9.10.06

O mais é nada...






Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!



Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
e cala. O mais é nada.

(Ricardo Reis)

6.10.06

Ah! Outono lindo...


(...)
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.
( Natália Correia)

1.10.06

Alguém, bem longe...






De Timor, Ana V. envia um SMS desesperado e lúcido.
Mergulhado na incerteza, procuro Ruy Belo. Leio:



Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu

Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu


Daqui a Timor vai a ponte de um enorme abraço de solidariedade!

29.9.06

HELP ME!!!!

É bem verdade, como diziam os antigos gregos:

DA ESTUPIDEZ HUMANA ATÉ OS DEUSES TÊM MEDO!


Não tenho, pois, que me admirar...

27.9.06

Pelo Outono...andando...





Nevoeiro leva
lava-me
leveda-me
pelo Outono andando
perco-me
percebo-me
parca que me leva
Por onde, Outono?
Parto? Chego?
Por perto me parto
tão parco, tão pouco
me louco
m'evado, m' Outono...

Que lugar é este?

Pergunto, perguntamos. E abro Fernando Pessoa ao acaso. Põe-me a mão sobre o ombro e arrasta-me pelas ruas de Lisboa. Vai falando:


« Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!

Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?Está maluco.
(...)


Hoje é quem eu sou.Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.

Se eu pudesse crer num manipanso qualquer
–Júpiter, Jeová, a Humanidade,
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!


Fernando Pessoa

Droga pesada, este homem. Procuro desembaraçar-me dele, quero caminhar sozinho. Paro junto ao Jardim de S. Pedro de Alcântara, olho o mar de casas. Custa-me respirar, a angústia tira o sono, o apetite, a alegria.
Mas ele alcançou-me de novo e diz, muito de leve, a olhar em frente:
"... netos do Destino e enteados de Deus , que casou com a Noite Eterna quando ela enviuvou do Caos que nos procriou..."

22.9.06

O estado da Educação

A revistaVISÃO traz um suplemento com o título "O estado da educação". Vale a pena ler, começando no "A revolução necessária", de Henrique Botequilha. Cito:
«Em 2003, a empregabilidade dos jovens entre os 20 e os 24 anos que não acabaram o ensino secundário era ligeiramente superior à dos que o completaram. Portugal era o único país que apresentava esta situação. Esse tem sido o estímulo do mercado de trabalh0: pouco exigente, acaba por tratar de forma indiferenciada, em admissões e salários, toda a gente, independentemente das suas habilitações.»
Nós já suspeitávamos que assim fosse, mas vê-lo apoiado em estudos sérios até arrepia!
Porque a realidade tem sido esta: o insucesso escolar radica, em grande parte, no atraso cultural das famílias e da sociedade em geral, atraso contra o qual a Escola se esfalfa numa luta muitas vezes inglória.
Claro, é mais fácil apontar o dedo à Escola, isto é, aos professores.
Mas... Por exemplo: quantas famílias têm uma biblioteca razoável em casa? Quantos pais são capazes de se sentarem a ler (ao menos!) um dos livros que os filhos estudam na Escola? Quantos pais dizem não ter tempo para acompanhar os filhos mas já o têm para ler os jornais desportivos, que continuam a vender-se melhor que qualquer dos outros? Quantos pais foram, este ano, ao teatro? Ao cinema? A um concerto de música de qualidade?
E ao futebol?
Nos debates públicos gostava de ver, ao lado da senhora ministra da Educação, a titular da Cultura. Para que, quando a primeira falasse dos professores como fala, a outra contrapusesse os dados arrasadores de todos os índices culturais da sociedade portuguesa.
Talvez assim se percebesse - finalmente! - onde está a grande causa do insucesso escolar dos nossos alunos!

21.9.06

Presença menos regular




O meu PC vai para revisão o que me leva a estar por aqui menos vezes. Mas sempre que apanhar um PC de empréstimo...
Agora vou comer um gelado - este encontrei-o numa rua em Budapeste, fazia parte do cowparade lá do sítio.
:-) :-) ;-)

19.9.06

Ler é assim tão importante?



Ora vejamos...


Estamos na civilização da imagem. Houve até quem dissesse muito a sério que “uma imagem vale por mil palavras”.
Então, para quê tanto alarido com a necessidade de ler?

Há mais de cinco mil anos os escribas eram considerados pelos egípcios uma classe privilegiada. Porque dominavam os códigos de comunicação, escreviam mensagens e lançavam-nas ao futuro – e elas chegaram até nós. Hoje mantém estatuto idêntico quem domina esses códigos e os coloca ao serviço de qualquer projecto de afirmação: os advogados, os políticos, os economistas, os ministros de todas as religiões. Quem os desconhece perde capacidade de intervir ou, mesmo, de sobreviver. Tudo gira em torno da palavra escrita, meio indispensável de manutenção dos vínculos sociais.
Esta evidência está na origem do gigantesco esforço que se tem vindo a fazer ao longo das últimas décadas para erradicar o analfabetismo português que, à data da implantação da República, em 1910, rondava os 80%.
Em 1997 o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas lançou o Programa Nacional de Promoção da Leitura. Por esse país fora alastrou uma rede pública de bibliotecas que cobriu praticamente todos os concelhos. Um exemplo é o dinamismo da nossa Biblioteca Municipal, integrada nessa rede e apoiada pelo referido programa. Mas os resultados palpáveis tardam em aparecer. Se o analfabetismo puro e duro foi muito atenuado, continua a manifestar-se um elevado índice de iliteracia, entendida esta como a “capacidade para ler e perceber o(s) sentido(s) do que se lê”.
Daí o lançamento recente – em Junho deste ano – do Plano Nacional de Leitura (Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2006), em cuja introdução se lê, a abrir:


«Os resultados globais de estudos nacionais e internacionais realizados nas últimas duas décadas demonstram que, no que respeita ao domínio da leitura, a situação de Portugal é grave, revelando baixos níveis de literacia, significativamente inferiores à média europeia, tanto na população adulta, como entre crianças e jovens em idade escolar.»
E mais adiante:

«Também os resultados das provas de aferição, realizadas no final do 1.º ciclo, tornaram evidente que a maioria das crianças faz a transição para o 2.º ciclo sem ter adquirido competências básicas no domínio da leitura e da escrita.»
Em nossa opinião, este é um projecto que deve assumir dimensão nacional. Estando centrado nas escolas, todos somos chamados a intervir: pais, educadores, associações, comunicação social.
Não, uma imagem não vale por mil palavras. Porque, sem palavras, qualquer imagem fica prisioneira da simples e limitada percepção visual.
MD
Os jovens não lêem! Que fazer? Sim, que fazer?

Daniel Pennac tentou responder à pergunta angustiada de pais e professores num livro notável e plenamente actual, publicado em 1993 pelas ed. ASA: Como Um Romance.
O autor faz uma análise brilhante sobre o percurso da aprendizagem da leitura. Em pequenos capítulos, cheios de humor e observações centradas na experiência de todos nós, mostra como a perda do gosto pela leitura está ligada aos erros pedagógicos dos primeiros anos escolares. E assim, o que era gosto e aventura na fase da leitura recreativa, feita pelos pais antes de a criança adormecer, torna-se, na escola, obrigação penosa, uma “seca”. Transformamos os ouvintes sedentos em dissecadores de frases, livros sobre a mesa da morgue.
Opõem-lhe o exemplo de professores que fazem leitura expressiva (em voz alta) nas aulas. Uma aluna de um desses professores relata a sua experiência inesquecível:

«Essa descoberta aconteceu depois de uma interminável escolaridade, onde o ensino das Letras nos colocara a uma respeitável distância dos livros. Mas o que fazia ele, que os outros professoreis não faziam? Nada de especial. Sob certos aspectos, até fazia menos. Acontecia apenas que não nos entregava a literatura com um conta-gotas analítico, servia-a em generosas quantidades… (…) Falava-nos de tudo, lia-nos tudo, porque sabia que não tínhamos uma biblioteca na cabeça. Tomava-nos por aquilo que éramos, jovens alunos incultos que mereciam aprender.». (Op.cit, 11ª ed., pág. 84/85)

Na linha da dessacralização da literatura que é o pano de fundo do seu livro, Daniel Pennac enunciou um decálogo que se tornou célebre:

" Em matéria de leitura, nós, os «leitores», temos todos os direitos, a começar pelos que recusamos aos jovens que pretendemos iniciar na leitura.
1) O direito de não ler.
2) O direito de saltar páginas.
3) O direito de não acabar um livro.
4) O direito de reler.
5) O direito de ler não importa o quê.
6) O direito de amar os «heróis» dos romances.
7) O direito de ler não importa onde.
8) O direito de saltar de livro em livro.
9) O direito de ler em voz alta.
10) O direito de não falar do que se leu.
(...)
Porque se queremos que o nosso filho, a nossa filha, a juventude leiam, é urgente outorgar-lhes os direitos que outorgamos a nós próprios."

11.9.06

À janela...



De janela para janela, como antigamente.

Claro, um computador não é tão bonito. Mas permite esta comunicação à distância.
Deste LUGAR ONDE comunico com os vizinhos aqui vai um "aviso" à navegação: ouçam os CANTARES DE AMIGO. ( cantaresdeamigo.blogspot.com)
Lá hão-de encontrar o pequeno texto, a fotografia muito bonita, o humor subtil, a ternura de partilhar recordações, livros, discos...

Olá, "Avelaneira florida"!

9.9.06

Museu Municipal Leonel Trindade - Torres Vedras






O tempo dos museus como lugares bafientos já lá vai. Hoje vai-se ao museu para passear, para ver coisas bonitas e diferentes. As exposições não ficam paradas no tempo, renovam-se. Alguns até têm bar com jornais e revistas.

Antigamente:
- Já visitaste o Museu Municipal?
- Fui lá há três anos... aquilo é sempre a mesma coisa...

Agora:
-Não percas a nova exposição do Museu!
-Já abriu?
-Vai ser inaugurada em 22 de Setembro. Fui lá espreitar, acho que vale a pena. É sobre o castro do Zambujal, apresentado de uma forma muito sugestiva. A exposição apela à participação activa dos visitantes.

6.9.06

A FOTO QUE FALTAVA



Kazuo Dan era este homem amável e feliz que a foto documenta numa rua de Santa Cruz, praia do concelho de Torres Vedras.
(Só agora consegui transferir a foto que saíu na página LUGAR ONDE. )

5.9.06

IMAGENS A RETER





Abóbada de nervuras - Castelo de Torres Vedras


Porta de entrada no Castelo (vista do lado de dentro)



O Armando é um homem atento e amante das coisas torrienses. Não se vai zangar comigo por eu mostrar aqui duas ou três fotos que ele fez nas visitas guiadas ao Centro Histórico com a Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras.
Olhar e VER!
Obrigado, Armando!

FOI EM SETEMBRO ... 1965... Muitos de nós vivemos isto por dentro...

JOSÉ BAÇÃO LEAL: testemunha e mártir

O que dói na lembrança deste jovem que a guerra colonial roubou à vida em Setembro de 1965- faz agora 40 anos -, é a lucidez e a amargura com que caminha em direcção ao fim pressentido. José Bação Leal é hoje um símbolo de milhares de vidas cortadas à vida pela obstinação de uma política cega: aquela que inventou a ideia supremamente estúpida de “Portugal, um país que vai do Minho a Timor”.

Muitos fugiram à guerra emigrando. A maioria teve de suportá-la, na Guiné, em Moçambique ou em Angola. De 1961 a 1974 os jovens de Portugal eram recrutados para uma missão que a comunidade internacional condenava mas que Salazar e Marcelo Caetano defendiam “orgulhosamente sós”!
Um desses jovens chamava-se José Crisóstomo Gomes Bação Leal, nascido em Lisboa em 1-7-1942. Inteligente e de invulgar sensibilidade, escreveu poemas que chegaram até nós porque a mãe os recuperava carinhosamente do cesto dos papéis para onde ele os mandava, na impaciência dos vinte anos. Atento às ideias do seu tempo, lia os grandes autores e deles dava conta em muitas cartas aos amigos.
Não escapou ao recrutamento militar. Primeiro em Mafra, depois nos Rangers de Lamego, foi levado para o norte de Moçambique “para combater os terroristas” – na linguagem, essa sim terrorista, de Kaúlza de Arriaga. Insofrido com as injustiças do colonialismo e a arrogância dos senhores da guerra, enfrentou-os pela palavra e pelo gesto. Não lhe perdoaram. Atiraram-no para onde a guerra era mais acesa. Morreu numa emboscada perto de Nampula, em 1 de Setembro de 1965.
Em 1971 seu pai e um grupo de amigos publicaram um livro intitulado “POESIA E CARTAS”, com os textos de José Bação Leal. Um pequeno prefácio de Urbano Tavares Rodrigues salientava a sua extraordinária dimensão humana e literária.
Estes textos são hoje um impressionante libelo contra a guerra colonial, contra todas as guerras. Como diz Urbano T. Rodrigues:
«Além de nos fazer conviver humana e esteticamente com quem teria porventura vindo a ser – não lhe houvessem truncado a vida a crueldade e a insânia que ele denuncia – um dos maiores escritores da língua portuguesa do nosso tempo, este livro fica para sempre, no seu valor testemunhal, como um marco histórico, resumindo a agonia e o martírio de tantos e tantos jovens... O seu testamento – este maço de cartas, este punhado de versos – toma o valor de um legado escrito com sangue, de um eco que nenhum vento repressivo poderá apagar, senão que há-de ampliar-se, em sementeira de som, até ao triunfo do que foi para José Bação Leal razão de viver e morrer: a glória da paz e da justiça.»



Excertos de cartas
José B. Leal a vários amigos

«(...) Mas regressando ao Alto Molocué, trata-se duma espécie de povoação onde meia dúzia de brancos exploram muitas centenas de negros. De resto, talvez não saibas que se atribuíssemos a invenção da ternura ou da inocência a uma raça, só um cego voluntário não a atribuiria à raça negra. Esclareço: ainda não percebi, não constatei em nenhuma criança branca a ternura e a inocência que diariamente constato no doloroso, antigo olhar das crianças negras que se cruzam. Elas param à minha passagem (não minha de alferes ou senhor, mas de branco) e dizem usando uma voz que vem do coração dos séculos: «bom dia mêu alfé». Aprendo que nunca fui criança, vivi uma infância manchada de egoísmo.» (26/Novembro/1964)

(…) Não sei como enfrentar o cruel silêncio do mato. Vou “dar gritos à natureza”. Vou perder a infância, as manhãs verdes. Vou crescer inocente, forte, contra os muros do medo. Um dia, o inevitável encontro comigo mesmo, a tragédia numa rua da alma, não me reconhecerei. Reconhecer-me-ei? Talvez. Para isso… (indizível coerência) …vou passar em fúria pelas mesas, vou acordar no povo uma bandeira de trigo, à flor dos lábios. (…) (17/Abril/1965)

“Esta é a terceira carta que te escrevo num período temporal bastante curto. Ainda estou vivo, dentro desta morte, é claro.
“Desculpa o apelo. Mas aqui no Alto Molocué, só consigo, melhor: já consigo conversar com os cães. Os homens não sei onde estão. Minto: sei, mas não digo!
Aguentarei dois anos tão desesperadamente calmo? De quando em vez faço-me esta pergunta. Depois, instalo-me num canto, convido uma ou outra sombra que mereça a minha simpatia, e fico, por muito tempo, olhando nos olhos, sem espanto, a vida. Aconselho-te: como exercício é quase salutar. “ (30/Janeiro/1965)



Poemas de José B. Leal

Porque voam os pensamentos no ventre da solidão?

se a minha mão adormece numa chaga bêbeda…

Porquê? Pergunto-me na transparência do meu mundo.

As respostas batem na parede espelhada

que esclarece as cores do desespero


E caem

pesada inutilmente no tapete da consciência.


Por momentos sei que pensar não ajuda as coisas.

Gasta o tempo mudo

e coloca-nos na obliquidade da vida.



E como não sou uma parede com alma

que sangre em silêncio

fecho as portas da angústia e entro

como um príncipe bêbado na festa dos vivos.

*

Coragem mão
como coisa possessa
e fora de horas defronta o tempo
O rasgão está aberto
Basta um murmúrio de dedos
e a morte fará o resto

3.9.06


«Rosa rosae
flor que tantas vezes dissemos sem pensar


Fulgurante,
indiferente e absoluta,
apenas rosa»







A rosa, eu sei. Não esqueço. Amanhã direi todas as palavras que faltam.

1.9.06

RECORDAR UM GRANDE POETA DO SÉC. XX

Ruy Belo (1933 /1978)



Conhecem S. João da Ribeira? Fica perto da Ribeira de S. João, concelho de Rio Maior. Quem entra na A-15, vindo da A-8 a caminho de Santarém, encontra a saída para esta aldeia.
O que tem ela de especial?
É a terra natal de Ruy Belo, poeta enorme, que não me canso de revisitar. E é lá que ele está sepultado.
Mais uma vez deixei uma rosa amarela sobre a sua campa rasa.
Na pedra tumular foi gravado um poema seu, com o título de COLOFON OU EPITÁFIO


Trinta dias tem o mês
e muitas horas o dia
todo o tempo se lhe ia
em polir o seu poema
a melhor coisa que fez
ele próprio coisa feita
ruy belo portugalês
Não seria mau rapaz
quem tão ao comprido jaz
ruy belo, era uma vez

21.8.06

Ah! Belo sol poente!



Para ti, que gostas de "espantar gaivotas" em Santa Cruz:


Descobri este pôr-do-sol em Santa Cruz, visto da varanda onde está o monumento a Kazuo Dan, esse "enamorado de poentes".
Quando lá voltares alonga os olhos: talvez paire sobre o horizonte o vulto do poeta. Mais perto encontrarás, ainda, o rasto dos meus olhos...

KAZUO DAN: Um poeta em Santa Cruz





O ENAMORADO DOS POENTES

Belo sol poente
Ah! Pudesse eu ir buscar-te
Lá, ao fim do mar!

Este é o breve poema ( “Haiku” em japonês ) que está gravado no monumento a Kazuo Dan, em Santa Cruz. Um “haiku” é um pequeno poema japonês de três versos, de cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente. O poema inclui sempre uma palavra referente às estações do ano. Na descrição da natureza, o autor exprime simbolicamente o seu sentimento ou pensamento. No caso deste poema a expressão “sol poente” representa o outono e simboliza a “decadência”. O autor, sentindo que a vida se aproxima do fim, projecta-a na imagem de um belo sol poente, que ele deseja suster no fim do mar, como se fosse possível, assim, prolongar a vida. (in: “O Pôr do Sol em Santa Cruz”)

Este japonês percorreu o mundo mas foi na praia de Santa Cruz que viu os mais belos crepúsculos. Morreu no Japão, em 1976, com a mágoa de não ter podido regressar. Talvez tenha conseguido chegar lá, ao fim do mar, em busca do último sol poente...


Quem passeia na esplanada frente ao Bar do Manel, em Santa Cruz, concelho de Torres Vedras, encontra um monumento original: uma laje de pedra assente numa base com degraus e uma inscrição bilingue (japonês / português). Ele perpetua a recordação de um escritor japonês que, em 1970, aqui chegou e viveu durante um ano e quatro meses. Os suficientes para fazerem chegarem ao Japão, sua pátria, o testemunho de uma envolvência total com esta terra que o recebeu com inexcedível hospitalidade.
«Em toda a minha vida nunca havia feito amizades tão sinceras e tão intensas como lá, no espaço de pouco mais de um ano» – escreveu Kazuo Dan no livro de crónicas “Dias passados, dias vindouros”, publicado no Japão.
As gentes que o acolheram ainda hoje falam do japonês que gostava de se sentar na cervejaria “Imperial” e que se ria muito, forma universal de comunicação quando as palavras não chegam. Recordam, ainda, o seu gosto moderado pelo “tinto”, particularidade de quem, sobretudo, gostava da vida e a bebia, a plenos pulmões, em caminhadas intermináveis, ora pelas arribas ora pelas areias. Embebedava-se, sim, mas da imensidão do mar, pelo cavalgar incessante das ondas, emocionado por cada sol poente que se despedia lá onde nem a vista alcança.
Kazuo Dan não era banhista casual de Verão e Santa Cruz foi muito mais do que a estância de veraneio das rotas turísticas.
«É bem verdade que a partir de Junho até meados de Setembro a multidão de veranistas invade as praias, mas esses aglomeram-se nas proximidades da aldeia e poucos banhistas invadem o meu salão nobre. Passados os meados de Setembro, tal como a maré que vaza, essa vasta população desaparece. Então sinto-me envolvido pelo desejo de gritar “O mar é todo meu, o mar é todo meu”, como se fosse intensamente abraçado pelo mar».
O salão nobre de que Kazuo fala era um casebre abandonado num dos extensos areais desta costa. «Num canto da praia havia uma casa abandonada a que eu chamava por brincadeira “o palácio real”. Aí gozava da solidão de viajante até à saciedade.»
Kazuo Dan descobriu a imensa beleza de Santa Cruz nos meses de Outono, o mar bravio, as neblinas matinais, as nuvens derramando-se em aguaceiros breves. E aprendeu a conviver com as gentes da aldeia, aqueles que não se retiram ao cair do Verão e constituem uma pequena comunidade onde todos se conhecem.
«Quando chegava a casa encontrava por vezes um robalo grande deixado por Joaquim ou enguias trazidas pelo José. E então precipitava-me para preparar o jantar. Mas, o que faria com um robalo tão grande? Claro que não poderia comê-lo todo e via-me obrigado a convidar amigos para consumi-lo.»
A casa que alugou em Santa Cruz está assinalada e fica na rua com o seu nome. Para que se recorde o escritor e viajante japonês que se enamorou dos poentes e que, em muitas páginas de intenso lirismo, deu testemunho do seu amor por esta terra.
«Visto que se tratava de férias especialmente concedidas por Deus, não tinha dúvidas de que o melhor seria desfrutá-las num lugar desprovido de quaisquer distúrbios, onde fosse possível uma interacção perfeita do meu ser com o céu e a terra. Para isso a Praia de Santa Cruz era simplesmente perfeita, sem igual. E nessa interacção havia o acompanhamento melódico, ininterrupto, das ondas do mar. (...) O que há de realmente esplêndido lá é o poente. Sempre que sentia a sua proximidade, deixava de lado tudo o que estivesse a fazer e corria ao penhasco mais próximo. (...) Então sentia no íntimo a vibração do Sol ardente enquanto o via desaparecer por entre as ondas. O reluzir das nuvens logo após era de uma beleza inesquecível.»

BIOGRAFIA

Kazuo Dan, um dos mais populares escritores japoneses do pós-guerra, nasceu em 1912, de uma família oriunda de Kyushu, – que, por curiosidade, foi a ilha onde os portugueses aportaram no séc. XVI, os primeiros europeus a chegarem ao Japão. Desde muito novo revela-se um ser voltado para a contemplação da natureza, que ele sentia como consolação para as dificuldades da vida familiar. Mostra gosto pela escrita, que verte em poemas, romances e peças de teatro. Forma-se em Economia na universidade de Tóquio mas é à literatura que dedica mais tempo. Recebe um prémio literário em 1944, quando se encontrava na China, em plena guerra, como correspondente de um jornal. Regressa mais tarde ao Japão, casa-se e tem dois filhos. Em 1951 ganha o prestigioso prémio literário Naoki. Escreve e viaja, tendo estado com uma frota baleeira no Antárctico, e deslocando-se sucessivamente à Europa, aos Estados Unidos, China, Rússia, Austrália e Nova Zelândia. Aos 58 anos visita Portugal e fixa-se durante mais de um ano em Santa Cruz, Torres Vedras. Daqui viaja para a Suiça, Áustria, Alemanha, Espanha e Marrocos. Regressa ao Japão e ainda visita a Coreia e a Formosa. Uma crise hepática fá-lo parar. Tinha cancro. Consegue ainda ditar o último romance “O Homem das Paixões”. Morre em 2 de Janeiro de 1976, sem conseguir o realizar o seu anseio de rever Santa Cruz, de que falou até ao fim.



Nota: Segui de perto uma pequena brochura de 37 páginas sobre Kazuo Dan, “O Pôr-do-sol Em Santa Cruz”, publicada em 1992 e de que se encontra um exemplar na Biblioteca Municipal de Torres Vedras. Tive, como referência pela oportunidade, os artigos de Gualter Varela e Vasco Calixto sobre Kazuo Dan, recentemente publicados no BADALADAS.

19.8.06

HUNGRIA: País amável!










Não quero fazer alarde. Apenas... partilhar a viagem de férias.
Porquê a Hungria?
Por ter sido um país "do lá de lá" mas com raízes no lado de cá e recém-entrado na UE.
Por curiosidade ( qualidade óbvia de qualquer viajante, mesmo o turista formatado ...) e possibilidade de viajar em Agosto para fora dos grandes circuitos turísticos.
Gostei. País amável, com uma cidade capital muito bonita, Budapeste, toda voltada ao Danúbio, cidade sem aspectos agressivos, daquelas em que apetece ficar.
O campo: giarassol e milho a perder de vista. Tudo verde e muito limpo.
Monumentos? Há, mas tudo século XIX, mesmo quando aparece o gótico, que é sempre "neo".
Bem (re) construídos, ou não fosse aquele um país de múltiplas invasões, porque sem fronteiras naturais.
E a guia, Catarina, licenciada em Língua e Literatura Portuguesa, uma profissional de excepção, a falar e a conhecer a nossa língua e História. Espectácular.
Bem hajas, Catarina!
Aqui ficam umas fotos, para concluir. Minhas e alheias.

17.8.06

DANIEL FARIA : duas fotos








Os olhos do poeta interpelam-nos. Vale a pena conhecer o que escreveu.

Vamos re-descobri-lo?

Um grande poeta

Página LUGAR ONDE saída no BADALADAS há meses atrás:


DANIEL FARIA:
UM POETA EM DIRECÇÃO AO SOL

Escreveu sobre as moradas onde habitou e os caminhos breves por onde andou. Interrogou todos os silêncios, num diálogo interior que deixou milhares de palavras pelo chão antes de se ir embora.

E foi-se embora muito cedo: Daniel Faria morreu com 28 anos, após ter escolhido o caminho da consagração a Deus num mosteiro beneditino. O seu percurso foi desenhado com poemas que escreveu e ofereceu como quem se despede. Sem dramatismo nem proselitismo religioso. Ele não tinha a urgência da vida porque sabia que tudo era vida, mesmo a morte por onde entrou ao encontro do Nome definitivo.
Toda a sua poesia parece falar de um mundo onde as palavras remetem para uma dimensão estranha: o Verbo, essa forma de dizer o Absoluto, liberto da duração efémera da vida de cada homem. Os seus poemas não estão ancorados em pilares imediatamente reconhecíveis. Vogam sempre nas largas águas de sentidos ocultos cuja chave necessita de referências atentas: as narrativas bíblicas como o Êxodo e o Apocalipse; e também vozes poéticas como as de António Ramos Rosa e Herberto Helder.
Temos assim, neste poeta, a vivência mística expressando-se através de formas que não recusam a herança dos nossos grandes criadores contemporâneos. Mas não encontramos nessa vivência qualquer referência concreta a crenças e códigos eclesiais. É o homem perante o Nome Absoluto – que o poeta raramente escreveu em maiúsculas – exposto numa obra de impressionante dimensão e fôlego, reunida pela Editora Quasi numa edição de Novembro de 2003, sob o simples título de POESIA. Simplicidade que se conjuga com a riqueza dos títulos dados pelo poeta aos seis livros que escreveu e que, para facilidade de identificação a organizadora da edição – Vera Vouga – dividiu em dois momentos.
A saber: livros da idade juvenil: Uma Cidade com Muralha; Oxálida; A Casa dos Ceifeiros. E livros da idade adulta: Explicação das Árvores e de Outros Animais; Homens que São como lugares mal situados; Dos líquidos. Esta edição inclui ainda um conjunto de poemas inéditos.



VIDA

Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar, Paredes, em 10 de Abril de 1971. Revelou paixão pela escrita desde a mais tenra idade. Aceitando uma vocação religiosa, frequentou os Seminários Diocesanos e o Curso de Teologia da Universidade Católica. Licenciou-se em Estudos Portugueses pela Faculdade de Letras do Porto, ao mesmo tempo que apresentava a Tese de Licenciatura em Teologia, intitulada “A meditação da Paixão na poesia de Frei Agostinho da Cruz”. Em 1997 optou pela vida monástica, tendo entrado em 1998 no Mosteiro beneditino de Singeverga (Santo Tirso).
Faleceu em 9 de Junho de 1999, de traumatismo craniano, na sequência de uma queda, aparentemente inofensiva.
Alguém que o conheceu de perto disse: “Daniel Faria escreveu cada verso como se fosse o primeiro, o primeiro e o último. Deixou à humanidade versos definitivos – um clarão que a si mesmo se alimenta.”

LER A POESIA DE DANIEL FARIA

A divulgação deste enorme poeta contemporâneo é a nossa forma de celebrar o Dia Mundial da Poesia, 21 de Março. Ao darmos a ler alguns poemas da vasta produção de Daniel Faria prestamos a nossa modesta homenagem ao poeta e à sua escrita, cientes de que a Poesia é sempre, e por definição, o lugar mais nobre da linguagem humana.


*

Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar

Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Em explosão

*

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens agitados sem bússola onde repousem
(...)
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
Do lugar

*

Encosto-me à morte sem amparo ou sombra
Como o grão
Abeiro-me da flor que virá e venho
À superfície do teu sonho

Como se acordasse a mão que semeia
No coração lavrado de quem faz a ceifa
Rebento no interior da morte como o trigo

Rebento no interior do trigo
E de qualquer planta que se assemelhe a ti

*

Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra

Pai
Tenho medo de morrer antes da morte
Tenho medo de morrer antes da vida


24.7.06

ADEUS, PRINCESA...

Lembrei-me do título do romance de Clara Pinto Correia a propósito das "viagens na nossa terra".

18.7.06

Mudei de poiso... por um mês.

Quem me quiser ver vá até Santo Isidoro, aldeia sede de freguesia do concelho de Mafra, encostada à famosa Ericeira - onde muitas vezes vou, a pé, belo passeio.
Faço pausas neste "bloguear", virei aqui menos amiúde.
Apareçam!

LUGAR ONDE 2006 -- Semanário BADALADAS, Torres Vedras

Faz este mês 4 anos que iniciei no BADALADAS a página LUGAR ONDE. Não sei o que isto significa. Há leitores interessados? A página, como está, interessa a alguém? Muitas vezes tenho dúvidas se valerá a pena continuar... Mas vou persistindo, na ideia de que a Literatura pode ser um veículo de fruição espiritual para alguns interessados.
Continuemos, pois.
Este mês a página é sobre o livro de Cervantes "D. Quixote".
Aqui fica a transcrição.
LER OS CLÁSSICOS?
SIM! PORQUE MERECEMOS O MELHOR!

Há livros que resistem ao tempo como monumentos de pedra. São “os clássicos”, designação que assusta muitos leitores enganados pela ideia comum de que isso significa “livro maçador”.

Esta frase já aqui foi escrita no ano passado, a propósito de «Moby Dick». Este ano o que propomos para livro de Verão é o célebre – e celebrado - «Dom Quixote».

- Essa história de “ler os livros clássicos” já me aborrece. Quero lá saber... Livros escritos há séculos, alguma vez podem ter interesse para quem vive no século XXI?!!...
- Já percebi... para ti o que interessa é o imediato, o aqui e agora. Assim não vais longe...
- Pois claro que não vou longe, eu nem quero sair daqui...A mim bastam-me os livros escritos por gente do meu tempo! Não me interessa nada essa treta do D. Quixote, um homenzinho maluco que viveu há 400 anos e atacava moinhos de vento...
- Cada um lê o que quer, tudo bem. Mas acho que tu mereces mais...
- Não percebo...
- Sem querer armar-me em teu mestre, só te digo: os chamados livros clássicos são reconhecidos como tal porque são livros de todos os tempos. Falam do Homem intemporal e têm o condão de serem entendidos por leitores de todas as épocas.
- Mas nós estamos numa época especial. Temos computadores, somos um mundo global, agora é tudo diferente de antigamente.
- Será? As circunstâncias mudam com rapidez mas o ser humano permanece mais tempo... Embora também evolua, claro. O que os grandes livros clássicos nos mostram é a riqueza e a variedade do ser humano ao longo do tempo. Tu hoje abres a Bíblia – um grande texto clássico, para além da Fé de cada um - numa página qualquer e parece que te está a falar dos problemas que tens hoje. Abres a «Odisseia» e tens a mesma sensação. O mesmo com uma peça de Shakespeare ou o magnífico «Moby Dick.».
- Estás a meter tudo no mesmo saco...
- A grande qualidade dos livros clássicos é que eles podem ser lidos de muitas maneiras. Sabias que «Os Lusíadas» já foram estudados como livro de Ciências Naturais? Por ele sabemos o que o homem do século XVI conhecia sobre esse assunto...
- E o D. Quixote serve para estudar o quê? Como se não deve atacar moinhos de vento?
- Isso é um preconceito. As pessoas só pensam nos moinhos de vento quando falam do D. Quixote. A verdade é que este é um dos mais divertidos e variados livros de sempre. A história dos moinhos é um grão de areia no meio daquele mar de histórias, diálogos, situações. E há a figura do Sancho Pança, uma espécie de Zé-povinho, só que muito mais esperto.
- Já sei: daqui a pouco estás a dizer que todos temos um bocadinho de Quixote e de Sancho dentro de nós... Bahh! Conversa intelectualóide...
- Deixa-te de bocas patetas. Já reparaste? O grande prejudicado és tu! Eu divirto-me à grande com um livro fabuloso – um clássico, caramba! - e tu contentas-te com ... sei lá o quê? Mereces mais... Acredita: mereces muito mais!






“O melhor e também o primeiro de todos os romances”(H. Bloom)

"O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de La Mancha" - o romance espanhol escrito por Miguel de Cervantes e publicado em duas partes (a primeira em 1605 e a segunda em 1615) - descreve, de forma satírica, a história de um homem de idade avançada que pensa ser um cavaleiro andante. A primeira parte do romance retrata a saída de D. Quixote da sua pequena aldeia, acompanhado do seu criado Sancho Pança, rumo às florestas da Serra Morena e apresenta o seu regresso à aldeia onde recupera da exaustão das "batalhas". Na segunda parte os dois viajantes encontram personagens que já leram a primeira parte do romance e têm conhecimento das aventuras que os dois protagonizaram e termina com D. Quixote a recuperar a razão. Este livro, que considero o melhor e também o primeiro de todos os romances, envolve uma grande variedade de personagens, de camponeses a nobres, de criminosos a padres, de prostitutas e amantes insanos a mulheres enganadas e homens ciumentos. Na sua maioria, as personagens oferecem a oportunidade para uma sátira social violenta, feita sempre sob um tom de enorme humor.
É a maior criação de Cervantes. O processo adoptado pelo autor – a paródia – permite dar relevo aos contrastes, através da deformação grotesca.
O conflito surge do confronto entre o passado e o presente, o ideal e o real, o individual e o social. D. Quixote e Sancho Pança representam valores distintos, embora sejam participantes do mesmo mundo. Estas figuras depressa conquistaram a imaginação popular. No entanto, os contemporâneos da obra não a levaram tão a sério como as gerações posteriores. Passou a ser vista como uma prosa épica de escárnio, em que "o ar sério e grave" da ironia do autor começou a ser bastante apreciado. O herói grotesco de um dos livros mais cómicos tornou-se no trágico herói da tristeza. Contudo, apesar de alguma distorção, a novela de Cervantes começou então a revelar a sua profundidade. Na história literária o «Dom Quixote» é reconhecido como o grande inspirador de grande parte da ficção moderna.
D. Quixote tem sido também uma notável fonte de inspiração para os criadores noutros campos artísticos. Desde o século XVII que se têm realizado peças de teatro, óperas, composições musicais e bailados baseados no D. Quixote. No século XX, as artes plásticas, o cinema, a televisão e os cartoons inspiraram-se igualmente nesta obra. (Adaptação de um texto de Harold Bloom, crítico literário e prof. universitário).


MITO DA CULTURA OCIDENTAL

Com ressonâncias do que à época se chamava livros de cavalarias medievais, a partir do sec. XIX designadas novelas de cavalaria, D.Quixote é em todo o caso por muitos historiadores da literatura considerado o primeiro romance moderno, na medida em que articula a componente imaginativa da narrativa de aventuras tradicional – e, até formalmente, pelo ritmo que lhe advém da adopção de um estilo coloquial e de uma redundância vocabular ou sintáctica, típicos dos relatos ou romances em verso transmitidos oralmente – com a notação mais ou menos irónica, quase sempre arguta, da realidade e da natureza humana.(…)
A intenção moral que lhe preside é com certeza um dos ingredientes fundamentais do texto do D. Quixote e do seu protagonista. Mas D. Quixote impõe-se enquanto mito da cultura ocidental, sobretudo a partir do Romantismo (cf. Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, cap.II), mais como anti-herói do que como herói: ele é o cavaleiro que persiste em lutar contra moinhos de vento ou rebanhos de ovelhas, como quem teima em defender “sonhos maiores do que nós” (Eduardo Lourenço, “Portugal, Identidade e Imagem”, in Nós e a Europa ou as duas Razões, 1988) contra os limites de uma realidade pequenina e chã representada por Sancha Pança. (Maria Teresa Arsénio Nunes, ensaísta)

15.7.06

AINDA O PASSEIO CULTURAL DO DIA 13 DE JULHO...

No dia em que visitámos a Serra de Montejunto fomos também a Runa, mais concretamente ao Hospital Real (ao qual deram há poucos anos um nome anódino: Centro de Apoio Social de Runa )fundado pela Princesa D. Maria Francisca Benedita. É uma visita que se impõe a quem quiser conhecer o Património Histórico de Torres Vedras. Não me vou alongar. Transcrevo apenas parte de um texto que fiz há anos para a revista "Oeste Cultural (2002) e que alguém "pirateou" para o site do Inst. Social das Forças Armadas - tudo bem, em nome da divulgação do nosso património.
Queridas colegas que me acompanharam nesse dia: aqui fica a Princesa, em vossa homenagem!


A Princesa
A Princesa Maria Francisca Benedita nasceu em Lisboa, no dia 25 de Julho de 1746. Foi a quarta e última filha do rei D. José e D. Mariana Victória de Bourbon, neta de D. João V e da Casa Real de Espanha pela via materna. Suas irmãs D. Maria, que viria a ser rainha de Portugal, a primeira desse nome, D. Mariana Josefa, com quem partilhou dotes de pintura, ainda hoje observáveis num painel de uma das capelas laterais da Basílica da Estrela, assinado pelas duas princesas e D. Maria Francisca Doroteia.
Foi baptizada na Sé Patriarcal de Lisboa pelo Cardeal D. Tomaz de Almeida. Recebeu um nome extenso, como era uso na realeza: D. Maria Francisca Benedita Ana Isabel Josefa Antónia Lourença Inácia Gertrudes Rita Joana Rosa.
Em 21 de Fevereiro de 1777 D. Maria Francisca Benedita casou com seu sobrinho, D. José, o primogénito de D. Maria. Ela tinha 30 anos, ele 15. A desproporção que hoje nos parece insólita, não o era na época, tendo em conta que os casamentos eram ajustados por conveniência e raramente por afinidade afectiva. As razões de Estado, a exigência aristocrática de casar princesas e príncipes e a tremenda mortalidade infantil própria da época eram os factores que reduziam drasticamente as possibilidades de escolha. Os cruzamentos das casa reais da Europa eram disputados e negociados arduamente pelas diplomacias. As diligências de casamento eram muitas vezes iniciadas quando os interessados estavam ainda na primeira infância.
Depois de enviuvar e de um difícil período de nojo, decidiu empregar os seus bens na construção de uma instituição verdadeiramente inovadora para o tempo. Podia ter optado por mais um convento ou uma igreja em Lisboa, o que lhe daria prestígio imediato entre os seus pares da nobreza e créditos espirituais entre o clero. Não o fez, escolhendo o projecto arrojado e corajoso de Runa ao qual dedicou o resto da vida.
Os retratos que a representam, pintados ou em gravura, e que se encontram em Runa e no Museu dos Coches, mostram uma mulher de grande formosura. Teve uma educação à altura da sua condição social, que encontrou terreno fértil em dotes assinaláveis de inteligência e sensibilidade artística. Conhecem-se os seus mestres, contratados pelo rei D. José, ele próprio um apaixonado das Belas-Artes: David Perez, célebre maestro de Nápoles, deu-lhe lições de música. Em Runa encontra-se ainda um órgão móvel do séc. XVIII, muitas vezes tocado pela Princesa. Mas não foi só na música: declamava e comentava poesia em diversas línguas, das quais o inglês, o espanhol, o francês e o italiano, que falava correctamente. Na pintura e no desenho deixou uma obra artística que, sendo académica, se reconhece como representativa do gosto da época, pois teve mestres de nomeada: o pintor Domingos Rosa, provavelmente Domingos de Sequeira e o gravador Joaquim Carneiro da Silva.
A peça de arte mais conhecida da Princesa é a famosa custódia, executada a partir de um desenho seu e que se pode admirar no museu de
Runa.
Quem hoje for ao Panteão Real dos Braganças, junto à Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, encontrará as singelas arcas tumulares do Príncipe D. José e da Princesa D. Maria Francisca Benedita, uma sobre a outra, com os nomes gravados na pedra. Parece pouco para quem tanto viveu.

13.7.06

HOJE: PASSEIO À SERRA DE MONTEJUNTO




Faz parte do nosso horizonte quando olhamos para NE. Santuário da Natureza, espaço único que tantas vezes ignoramos. Corremos todos para a praia, parece que não sabemos fazer mais nada quando vamos de passeio. Contra mim falo...

Mas hoje fomos lá. Contemplámos! E lemos o que alguns mais informados ( e preocupados!) nos quiseram transmitir.

Querem partilhar connosco? Aí ficam algumas dicas.


Serra Montejunto



A Serra de Montejunto foi classificada Área de Paisagem Protegida em Julho de 1999, e Sítio da Rede Natura 2000 (lista europeia de sítios de interesse para a conservação da natureza) A destacar-se na paisagem, entre Cadaval, Alcoentre, Alenquer e Vila Verde, ergue-se a serra de Montejunto, com 15km de extensão e 7 de largura, atingindo no ponto mais elevado 666 m, de onde se desfruta um vasto panorama. A vegetação que reveste esta formação de natureza calcária é em parte constituída pelas plantas espontaneamente adaptadas às condições ecológicas que a mesma oferece, dominando a azinheira e o carrasco, além de algumas espécies botânicas que só ali se encontram. Da natureza geológica e conformação da serra resulta a abundância de água, proveniente das nascentes que a rodeiam e que, recebida numa vasta bacia fechada, se infiltra por orifícios ou algares. Como normalmente se verifica em formações geológicas idênticas, existem na serra grandes cavernas onde foram encontrados vestígios de uma fauna há muito extinta no País. De facto, no passado a serra era coberta por uma densa mata onde abundavam os animais bravios.
Apesar das árvores já não constituírem um dos elementos naturais mais comuns em Montejunto, porque o fogo ceifou muitos hectares de floresta ao longo destes últimos quinze anos, a que se somam os efeitos negativos provocados pelo plantio crescente de eucaliptos, é ainda possível encontrar em Montejunto a sombra e a frescura de pequenos bosques de castanheiros, cedros, ciprestes, pinheiros e o verde da extensa manta das espécies arbustivas: carrascos, carvalhiça, azinheiras, loureiro, aroeira, medronheiros, etc. Mas também a beleza das cores do alecrim, rosmaninho, rosa albardeira e das muitas dezenas de espécies de flores silvestres raras, constituindo uma área de estudo muito interessante.


Fauna de Montejunto

A Serra de Montejunto possui um ecossistema de montanha, muito diferente do da região envolvente, devido a: - Sistema de escarpas - Acentuado declive das suas vertentes - Altitude
Em termos geo-morfológicos a serra inviabiliza qualquer povoamento humano. O que felizmente significa uma riqueza faunistica única. Com base nos estudos e observações por nós efectuadas podemos já apresentar uma pirâmide ecológica da Serra. Embora não a consideramos definitiva, será contudo o suporte essencial de uma outra mais elaborada, para o que será necessário um conjunto de estudos específicos que desde já nos propomos levar por diante. No primeiro nível, os seres produtores constituem um conjunto de várias combinações vegetais. Esta diversidade permite a existência de uma grande variedade de consumidores de primeira ordem . Para além da diversidade, a inexistência de produtos tóxicos usualmente utilizados na agricultura na agricultura, confere ás populações de primeiros consumidores da Serra a preciosa característica de não constituírem perigo para os seus predadores. Com estas populações abundantes, variadas e saudáveis, abre-se caminho da melhor maneira para os níveis superiores.
Imediatamente acima deste nível surge o das espécies que se alimentam principalmente de insectos e pequenos invertebrados: Batráquios, Quiropteros, Insectívoros e algumas pequenas aves dependem quase exclusivamente do nível trófico anterior. Juntamente com algumas espécies vegetais e de passeriformes, é nos dois últimos estratos predadores e super-predadores que se encontra o mais valioso património genético da Serra. Ainda que executando a tarefa indiscutivelmente necessária do controlo de pequenos mamíferos (nomeadamente roedores), estes grupos têm sofrido nos últimos anos uma substancial redução dos seus efectiv
Na Serra de Montejunto já foram identificadas cerca de 115 espécies de aves, entre elas a gralha-de-bico-vermelho, o corvo, o gaio, o melro azul o pica-pau verde, o peneireiro e a águia-de-asa-redonda. Existem 3 espécies consideradas em vias de extinção, e por isso rigorosamente protegidas: o Bufo-real, a Águia de Bonelli e o Andorinhão Real. O primeiro é uma rapina nocturna que chega a medir 75 cm, e é o único super-predador da pirâmide ecológica representativa da Serra.
Entre os mamíferos destacam-se o gato-bravo, os texugos e sobretudo várias espécies cavernícolas de morcegos, uma das maiores riquezas faunísticas da serra e que esteva na base da sua inclusão na lista da Rede NATURA 2000.
Existem também repteis como o sardão, a cobra rateira e a cobra de ferradura e alguns anfíbios como o sapo-comum, a salamandra de pintas e o tritão-marmorato.


Ameaças ao Montejunto

Florestação

A plantação, em larga escala, de algumas espécies vegetais como o eucalipto (Eucalyptus globulus), tem vindo a alterar de forma irreversível a fisionomia da serra e da região. Existe também o problema de existirem empresas que querem executar trabalhos de terraplanagem de uma das encostas e de parte do planalto para a plantação de Eucaliptos, com o fim da obtenção de celulose. A concretizar-se, a florestação com Eucaliptos constituirá rude golpe na fauna serrana. Pela gravidade de que se reveste, esta é a principal ameaça com que se defrontam as aves de presa e os outros animais do Montejunto.

A caça
Existem na área zonas de proibição de caça, estando a restante área sujeita ao Regime Geral. No entanto realce-se que a caça ilegal tem sido um factor importante de perturbação com efeitos graves na fauna em geral. Apesar de protegidas pela lei, nem por isso as rapaces deixam de ser perseguidas pelos caçadores e populações rurais. A pilhagem dos ninhos e o abate de aves para embalsamar ou pelo simples prazer de destruir, são procedimentos correntes, responsáveis pelo desaparecimento anual de dezenas de aves de presa na região.
Morcego os.
Peneireiro de
Dorso Malhado
Águia ferida por tiro


Os fogos
[A Serra de Montejunto foi grandemente devastada por imensos incêndios ...]
Os fogos são também uma das preocupações e uma das maiores ameaças para a serra de Montejunto. Estes ao longo dos anos têm destruído zonas da serra muito bonitas e interessantes, pondo também a descoberto grandes e largas extensões de ossatura pedregosa da serra.

Pressão Humana

Dada a proximidade de Lisboa e as excelentes condições naturais que oferece, a serra de Montejunto é bastante procurada para a prática de modalidades desportivas como a asa delta, o montanhismo e antigamente o rallye (agora substituído pelo todo-terreno). Estas práticas desportivas perturbam o ambiente natural e as espécies, e têm vindo a ser praticadas a uma escala crescente. A perturbação causada por estas actividades pode constituir uma ameaça grave que importa ter em conta. A asa delta e o parapente são desportos com grandes impactes por estar muito próximo dos locais mais interessantes e sensíveis da serra – as escarpas.

A Real Fábrica do Gelo


Classificado como Monumento Nacional em Dezembro de 1997 pelo Ministério da Cultura a Real Fábrica de Gelo situa-se na Serra de Montejunto, a 70 km de Lisboa, perto duma Base da Força Aérea. A edificação da "fábrica do gelo" da serra de Montejunto, é geralmente atribuída aos Frades Dominicanos, que aí permaneceram no início do séc.XIII, tendo fundado o primeiro convento em ordem de S.º Domingode Portugal a mando de João Rosa e Pedro Fracalanza, entãconcessionários do abastecimento e comercialização do gelo em Lisboa, tendo a obra demorado seis anos. A citação mais antiga, data de 1741, ano em que os dois responsáveis pelo abastecimento de gelo à cidade de Lisboa executaram obras na serra do Montejunto, aproveitando assim as boas condições climatéricas da serra. O fabrico de gelo iniciava-se no final do mês de Outubro. Cerca de meia centena de tanques amplos e rasos de calcário que serviam para a operação de congelamento, cobriam-seágua que, ao atingir o estado sólido durante a noite, era retirada e colocada em camadas nos poços construídos para o efeito dentro de um edifício típico da altura, perto destes tanques. Naquele tempo dizem historiadores que fazia muito mais frio, daí que esta Serra fosse conhecida por ser a Serra da Neve, algo que raramente temos nos dias de hoje. O mês de Outubro era o escolhido para encher os tanques, através de um sistema de condutas (entre tanques), enchendo-os e fazendo com que o passar da noite se transformasse em gelo. "Antes do nascer do sol dezenas de pessoas, num trabalho árduo, partiam as placas de gelo e amontoavam os fragmentos, para depois os carregar para o edifício dos silos" Depois de devidamente armazenados nos três "poços" , do qual o mais alto tinha 9 metros de profundidade o gelo era cuidadosamente envolvido em palha e serapilheira, os blocos de gelo eram primeiramente transportados no dorso de pacientes burros, que os conduziam até à base da serra. Aqui chegados prosseguiam viagem em vagarosos carros dbois até atingirem o porto do Carregado . A derradeira fase do percurso era efectuada nos "Barcos da neve" que, Tejo abaixo, atingiam finalmente a capital com prioridade absoluta de passagem por ordem real. Este gelo após esta viagem que chegava a durar até um dia, acabava por chegar às instalações reais e podia então cumprir o seu destino, perecendo na fausta mesa real ou ao balcão de um cafés lisboetas, como o exemplo de "Martinho da Arcada". s o de e
O património histórico da Serra inclui ainda no topo a Ermida de Nossa Senhora das Neves, edificada no sec. XIII. Situada junto às ruínas do primeiro convento Dominicano (sec. XIII) esta ermida é local de culto para milhares de cristãos. Nas proximidades existe ainda a pequena capela de S. João Baptista, com azulejos figurativos com temas da vida do santo que lhe deu o nome.
Tanques do gelo
Área de Armazenamento

Estas informações foram retiradas do site da ALAMBI. Aconselhamos uma visita mais completa.
APARTADO 63 2584-909 ALENQUER alambi@alambi.org Tel. 914023930 www.alambi.org
A Alambi é uma Organização Não Governamental de Ambiente de âmbito local,
inscrita no Registo Nacional de ONGA e na Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente

A VISITA DO SENHOR BISPO...(Hoje apetece-me entrar na política!)

Não consigo levar a sério o Presidente da República. Aquilo não cola. Cavaco Silva (CS) anda pelo país a pregar a inclusão. Agora são as criancinhas violentadas. Amanhã serão as velhinhas esquecidas. Depois os "sem abrigo" nas grandes cidades. ETC! ETC!
C. Silva era (ou parecia...) autêntico como Primeiro-Ministro. Tinha um estilo, de que se gostava ou não. Era autêntico, por exemplo, na sua "ileteracia", confidenciando inocentemente que andava a ler o "Mau tempo no Canal" por conselho da mulher, professora das literaturas.
A sua marca como PM foi a de alguém que considerava necessário racionalizar a economia, mesmo que isso custasse desemprego e emagrecimento dos serviços do Estado. Mais tarde falou na necessidade de eliminar "o monstro", as excessivas despesas públicas.
Ccavaco S. foi eleito PR com esse aval de seriedade e rigor na economia.
O que vemos agora?
Cavaco Silva em missão humanitária pelo pais, lembrando a todos que há miséria, exclusão, pobreza... Chega a qualquer terrinha, é o espectáculo que se via antigamente, quando vinha o Senhor Bispo: altas individualidades locais com seus fatinhos a cheirarem a naftalina, damas com ar de madrinhas de casamento, criancinhas alinhadas e compostinhas... E depois chega sua Exª, com ar seráfico de profeta da boa nova. Inicia-se o ritual, a visita e o discurso. Este, então, é lido com semblante compungido, por vezes severo, fustigando os egoísmos, atirando «verdades duras como punhos» à cara de uma sociedade edonista que ignora tanta desgraça.
O que é que não cola aqui?
Cavaco Silva, na sua preocupação de denúncia, está a transmitir uma mensagem que ele, como Primeiro Ministro, combateu: é que a solução para tantos males só é possível com mais Estado, mais serviços de apoio, mais instituições de solidariedade, mais técnicos de serviço social, mais psicólogos...
A não ser que CS acredite que a solução venha da iniciativa privada, que esta se mobilize para incluir os excluídos, que gaste em solidariedade social o que sonega ao Estado com a fuga aos impostos. Mas se assim fosse, em vez de estar hoje em Oliveira de Azeméis, Cavaco Silva estaria em reunião com a administração da GM da Azambuja, a tratar da inclusão dos mil e tal novos desempregados...
Não, não consigo levar a sério o Presidente da República.
E se ele visitar a minha terrinha, vou aproveitar para aprender a pescar à linha na praia de Santa Cruz...

12.7.06

As palavras são como pedras

Atirar uma pedra: no momento seguinte já não nos pertence, impossível voltar atrás, ela voa e vai bater.

Bate!!!

E agora? Que fazer depois de dizer a alguém: "quem és tu para me criticares?" Sobretudo se é alguém com esse direito pelo lugar que ocupa no nosso universo.

A pedra bate e faz doer. Deixa marca.

Quem sou eu para atirar assim uma pedra?

Nódoa negra. Onde bateu mas, também, em de onde partiu.

11.7.06

Quando o sol

Estas névoas de verão separam o Oeste do resto do país. Vivemos noutro continente.
Quem viveu anos no Ribatejo sabe o que é o calor que sai da terra, respiração quente, sensual.
No Oeste é como viver junto de uma mulher que nos é indiferente. Pode ser bonita mas não nos transtorna.

9.7.06


O texto sobre o passeio pelos arredores de Torres Vedras não ficaria completo sem imagens como estas:

Claustro do Convento do Varatojo e imagem do exterior junto da entrada.

7.7.06

PASSEANDO PELO OESTE...

E assim foi. Um desafio, um itinerário proposto, treze pessoas que aderiram.
Um círculo em redor de Torres Vedras: Castro do Zambujal, Convento do Varatojo,Forte de S. Vicente. Viagem no tempo!

Guardaremos pequenas lembranças para quando vier o inverno...

O castro: cinco mil anos, duzentas gerações humanas, a vertigem do tempo inscrita nas pedras. Erva por todo o lado, a Macondo de Garcia Marques engolida pela selva. O silêncio do planalto sublinhado pela ave, magestosa e indiferente, a desenhar círculos no céu.

Depois o Convento, já a tarde se alongava de veludos. Aquele claustro! Ah!

Forte de S. Vicente: a guerra, a memória dos homens e suas dores. Que cresça - ali sim! - a erva e cubra de vez os gritos que ainda se ouvem.

Despedimo-nos, plenos de nos gostarmos na partilha da breve viagem, na memória de tantos que nos precederam e já lá vão, mais à frente.


«Eh! Companheiros de plataforma!
Não empurrem, irmãos!»

(José Gomes Ferreira, Eléctrico)

...porque é que me vieram à memória estes versos?

6.7.06

Partiu no vento essa mulher...

COMO QUEM ESCREVE COM SENTIMENTOS

Estou sujeito ao tempo sou este momento
perguntam-me quem fui e permaneço mudo
o tempo poisa-me nos ombros em relento
partiu no vento essa mulher e perdi tudo

Já não virá ninguém por muito que vier
em vão esperei a rosa da minha roseira
quando um pássaro sai dos olhos da mulher
é porque ela é de longe e não da nossa beira

Resta-me um sonho desconexo e desconforme
Na haste da camélia que o vento quebrou
jamais a vida branca como ela dorme
Eu era essa camélia e nunca mais o sou

A minha vida é hoje um sítio de silêncio
(...)

A vida é uma coisa a que me habituei
adeus susto e absurdo e sobressalto e espanto
A infância é uma insignificância eu
e apenas por a termos perdido a amamos tanto

Estou sozinho e então converso com a noite
(...)

- Ruy Belo, in: Toda a Terra -

4.7.06

CHEGAM NOTÍCIAS...

Separados fomos por cítaras e canto
E pelos longos poemas silabados
E entre nós dois deitaram-se paisagens
Que nos mantinham imóveis e distantes

Embora o fogo secreto das palavras
E a veemência do canto e das imagens
Embora a paixão das noites consteladas
E o nevoeiro tocando a nossa face

Separados fomos por cítaras e canto
Como outros por prisões ou por espadas

(Sophia de M. B. Andersen, in Mar Novo)




Mar
Eco da tua voz

Gaivota
Gritoda tua ausência

Brisa
Aroma do teu perfume

Lágrimas
Sufoco da minha dor!



Leio, registo, quedo-me absorto em cada palavra que o vento me traz. Como diz um amigo: «brincos de palavra»!
LUGAR ONDE apenas cabem vertigens e abismos de alma/vida, a desdizer pessimismos...

LUGAR ONDE fala o meu pessimista de estimação




E de súbito, numa volta de caderno, encontro esta transcrição de Guerra Junqueiro, essa voz poderosa que atroou o início do séc. XX português.

« O que é a vida?
A vida é o mal. A expressão última da vida terrestre é a vida humana, e a vida dos homens cifra-se numa batalha inexorável de apetites, num tumulto desordenado de egoísmos, que se entrechocam, rasgam, dilaceram.
O Progresso marca-o a distância que vai do salto do tigre, que é de dez metros, ao curso da bala, que é de vinte quilómetros. A fera, a dez passos, perturba-nos. O homem,a quatro léguas, enche-nos de terror. O homem é a fera dilatada.»

(G. Junqueiro in: Carta-Prefácio, dirigida a Raul Brandão no livro "Os Pobres", ed. Seara Nova, 1978)

2.7.06

Lugar de POESIA

O Amor é
Ferida que não dói,
a palavra que não precisa de ser dita,
um olhar suspenso dos teus olhos,
respirar o ar em que respiras,
dizer o teu nome
e ouvir nele a tua voz
,esperar-te em cada instante
em que sei que me esperas,
dar-te a alegria que me dás,
ver-te chegar num eco de ave,
e deixar que me prendas
com o teu gesto mais suave,
sentir-te, só, ao pé de mim,
e sentir-me tão só longe de ti,
saber que existes em mim
como sei que existo em ti,
a flor de fogo do teu corpo,
e beijar essa flor.
Nuno Júdice, in Geometria Variável
Public. Dom Quixote

MAS VAMOS AO QUE INTERESSA

E o que interessa é a grande poesia. Como esta, do Alexandre O'Neill:


TOMA LÁ CINCO!


Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!

Um dente que estava são e agora não,
Um cabelo que ainda ontem preto era,
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
E na cara uma ruga, que não espera, que não espera...

No andar de cima, uma nova criança
Vai bater no teu crânio os pequeninos pés.
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança:
Este ano talvez venhas a ser o que não és...

Talvez sejas de enredos fácil presa,
Eterno marido, amante de um só dia...
Com clorofila ficam os teus dentes que é uma beleza!
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia...

Talvez lances de amor um foguetão sincero
Para algum coração a milhões de anos-dor
Ou desesperado te resolvas por um mero
Tiro na boca, mas de alcance maior...

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
Errar a vida e não errar a pontaria...

Talvez te deixes por uma vez de fitas,
de versos de mau hálito e mau sestro,
E acalmes nas feias o ardor pelas bonitas
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...)