28.1.11

JORNAL DE LETRAS: SOPHIA CONTINUA

Temas deste número:

Sophia continua Uma Vida de Poeta - e a exposição na Biblioteca Nacional * Um poema textos inéditos * Entrevista com Maria Andresen * Testemunhos * A obra, a leitura de Carlos Mendes de Sousa + O início da Guerra Colonial foi há 50 anos + Nova Coluna de Maria Alzira Seixo + Aitobiografia de Carlos J Pessoa + O diário de Carlos Vale Ferraz + O bovo filme de Woody Allen

22.1.11

COLÓQUIO INTERNACIONAL


Sophia de Mello Breyner Andersen revisitada.
Dias 27 e 28 de Janeiro, na Fundação C. Gulbenkian, um Colóquio Internacional sobre esta figura maior da literatura contemporânea portuguesa.
Ver AQUI o site.

19.1.11

LUGAR ONDE - Semanário BADALADAS de 21 JANEIRO







Foto EXPRESSO on-line


AGUSTINA BESSA-LUÍS:
O ESCRITOR DESPERTA AS COISAS DO SILÊNCIO
EM QUE FORAM CRIADAS

Os grandes escritores desencadeiam sentimentos extremos. Amor ou ódio, nunca indiferença. Agustina é dessa estirpe. Mas até os que a detestam lhe reconhecem a grandeza. Ela é a grande prosadora portuguesa, a maior de sempre, criadora de um território linguístico imenso que vale a pena percorrer.
Criadora na ficção, interventora nas crónicas, não receou expor-se, fosse na direcção de um jornal e do Teatro D. Maria II, ou no apoio político a candidatos de direita. Ouvi a Alexandre Babo, escritor comunista: “Escreve maravilhosamente bem, é pena ser tão reaccionária…” Mas seria redutor acusar a sua escrita de carga ideológica agressiva. Ela afirma-se sobretudo pela análise profunda da interioridade humana, um território onde não há rótulos fáceis e exprime o que observa através de uma escrita sumptuosa, num caudal narrativo de enorme talento. E tudo ao serviço de uma inteligência sagaz, de grande perspicácia, desvendando aspectos desconcertantes do ser humano. Tem predilecção pela escrita de aforismos: frases em que resume de forma lapidar uma observação, uma reflexão, às vezes um paradoxo. Não se considera uma autora perfeita, não faz planos de escrita, não se preocupa muito com a depuração estilística, o que considera ser uma característica muito portuguesa, “não se valorizar demasiado, é um dos nossos defeitos e, ao mesmo tempo, uma qualidade, porque, na verdade, é tudo transitório” (Jornal de Letras, Junho, 2004).
Desilude-se quem procura nos seus livros um enredo trepidante ou uma intriga muito elaborada. Agustina não gasta lugares comuns nem histórias inesperadas. Prefere a sondagem dos abismos e leva como máquina de perfuração apenas a curiosidade e a capacidade para ver e compreender.
Agustina deixou de escrever desde que foi vítima de um AVC em 2006 e vive recolhida na sua casa no Porto, na companhia de Alberto Luís, seu marido, que juntamente com dois investigadores, trabalha na fixação dos seus textos. O primeiro livro desta “opera omnia” é o “Dicionário Imperfeito” que, juntamente com o livro “Contemplação Carinhosa da Angústia”, é a melhor iniciação aos viajantes que decidam percorrer este território. Ambos editados pela Guimarães Editores. De referir também o nº 12 da revista literária Textos e Pretextos, co-editada em 2009 pela LivrodoDia de Torres Vedras, totalmente dedicado a Agustina Bessa-Luís. | MD

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VIDA E OBRA


Agustina Bessa-Luís, Vila Meã, Amarante, 1922. Infância e adolescência passadas nesta região, cuja ambiência marcará a sua obra. Estreou-se em 1948, com a novela Mundo Fechado. Desde aí manteve um elevado ritmo de publicação, contando com mais de meia centena de títulos.
Entre 1986 e 1987 foi Directora do diário O Primeiro de Janeiro (Porto). Entre 1990 e 1993 assumiu a direcção do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa) e foi membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Em 1954, com o romance A Sibila, Agustina Bessa-Luís  impõe-se  como uma das vozes mais importantes da ficção portuguesa contemporânea.
Vários dos seus romances foram adaptados ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira:  Fanny Owen ("Francisca"), Vale Abraão e As Terras do Risco ("O Convento"), para além de "Party", cujos diálogos foram igualmente escritos pela escritora. Autora de peças de teatro e guiões para televisão, tendo o seu romance As Fúrias sido adaptado para teatro e encenado por Filipe La Féria (Teatro Nacional D. Maria II, 1995).
Várias vezes apresentada como candidata ao Nobel, Agustina Bessa-Luís é pela segunda vez contemplada com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), relativo a 2001, com a obra "O Princípio da Incerteza - Jóia de Família", obra que Manoel de Oliveira adaptou ao cinema com o título "O Princípio da Incerteza". Entre muitos outros, recebeu os prémios Vergílio Ferreira 2004, atribuído pela Universidade de Évora, pela sua carreira como ficcionista, e o Prémio Camões 2004, o mais alto galardão das letras em português.

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ESCRITAS DE AGUSTINA

O que a leva a escrever? – perguntou-lhe um jornalista francês. Agustina respondeu: “Escrevo para incomodar o maior nú­mero possível de pessoas, com o máximo de inteligên­cia. Por narcisismo, que é um facto civilizador. Para ganhar a vida (...). Escrever é isto: comover para des­convocar a angústia e aligeirar o medo (…) Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas».
                                                                                  
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«Carta a Eugénio de Andrade, (25.06.2005)

Querido Eugénio

O melhor não são os sentimentos nobres das pessoas, mas o ácido prazer de amar seja o que for. Uma longa viagem nos une e nos separa. Nunca trocámos cartas porque essa débil força da confidência esteve sempre para nós fora de moda. Nunca deixámos que as palavras nos dessem lições. As palavras são como caminhos, umas vão dar a qualquer sítio que não nos importa conhecer; outras não servem para nada, e são as melhores.
A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses.
A Grécia, como a conhecemos, isso é que é poesia. O vento no fim da tarde em Delfos, o olival até ao mar, duma cor que já não me lembro. Nós não éramos profanos, mas argonautas em terra. Tenho ainda o medalhão de ouro, com Atena esculpida e a coruja ao lado. Tanta formosura para tão poucos iniciados!
Estou aqui a pensar que vou construir uma casa numa árvore do jardim, para navegar ao largo como o capitão Slocum, num iole de 12,70 toneladas de peso bruto. Daqui ao cabo Horn é um pulo. E sempre nos acenam os que ficam em terra, os lenços agitados pelo bom vento da costa. Somos navegadores solitários tentando não embirrar com o presidente do Transval que acredita que o mundo é plano e que não pode haver a volta ao mundo.
Um bom sorriso, e está bem assim.
Agustina Bessa-Luís» [ Retirada do blogue SAL DA LÍNGUA ( http://saldalingua.wordpress.com/2009/12/29/o-lugar-dos-amigos-agustina-bessa-luis/#comment-149), acedido em 16 /01/2011.]

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«Também eu assisti a um congresso de mulheres capacitada dos seus direitos e ouvi esse argumento da solidão como mal necessário da independência feminina. Mas a solidão é sobretudo motivada pela rápida transição da vida familiar à vida profissional e à perda das reacções parentais mal substituídas por outras. Depressa se abandona o lar paterno, se têm filhos, se casa outra vez e se reconhece uma coisa assustadora: as pessoas são dispensáveis como uma chaleira cuja resistência ardeu. E mais fácil adquirir outra do que remediar os estragos para os quais não basta um bocado de fio eléctrico e de habilidade. É preciso piedade e boa dose de alegria amorosa. As mulheres, em geral desviadas da procriação por razões económicas e factores frustrantes, estão muito recalcadas quanto ao estado de alegria amorosa que é a de ver os filhos pequenos à sua volta. Antes que ela se adapte a uma sociedade laboriosa e secreta, onde a criança não tem sentido messiânico mas sim sentido decorativo, passará muito tempo. Ser mulher foi uma invenção maravilhosa; terá de ser uma descoberta ilustre.» (In: Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, Lisboa, 2008)

                                                                                        

16.1.11

A ESCRITA SUMPTUOSA DE AGUSTINA BESSA-LUÍS



«E, contudo, auspiciosos dias os da matança! Vinham de longe os parentes, os homens com os varapaus de marmeleiro dourado pelo tempo e pelo fumo, as mulheres com as saias pretas em cuja fímbria secara a lama. Eram muitos, com suíças e cabeleiras duma cor parda ou ardente, e possuíam todos aquele sorriso áspero e fechado, como se permanentemente enfrentassem o vento, não com desagrado, mas com uma espécie de desdenhosa beatitude. Acampavam praticamente na cozinha, debicando azeitonas, pão doce, figos, e adivinhava-se neles uma sobriedade que não era desprezo da fartura, mas antes um fastio benevolente de quem nunca conheceu privação nem fomes. Constituíam, assim de pele clara, independentes e administradores magistrais das suas paixões, um verdadeiro clã, difícil de penetrar e de subornar. Mesmo alguém como Maria Delfina, ligada a essa gente pelo casa¬mento e entregando-se com boa-fé a toda a classe de subserviências de coração, não podia jamais pertencer à família e nunca obtivera senão uma estima tolerante da parte das suas jovens cunhadas; a pró¬pria sogra tratava-a sempre como a uma visita acidental, punha-lhe na cama os melhores lençóis, seguia-a com um olhar afável e preocupado cada vez que Delfina se deslocava dum lugar para o outro da casa; e, se a adivinhava grávida, prestava-lhe os cuidados mais comoventes, sem deixar de exprimir esse fiozinho de desdém com que se brinda toda a inexperiência. Fora preciso muito tempo para Maria Delfina compreender que um temperamento não obriga a laços profundos; e essa tribo, com as suas sobrancelhas loiras e os seus pequenos olhos vigiadores, com o seu ar onde pairava sempre uma ligeira e intrigante expectativa, possuía um temperamento, mas não amava senão duma forma episódica e imparcial aqueles que não nasciam nas suas fron¬teiras e no seu sangue. Era inútil servi-los, endividar-se por eles, per¬der a alma em nome dos seus vícios e dos seus dons; nunca o reco¬nheciam, sacudiam da pele os favores e as simpatias, com essa grosseria que se pressente nas autênticas solidões.


No tempo da matança, sem que fosse preciso distribuir convites, toda a família se reunia na casa-mãe, com os seus pequenos rebentos que perseguiam às varadas os patos até aos tanques e que disputavam velhos botões e piões e fundas. As mulheres eram bem feitas, o ventre um tanto salientei pelo estrangular da cintura, os pés bonitos e calçados com perfeição; vestiam-se com uma elegância sensual, gostavam das cores belas, da seda e do oiro, mas, ainda que atrevidas de palavras, pareciam ignorar os homens e esquivar-se, com algo de intencional, à sua categoria de fêmeas. Através duma prudência cheia de avisos e ausências, havia uma forma audaciosa, uma vontade manifesta da escolha, um decidir sem nunca chegar a oferecer condições — e Del¬fina achava tudo isso atroz, ainda que, de certo modo, apaixonante.»

in: A Brusca, Contos, 1971

12.1.11

UM POUCO DE AUDÁCIA...


Um pouco de audácia com todos é uma importante prudência. É preciso moderar a ideia que se tem dos outros para não os elevar a ponto de os temer­mos. Que a imaginação nunca vença o coração. Alguns parecem importantes até que se começa a conviver. Este contacto provoca mais a decepção que a estima. Ninguém excede os curtos limites da humanidade: cada qual tem o seu "mas", uns na inteligência e outros no carácter. A dignidade proporciona uma autoridade apa­rente que quase nunca é acompanhada de autoridade pessoal. A sorte costuma castigar um emprego importan­te com méritos inferiores. A imaginação aumenta sem­pre e torna as coisas mais importantes do que são; não capta só o que há, mas o que poderia haver. A razão, cur­tida pela experiência, deve corrigi-la. Mas, nem a necedade deve ser atrevida, nem temeroso o mérito. Se à simpli­cidade lhe valeu a confiança em si própria, muito mais à valia e ao saber!

BALTAZAR GRACIÁN (1601-1658), in A ARTE DA PRUDÊNCIA