27.8.10

REDESCOBRIR A CIÊNCIA

LEITURAS DE VERÃO

REDESCOBRIR A CIÊNCIA


Para muitos de nós a Ciência é um território interdito: os progressos da investigação ao longo do século XX criaram uma barreira quase intransponível para o vulgar cidadão. Por isso nunca foi tão grande a distância entre o saber comum e o saber científico.

E no entanto a Ciência, com a tecnologia que nela se baseia, é a base da vida actual. Novos materiais, recursos médicos, electrotecnia, informática, produtos alimentares, genética… - são inúmeras as aplicações das descobertas científicas que acontecem todos os dias e de que raramente temos conhecimento. Neste campo fazemos a figura do indígena do filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”.
Muitas vezes desejei encontrar um guia de viagem que me permitisse aventurar no país da Ciência, sem me perder e evitando becos e atalhos inúteis, ciente de que os meus estudos de há quarenta anos estavam mais que antiquados. É certo que em tempos descobri os maravilhosos livros de divulgação científica das Publicações Gradiva, de que Carl Sagan com “Os Dragões do Eden” ou “Cosmos” são exemplos brilhantes. Mas faltava-me um livro-síntese dos saberes. Uma obra cientificamente rigorosa, bem fundamentada, actual e que resumisse o percurso de cada ramo da Ciência; e que, simultaneamente, tivesse linguagem acessível à minha condição de leigo nas matérias. Esse livro, felizmente, existe. Encontrei-o há meia dúzia de anos e encheu-me as medidas.




Chama-se “Breve História de Quase Tudo”, da autoria de Bill Bryson,  editado pela Quetzal Editores em 2004 e distinguido com o Prémio Aventis 2004 para melhor obra de divulgação científica (atribuído anualmente pela Real Sociedade das Ciências de Inglaterra).
Não se trata de um pesado tijolo de papel, repleto de dados e equações, esquemas e enumerações sem fim. Pelo contrário: é uma abordagem muito inteligente da Ciência, recorrendo a exemplos sugestivos e não descurando o humor. Para os mais exigentes não falta, no final, uma boa Bibliografia e um Índice Remissivo.
Agosto vai alto e pode ser uma boa altura para pôr em dia as leituras atrasadas. Ou para variar, indo ao encontro de outros saberes e experiências. Bill Bryson é um mestre da boa divulgação científica e lê-lo não é perder tempo.
A partir deste primeiro livro, fui em busca de outros do autor, na mesma editora. Continuei encantado: trata-se de relatos de viagem, muito bem escritos, cheios de humor e perspicácia, juntando informações pertinentes da História, Geografia ou Antropologia dos lugares visitados. Deliciei-me com “Made in América”, e “Crónicas de uma Pequena Ilha”. Faltam-me mais três que deixo ao leitor o cuidado de descobrir, caso tenha ficado curioso com estas despretensiosas sugestões de leituras de Verão. | JMD

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DO LIVRO “BREVE HISTÓRIA DE QUASE TUDO”

«Hoje em dia, os astrónomos podem fazer coisas inacreditáveis. Por exem­plo, se alguém acendesse um fósforo na Lua, eles seriam capazes de distinguir a chama. A partir da mais pequena pulsação ou oscilação de astros distantes conseguem deduzir o tamanho, a natureza e até a potencial habitabilidade de planetas demasiado longínquos para serem visíveis por nós. Planetas tão dis­tantes, que precisaríamos de meio milhão de anos de viagem em nave espacial para lá chegar. Com os seus radiotelescópios conseguem capturar ondas de ra­diação tão incrivelmente ténues que o total de energia recolhida do exterior do sistema solar, desde que essa recolha foi iniciada (eml951), é, nas palavras de Carl Sagan, "inferior à energia de um simples floco de neve a bater no solo".
Resumindo, não há quase nada no universo que os astrónomos não con­sigam detectar quando resolvem fazê-lo. Daí que pareça inacreditável que só em 1978 se tenha descoberto que Plutão tem uma lua.»

Outro exemplo do estilo de escrita do autor encontramo-lo no texto em que trata do átomo, essa partícula invisível a olho nu e que é a base da matéria: 

«Meio milhão de átomos, lado a lado, poderiam esconder-se por trás de um cabelo humano (…) se quisesse ver a olho nu uma paramécia a nadar numa gota de água, teria de aumentar a gota até esta ter 12 metros de largura. No entanto, se quisesse ver os átomos na mesma gota, teria de a aumentar até ela ter 24 quilómetros de largura».


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CIÊNCIA E POESIA


António Gedeão (1906 - 1997 ) foi poeta mas também divulgador de Ciência. A sua escrita e o seu magistério docente mostraram a unidade fundamental do Homem, provando que entre a emoção poética e o rigor científico não há oposição mas complementaridade.

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


Gota de Água

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.


Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


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Página dedicada ao meu filho João Daniel, que faz hoje 29 anos e escolheu a Ciência como lugar e realização de vida.




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