21.8.06

Ah! Belo sol poente!



Para ti, que gostas de "espantar gaivotas" em Santa Cruz:


Descobri este pôr-do-sol em Santa Cruz, visto da varanda onde está o monumento a Kazuo Dan, esse "enamorado de poentes".
Quando lá voltares alonga os olhos: talvez paire sobre o horizonte o vulto do poeta. Mais perto encontrarás, ainda, o rasto dos meus olhos...

KAZUO DAN: Um poeta em Santa Cruz





O ENAMORADO DOS POENTES

Belo sol poente
Ah! Pudesse eu ir buscar-te
Lá, ao fim do mar!

Este é o breve poema ( “Haiku” em japonês ) que está gravado no monumento a Kazuo Dan, em Santa Cruz. Um “haiku” é um pequeno poema japonês de três versos, de cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente. O poema inclui sempre uma palavra referente às estações do ano. Na descrição da natureza, o autor exprime simbolicamente o seu sentimento ou pensamento. No caso deste poema a expressão “sol poente” representa o outono e simboliza a “decadência”. O autor, sentindo que a vida se aproxima do fim, projecta-a na imagem de um belo sol poente, que ele deseja suster no fim do mar, como se fosse possível, assim, prolongar a vida. (in: “O Pôr do Sol em Santa Cruz”)

Este japonês percorreu o mundo mas foi na praia de Santa Cruz que viu os mais belos crepúsculos. Morreu no Japão, em 1976, com a mágoa de não ter podido regressar. Talvez tenha conseguido chegar lá, ao fim do mar, em busca do último sol poente...


Quem passeia na esplanada frente ao Bar do Manel, em Santa Cruz, concelho de Torres Vedras, encontra um monumento original: uma laje de pedra assente numa base com degraus e uma inscrição bilingue (japonês / português). Ele perpetua a recordação de um escritor japonês que, em 1970, aqui chegou e viveu durante um ano e quatro meses. Os suficientes para fazerem chegarem ao Japão, sua pátria, o testemunho de uma envolvência total com esta terra que o recebeu com inexcedível hospitalidade.
«Em toda a minha vida nunca havia feito amizades tão sinceras e tão intensas como lá, no espaço de pouco mais de um ano» – escreveu Kazuo Dan no livro de crónicas “Dias passados, dias vindouros”, publicado no Japão.
As gentes que o acolheram ainda hoje falam do japonês que gostava de se sentar na cervejaria “Imperial” e que se ria muito, forma universal de comunicação quando as palavras não chegam. Recordam, ainda, o seu gosto moderado pelo “tinto”, particularidade de quem, sobretudo, gostava da vida e a bebia, a plenos pulmões, em caminhadas intermináveis, ora pelas arribas ora pelas areias. Embebedava-se, sim, mas da imensidão do mar, pelo cavalgar incessante das ondas, emocionado por cada sol poente que se despedia lá onde nem a vista alcança.
Kazuo Dan não era banhista casual de Verão e Santa Cruz foi muito mais do que a estância de veraneio das rotas turísticas.
«É bem verdade que a partir de Junho até meados de Setembro a multidão de veranistas invade as praias, mas esses aglomeram-se nas proximidades da aldeia e poucos banhistas invadem o meu salão nobre. Passados os meados de Setembro, tal como a maré que vaza, essa vasta população desaparece. Então sinto-me envolvido pelo desejo de gritar “O mar é todo meu, o mar é todo meu”, como se fosse intensamente abraçado pelo mar».
O salão nobre de que Kazuo fala era um casebre abandonado num dos extensos areais desta costa. «Num canto da praia havia uma casa abandonada a que eu chamava por brincadeira “o palácio real”. Aí gozava da solidão de viajante até à saciedade.»
Kazuo Dan descobriu a imensa beleza de Santa Cruz nos meses de Outono, o mar bravio, as neblinas matinais, as nuvens derramando-se em aguaceiros breves. E aprendeu a conviver com as gentes da aldeia, aqueles que não se retiram ao cair do Verão e constituem uma pequena comunidade onde todos se conhecem.
«Quando chegava a casa encontrava por vezes um robalo grande deixado por Joaquim ou enguias trazidas pelo José. E então precipitava-me para preparar o jantar. Mas, o que faria com um robalo tão grande? Claro que não poderia comê-lo todo e via-me obrigado a convidar amigos para consumi-lo.»
A casa que alugou em Santa Cruz está assinalada e fica na rua com o seu nome. Para que se recorde o escritor e viajante japonês que se enamorou dos poentes e que, em muitas páginas de intenso lirismo, deu testemunho do seu amor por esta terra.
«Visto que se tratava de férias especialmente concedidas por Deus, não tinha dúvidas de que o melhor seria desfrutá-las num lugar desprovido de quaisquer distúrbios, onde fosse possível uma interacção perfeita do meu ser com o céu e a terra. Para isso a Praia de Santa Cruz era simplesmente perfeita, sem igual. E nessa interacção havia o acompanhamento melódico, ininterrupto, das ondas do mar. (...) O que há de realmente esplêndido lá é o poente. Sempre que sentia a sua proximidade, deixava de lado tudo o que estivesse a fazer e corria ao penhasco mais próximo. (...) Então sentia no íntimo a vibração do Sol ardente enquanto o via desaparecer por entre as ondas. O reluzir das nuvens logo após era de uma beleza inesquecível.»

BIOGRAFIA

Kazuo Dan, um dos mais populares escritores japoneses do pós-guerra, nasceu em 1912, de uma família oriunda de Kyushu, – que, por curiosidade, foi a ilha onde os portugueses aportaram no séc. XVI, os primeiros europeus a chegarem ao Japão. Desde muito novo revela-se um ser voltado para a contemplação da natureza, que ele sentia como consolação para as dificuldades da vida familiar. Mostra gosto pela escrita, que verte em poemas, romances e peças de teatro. Forma-se em Economia na universidade de Tóquio mas é à literatura que dedica mais tempo. Recebe um prémio literário em 1944, quando se encontrava na China, em plena guerra, como correspondente de um jornal. Regressa mais tarde ao Japão, casa-se e tem dois filhos. Em 1951 ganha o prestigioso prémio literário Naoki. Escreve e viaja, tendo estado com uma frota baleeira no Antárctico, e deslocando-se sucessivamente à Europa, aos Estados Unidos, China, Rússia, Austrália e Nova Zelândia. Aos 58 anos visita Portugal e fixa-se durante mais de um ano em Santa Cruz, Torres Vedras. Daqui viaja para a Suiça, Áustria, Alemanha, Espanha e Marrocos. Regressa ao Japão e ainda visita a Coreia e a Formosa. Uma crise hepática fá-lo parar. Tinha cancro. Consegue ainda ditar o último romance “O Homem das Paixões”. Morre em 2 de Janeiro de 1976, sem conseguir o realizar o seu anseio de rever Santa Cruz, de que falou até ao fim.



Nota: Segui de perto uma pequena brochura de 37 páginas sobre Kazuo Dan, “O Pôr-do-sol Em Santa Cruz”, publicada em 1992 e de que se encontra um exemplar na Biblioteca Municipal de Torres Vedras. Tive, como referência pela oportunidade, os artigos de Gualter Varela e Vasco Calixto sobre Kazuo Dan, recentemente publicados no BADALADAS.

19.8.06

HUNGRIA: País amável!










Não quero fazer alarde. Apenas... partilhar a viagem de férias.
Porquê a Hungria?
Por ter sido um país "do lá de lá" mas com raízes no lado de cá e recém-entrado na UE.
Por curiosidade ( qualidade óbvia de qualquer viajante, mesmo o turista formatado ...) e possibilidade de viajar em Agosto para fora dos grandes circuitos turísticos.
Gostei. País amável, com uma cidade capital muito bonita, Budapeste, toda voltada ao Danúbio, cidade sem aspectos agressivos, daquelas em que apetece ficar.
O campo: giarassol e milho a perder de vista. Tudo verde e muito limpo.
Monumentos? Há, mas tudo século XIX, mesmo quando aparece o gótico, que é sempre "neo".
Bem (re) construídos, ou não fosse aquele um país de múltiplas invasões, porque sem fronteiras naturais.
E a guia, Catarina, licenciada em Língua e Literatura Portuguesa, uma profissional de excepção, a falar e a conhecer a nossa língua e História. Espectácular.
Bem hajas, Catarina!
Aqui ficam umas fotos, para concluir. Minhas e alheias.

17.8.06

DANIEL FARIA : duas fotos








Os olhos do poeta interpelam-nos. Vale a pena conhecer o que escreveu.

Vamos re-descobri-lo?

Um grande poeta

Página LUGAR ONDE saída no BADALADAS há meses atrás:


DANIEL FARIA:
UM POETA EM DIRECÇÃO AO SOL

Escreveu sobre as moradas onde habitou e os caminhos breves por onde andou. Interrogou todos os silêncios, num diálogo interior que deixou milhares de palavras pelo chão antes de se ir embora.

E foi-se embora muito cedo: Daniel Faria morreu com 28 anos, após ter escolhido o caminho da consagração a Deus num mosteiro beneditino. O seu percurso foi desenhado com poemas que escreveu e ofereceu como quem se despede. Sem dramatismo nem proselitismo religioso. Ele não tinha a urgência da vida porque sabia que tudo era vida, mesmo a morte por onde entrou ao encontro do Nome definitivo.
Toda a sua poesia parece falar de um mundo onde as palavras remetem para uma dimensão estranha: o Verbo, essa forma de dizer o Absoluto, liberto da duração efémera da vida de cada homem. Os seus poemas não estão ancorados em pilares imediatamente reconhecíveis. Vogam sempre nas largas águas de sentidos ocultos cuja chave necessita de referências atentas: as narrativas bíblicas como o Êxodo e o Apocalipse; e também vozes poéticas como as de António Ramos Rosa e Herberto Helder.
Temos assim, neste poeta, a vivência mística expressando-se através de formas que não recusam a herança dos nossos grandes criadores contemporâneos. Mas não encontramos nessa vivência qualquer referência concreta a crenças e códigos eclesiais. É o homem perante o Nome Absoluto – que o poeta raramente escreveu em maiúsculas – exposto numa obra de impressionante dimensão e fôlego, reunida pela Editora Quasi numa edição de Novembro de 2003, sob o simples título de POESIA. Simplicidade que se conjuga com a riqueza dos títulos dados pelo poeta aos seis livros que escreveu e que, para facilidade de identificação a organizadora da edição – Vera Vouga – dividiu em dois momentos.
A saber: livros da idade juvenil: Uma Cidade com Muralha; Oxálida; A Casa dos Ceifeiros. E livros da idade adulta: Explicação das Árvores e de Outros Animais; Homens que São como lugares mal situados; Dos líquidos. Esta edição inclui ainda um conjunto de poemas inéditos.



VIDA

Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar, Paredes, em 10 de Abril de 1971. Revelou paixão pela escrita desde a mais tenra idade. Aceitando uma vocação religiosa, frequentou os Seminários Diocesanos e o Curso de Teologia da Universidade Católica. Licenciou-se em Estudos Portugueses pela Faculdade de Letras do Porto, ao mesmo tempo que apresentava a Tese de Licenciatura em Teologia, intitulada “A meditação da Paixão na poesia de Frei Agostinho da Cruz”. Em 1997 optou pela vida monástica, tendo entrado em 1998 no Mosteiro beneditino de Singeverga (Santo Tirso).
Faleceu em 9 de Junho de 1999, de traumatismo craniano, na sequência de uma queda, aparentemente inofensiva.
Alguém que o conheceu de perto disse: “Daniel Faria escreveu cada verso como se fosse o primeiro, o primeiro e o último. Deixou à humanidade versos definitivos – um clarão que a si mesmo se alimenta.”

LER A POESIA DE DANIEL FARIA

A divulgação deste enorme poeta contemporâneo é a nossa forma de celebrar o Dia Mundial da Poesia, 21 de Março. Ao darmos a ler alguns poemas da vasta produção de Daniel Faria prestamos a nossa modesta homenagem ao poeta e à sua escrita, cientes de que a Poesia é sempre, e por definição, o lugar mais nobre da linguagem humana.


*

Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar

Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Em explosão

*

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens agitados sem bússola onde repousem
(...)
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
Do lugar

*

Encosto-me à morte sem amparo ou sombra
Como o grão
Abeiro-me da flor que virá e venho
À superfície do teu sonho

Como se acordasse a mão que semeia
No coração lavrado de quem faz a ceifa
Rebento no interior da morte como o trigo

Rebento no interior do trigo
E de qualquer planta que se assemelhe a ti

*

Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra

Pai
Tenho medo de morrer antes da morte
Tenho medo de morrer antes da vida