10.8.13

REQUIEM POR URBANO TAVARES RODRIGUES


Nos finais dos anos 80, em data que não sei precisar, Urbano T Rodrigues veio a Torres Vedras, para apresentação de um livro, numa iniciativa da Cooperativa de Comunicação e Cultura de cuja Direcção eu fazia parte. Nesta foto ele está junto da nossa saudosa Amélia Antunes - falecida em 1994 - e apresta-se a receber mais um livro para autografar.
No dia do falecimento do grande escritor - 9 de Agosto corrente - lembrei-me desta foto que tinha guardada num livro. Com ela veio a recordação desse dia, marcado pela afabilidade de Urbano. Era um homem doce, sorriso de menino, voz serena, sem pose nem atavios. Aquele era o grande e amado professor universitário,  da Fac. de Letras de Lisboa. Que foi proibido de dar aulas pelos esbirros do regime. Que se inscreveu no Partido Comunista Português por uma questão de Humanismo e de eficácia na luta contra a ditadura de Salazar. Que foi preso político e perseguido como mal-feitor. 
Aquele era o autor de livros que líamos às escondidas: A Porta dos Limites, Bastardos do Sol, Os Insubmissos, Uma Pedrada no Charco...
Nós sabemos, Urbano, já não eras novo. Fazias parte de uma geração de ouro da nossa Literatura de que eras o último sobrevivente: David Mourão-Ferreira, Augusto Abelaira, Judite de Carvalho, Manuel da Fonseca... Deixas uma obra vastíssima, traduzida em muitas línguas, mas deixaste de ser lembrado pela república portuguesa das Letras, sempre pronta a erigir novos talentos. Ficaste para trás, não por seres escritor menor mas porque foste fiel aos princípios: que coisa mais fora de moda, um escritor comunista! Talvez por isso te passou ao lado o Prémio Camões, que bem merecias.




Contudo, não estavas esquecido. O livro "50 anos de vida literária", publicado pela ASA em 2003, traça o teu percurso brilhante e recorda-te em fotos que já são da nossa História comum. Relei-o agora, devagar, homenagem à tua memória.




Este último livro que publicaste, no ano passado, pareceu-me uma premonição do fim. A última página:
«Mas a sua partida, só a concebia em glória, ainda não descobrira como.Veio a chuva doce de abril, com o arco-íris enlouquecendo de cor cerros e vales.
Octávio apelou então a todas as energias que lhe restavam e apanhou um táxi, que o deixou, como ele queria, junto ao Pireu.
Aí, no alto da rocha, olhou para a baía em baixo, o mar pro­fundo, onde haveria ainda restos da estatuária helénica.Despiu-se e atirou-se em voo para a morte.
Desceu muito, muito fundo, mas ainda vislumbrava, à sua volta, grutas, peixes, cintilações misteriosas.
Não queria voltar à tona de água.Os seus pulmões encheram-se de morte.
E Octávio descansou.»
in: Escutando o Rumor da Vida, Ed. D. Quixote, Alfragide, 2012

Guardarei sempre o teu testemunho nestas palavras tão simples e tão intensas:

«Comecei a escrever para me encontrar, me procurar a mim próprio, e aos outros, e à vida, e ao destino. Fi-lo por inquietação, inquietação que tinha tanto a ver com a literatura como com a metafísica e com o social. Tomei, desde muito cedo, consciência da injustiça social que via à minha volta no Alentejo, para onde fui viver em criança, e depois no País e no mundo.»

Entrevista a Fernando Dacosta, in "Visão", 21 Novembro 2002



2 comentários:

Joaquim Cosme disse...

Sempre tive grande simpatia por Urbano Tavares Rodrigues. Acho justa esta homenagem.
Joaquim Cosme

lis disse...

Bela inspiração para pesquisar poemas desse autor e estou a publicar por esses dias um poema sobre a estação do momento no Brasil.Valeu!
Gostei muito do post.
Obrigada por compartilhar .
abraço