro, como se intimasse aquele seu 202, tão abarrotado de Civilização, a que por um momento sequer fornecesse à sua alma um inte­resse vivo, à sua vida um fugitivo gosto! Mas o 202 permane­ceu insensível: nem uma luz, para o animar, avivou o seu brilho mudo: só as vidraças tremeram sob o embate mais rude de água e vento.

Então o meu Príncipe, sucumbido, arrastou os passos até ao seu gabinete, começou a percorrer todos os aparelhos completadores e facilitadores da Vida — o seu Telégrafo, o seu Telefone, o seu Fonógrafo, o seu Radiómetro, o seu Grafofone, o seu Microfone, a sua Máquina de Escrever, a sua Máquina de Contar, a sua Imprensa Elétrica, a outra Magnética, todos os seus utensílios, todos os seus tubos, todos os seus fios... Assim um suplicante percorre altares donde espera socorro. E toda a sua sumptuosa Mecânica se conservou rígida, relu­zindo frigidamente, sem que uma roda girasse, nem uma lâmina vibrasse, para entreter o seu Senhor.

Só o relógio monumental, que marcava a hora de todas as capitais e o curso de todos os planetas, se compadeceu, batendo a meia-noite, anunciando ao meu amigo que mais um dia partira levando o seu peso — diminuindo esse sombrio peso da Vida, sob que ele gemia, vergado. O Príncipe da Grã-Ventura, então, decidiu recolher para a cama — com um livro... E durante um momento, estacou no meio da Biblioteca, considerando os seus setenta mil volumes estabelecidos com pompa e majestade como Doutores num Concílio — depois as pilhas tumultuárias dos livros novos que esperavam pelos can­tos, sobre o tapete, o repouso e a consagração das estantes de ébano. Torcendo molemente o bigode caminhou por fim para a região dos Historiadores: espreitou séculos, farejou raças: pare­ceu atraído pelo esplendor do Império Bizantino: penetrou na Revolução Francesa donde se arredou desencantado: e palpou com mão indeliberada toda a vasta Grécia desde a criação de Atenas até à aniquilação de Corinto. Mas bruscamente virou para a fila dos Poetas, que reluziam em marroquins claros, mostrando, sobre a lombada, em ouro, nos títulos fortes ou lânguidos, o interior das suas almas. Não lhe apeteceu nenhuma dessas seis mil almas — e recuou, desconsolado, até aos Bió­logos... Tão maciça e cerrada era a estante de Biologia, que o meu pobre Jacinto estarreceu, como ante uma cidadela inaces­sível! Rolou a escada — e, fugindo, trepou até às alturas da Astronomia: destacou astros, recolocou mundos: todo um Sistema Solar desabou com fragor. Aturdido, desceu, começou a procurar por sobre as rimas das obras novas, ainda brochadas, nas suas roupas leves de combate. Apanhava, folheava, arre­messava: para desentulhar um volume, demolia uma torre de doutrinas: saltava por cima dos Problemas, pisava as Religiões: e relanceando uma linha, esgravatando além num índice, todos interrogava, de todos se desinteressava, rolando quase de rastos, nas grossas vagas de tomos que rolavam, sem se poder deter, na ânsia de encontrar um Livro! Parou então no meio da imensa nave, de cócoras, sem coragem, contemplando aqueles muros todos forrados, aquele chão todo alastrado, os seus setenta mil volumes — e, sem lhes provar a substância, já absolutamente saciado, abarrotado, nauseado pela opressão da sua abundância. Findou por voltar ao montão de jornais amar­rotados, ergueu melancolicamente um velho «Diário de Notí­cias», e com ele debaixo do braço subiu ao seu quarto, para dormir, para esquecer.»