22.6.06

A cada dia o seu poema

Na fio da linha entre o erótico subtil e o quase explícito, este poema lembrou-me David Mourão-Ferreira nos seus grandes momentos.
Rigor de escrita no registo exacto para falar da ternura e da paixão, dos sentidos libertos e logo contidos. Um intimidade exaltante, vivida na cumplicidade dos gestos amorosos, num descritivismo que não enjeita uma certa ironia e um humor certo.


Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.
É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia de tão leve.
O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
Ímpeto que não ache um abandono.
Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
somos a maré alta de quem ama.
Por fim o sono calmo que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.


Rosa Lobato Faria, in:"Cem Poemas
Portugueses no Feminino", ed. Terramar,
2005

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