A tia Ana era irmã de meu pai. Camponesa, olhadeira da igreja paroquial de S. Vicente do Paul (Santarém), não tendo casado optou por consagrar a sua vida ao ideal franciscano. Pertencia à Ordem Terceira.
Uma manhã, em Alpiarça, onde por vezes nos visitava e se demorava alguns dias, respondeu-me assim, quando lhe perguntei se tinha dormido bem:
- Custou-me muito a adormecer, estranhei a cama. Mas quando isto me acontece eu digo assim:"Olha, irmão corpo, pus-te em posição horizontal, estás numa boa cama, tens roupa... se não dormes eu não tenho a culpa..."
- E depois, se não vem o sono, o que é que a tia faz?
- Eu fico à espera e vou rezando...- e o seu rosto abriu-se num sorriso de bondade.
Anos depois contei esta história à minha amiga Maria Laura Madeira. Mulher de prosas e versos saborosos, passados dias ofereceu-me este soneto:
"IRMÃO CORPO" (dedicado à autora desta expressão)
Irmão corpo dorido e insubmisso
Já não sei se te quero se te
aguento
O que
tens por viver é
pensamento
Debandas,
e eu às vezes
dou por isso
Está minada a raiz do compromisso
Se te
deito tens medo do momento
Em que o
sono te leve ao esquecimento
E não saibas voltar ao teu serviço
Que medo é esse à Fé que não renegas
Irmão corpo, se aos poucos tudo
entregas
Do espólio tão terreno que tiveste
Leva-me
duma vez ao meu destino
Tu foste só um pobre peregrino
Deixa sem pena as penas que me deste
Isto foi em 1997. Revi agora o poema na pequena edição que a Maria Laura distribui pelos amigos com o riso límpido com que sublinha as suas dádivas.
Deixa sem pena as penas que me deste
Isto foi em 1997. Revi agora o poema na pequena edição que a Maria Laura distribui pelos amigos com o riso límpido com que sublinha as suas dádivas.
Obrigado, Maria Laura.
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