18.11.09

SOEIRO PEREIRA GOMES: CENTENÁRIO DO NASCIMENTO








SOEIRO PEREIRA GOMES


«PARA OS FILHOS DOS HOMENS QUE NUNCA FORAM MENINOS»

Num único livro um autor pode encontrar a imortalidade. Soeiro Pereira Gomes, quando morreu em 1949, mal completara 40 anos, tinha escrito a grande obra-prima do neo-realismo português: ESTEIROS.

Não foi por acaso que, em 1971, a Europa-América o escolheu para nº 1 da sua conhecida colecção de Livros de Bolso. Pequeno romance, relata a vida de uma terra ribatejana de beira-rio onde um grupo de miúdos sobrevive trabalhando nos esteiros do Tejo, esses pequenos canais de água lodosa e lamacenta que alimentam a laboração das fabriquetas de tijolo. Na solidariedade dos pobres e nas manhas de fintarem a fome é que estes rapazes se afirmam e crescem. Soeiro P. Gomes tinha os olhos bem abertos e o espírito disponível, para entender as duras realidades sociais que o rodeavam. Ele, que tinha nascido entre a pequena burguesia rural do Douro, que tirara um curso de regente agrícola e arranjara um emprego de escritório numa empresa de Alhandra, não ficou indiferente perante as dores humanas que os seus olhos viam: miséria, desemprego, exploração do trabalho infantil, falta de equipamentos colectivos. Meteu a mão na massa social e dedicou-se ao associativismo cultural e ao activismo político. Escritor por vocação interior, passa ao papel as vivências do quotidiano em que se empenha por inteiro. Observa atentamente o mundo envolvente mas olha-o com uma enorme e comovente sensibilidade. E é esse sentimento avassalador que o vai levar ao sacrifício máximo de empenhar a vida ao serviço dos outros: militante do Partido Comunista Português, passa à clandestinidade, onde o mau passadio e as longas caminhadas lhe arruínam a saúde e acabam por levá-lo a uma morte prematura.

Deixou muitas páginas de literatura e intervenção política. Mas ESTEIROS continua a ser o seu grande livro. Uma obra que se tornou intemporal, e cuja estatura lhe é conferida, logo no início, por aquela que é, talvez, a mais bela dedicatória da literatura portuguesa: «Para os filhos dos homens que nunca foram meninos escrevi este livro».




ESBOÇO BIOGRÁFICO

1909- Nasce Joaquim Soeiro Pereira Gomes, em Gestaçô, concelho de Baião, a 14 de Abril. 1915- Vai viver para casa de uma tia em Espinho e começa ali a frequentar o ensino primário. 1920- Matricula-se em Coimbra no curso de regentes agrícolas. 1928- Após a conclusão do curso, durante a festa de formatura, conhece a futura esposa, Manuela Câncio Reis. 1930- Parte para Angola, para trabalhar na Companhia Agrícola de Cassequel, em Catumbela. Insatisfeito com o trabalho e com o clima, chocado com o tratamento dado aos nativos e com problemas de saúde, regressa no ano seguinte. 1931- Casa com Manuela Câncio Reis e emprega-se na fábrica Cimento Tejo, em Alhandra, para onde vai viver. 1934- Primeira aparição pública do casal, colaborando na revista Carnaval, da autoria de Francisco Filipe dos Reis, pai de Manuela. 1935- Envia o conto O Capataz ao jornal O Diabo para publicação. É cortado pela censura. São realizados melhoramentos na Charca da Hortinha e começam as lições de natação. 1937- É levada à cena a revista Sonho ao Luar, no Teatro Salvador Marques, em Alhandra. Adesão ao Partido Comunista. 1938- Inauguração da piscina do Alhandra Sporting Clube, iniciativa de Soeiro P. Gomes, inconformado por ver os miúdos pobres a chafurdarem nas águas lodosas da margem do Tejo. A piscina foi feita pela população. 1939- Início da publicação de crónicas no jornal O Diabo. 1940- A 15 de Fevereiro um grande ciclone devasta a região da Grande Lisboa. Soeiro Pereira Gomes e alguns amigos passam vários dias a socorrerem vítimas isoladas nos mouchões e outras ilhas e recantos do estuário do Tejo. Neste mesmo ano a editora Sirius, no Porto, publica a primeira edição de Esteiros. 1944- Após movimentos grevistas de grande amplitude na cintura industrial de Lisboa, Soeiro Pereira Gomes passa à clandestinidade. 1948- É eleito para o Comité Central do PCP. É-lhe detectado um cancro nos brônquios. 1949- A 5 de Dezembro falece em Lisboa, em casa da sua irmã, a escritora Alice Gomes, após um internamento de dois meses, com um nome suposto, no Instituto Português de Oncologia.








TEMPESTADE NO TEJO



- Arreia as velas, Chico!

Mas era tarde. Um golpe de vento rasgou de repente a vela grande e atirou Gineto contra o guincho.

- Agarra-te! – gritou o pai, dobrado sobre a cana do leme.

Uma vaga alta açoitou o barco, da proa à popa, outra vaga lambeu os oleados e penetrou nas cavernas. Gineto deslizou aos baldões até junto do timoneiro, que tentava agora colher a bateira.

- Pai: eu não tenho medo.

- Depressa! Salta…

- Vou buscar as roupas.

Ia voltar à proa; mas o arrais segurou-o. – Salta… senão morremos aqui!

(in: Esteiros)









BAPTISTA PEREIRA, O GINETO


Verão dos anos 50, praia da Nazaré, era eu miúdo. Há um burburinho no areal, gente a correr em direcção ao mar. Corro também. E vejo, então, um homem corpulento, calção preto, a escorrer água, rodeado de gente, alguém que lhe dá uma toalha,

deixem passar, deixem passar!

Ofegante, vem de um enorme esforço,

quem é? quem é?

– perguntam-se muitos.

Eh pá! É o Baptista Pereira, veio de S. Martinho do Porto a nadar até aqui!

Baptista Pereira! Nunca mais esqueci este nome. O melhor atleta português dos anos 50 e o primeiro com projecção internacional, campeão de natação de longo curso e resistência. Nascido em Alhandra em 1921, falecido e lá sepultado em 1984. Com um impressionante currículo desportivo, de que se destacam o recorde, em 1953, da travessia do Estreito de Gibraltar, e o da travessia do Canal da Mancha, em 28 de Agosto de 1954.

Infância à beira Tejo, miúdo dos esteiros e telhais, carregador de botes, salteador de laranjais para matar a fome, foi nele que Soeiro Pereira Gomes se inspirou para criar a figura inesquecível do Gineto, pé descalço e briguento, rebelde pela sobrevivência, que depois se fez o herói popular dos mares longínquos, ele que aprendera a enfrentar as águas revoltas das grandes invernias no Tejo.



1 comentário:

Laurita disse...

Olá meu amigo, gostei muito dos ESTEIROS e a frase mais marcante é sem dúvida MOÇOS QUE PARECEM HOMENS E NUNCA FORAM MENINOS. Antigamente a psicologia não entrava em nada a fome chegava sempre primeiro. Hoje tem-se quase tudo e não se valoriza nada. Lembro-me de a minha avó contar que uma sardinha era para 3 o pão sabe Deus era sempre dividido por 10 enfim!...nem é bom falar, pois há quem não acredite. Beijócas amigo e FELIZ NATAL.