29.6.06

Sós...


Estamos, de facto, irremediavelmente sós.
A solidão é a única invariável da nossa vida. Até ao momento final, quando fecharem a cortina de terra sobre nós...

28.6.06

POEMAS A NÃO ESQUECER...| 1 |

Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e de futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dou
na água dos teus olhos é que existem!

(...)

(Carlos de Oliveira (1921-1981, Obra Poética)




AINDA O CHAFARIZ...

Parece que é desta que colo a imagem. Não é antiga, foi tirada já este ano. Para quem não se lembre...
Quando alertámos para a sua ruína houve quem entendesse que o monumento estava a cair. Nada disso. O que se passa é que a pedra, muito porosa, está a desfazer-se pouco a pouco. As infiltrações de água e a poluição estão a provocar uma deterioração progressiva que, a não ser atalhada, levará à ruína irreversível. Pode não ser amanhã porque, para um monumento com mais de 600 anos, o tempo tem outra dimensão. Mas é urgente a intervenção para criar condições de defesa da pedra face às agressões contantes.

A "NOSSA" ASSOCIAÇÃO

Cidadania é isto, também: estar numa associação e dar um contributo para o interesse comum.
Integrei-me na Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras e encontrei muitas possibilidades de dar largas ao meu gosto pelas coisas da História Local.
E como História é memória e sem esta nenhuma comunidade sobrevive, nós procuramos fazer daquela associação um LUGAR ONDE se preserve a memória das gentes torrienses.
Estamos empenhados em duas acções paralelas e complementares:
=» Campanha pelo restauro do Chafariz dos Canos.
=» Divulgação do Centro Histórico de Torres Vedras através de visitas guiadas nos segundos e
quartos Sábados de cada mês.
A primeira está em marcha com a preparação de um dossiê sobre aquele que é, indiscutivelmente, o grande monumento de Torres Vedras, Monumento Nacional desde 1910.
Esse trabalho destina-se a ser apresentado à Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais para que, como entidade da tutela, arranque com o necessário restauro.
A segunda acção, iniciada em Maio deste ano, tem sido um êxito. Já se fizeram três visitas e tem havido público. Na mais recente (24 de Junho), guiada pelo Prof. Venerando de Matos, participaram 15 pessoas.
Não quero maçar... Irei dando notícias...
Há uma foto antiga do Chafariz, tirada nos anos 60. Tem má qualidade mas dá para perceber o que era aquele largo sem o "monstro" do prédio que ali foi construído, no lado norte, em 1972, num atentado de lesa-património que só foi possível com a conivência de muito boa gente desta terra...

27.6.06

BUCÓLICA

(Este poema foi uma fascinação: parecia
que tudo estava nele, e essa ignorada grandeza das coisas comuns
que parecia milagre concentrar-se, tão sóbria e incisiva, na expressão
poética. Ainda hoje acho que é preciso ter muito talento e capacidade
literária para chegar a isto. - Maria Alzira Seixo in:Os Poemas da Minha Vida)


A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

26.6.06

"Cão como nós" - diz Manuel Alegre









É preciso ter um amigo destes para perceber
melhor certas coisas...

- "Cão é cão"!!
- Sim, claro. Mas um cão é mais do que isso...
- ???
- Pois, nem toda a gente percebe...
















O POEMA NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE...

No alpendre donde se avista a infância e os canaviais
ao longo do corpo, a minha mãe dizia é bom ter um relógio
na alma
para medir a eternidade.

Luís Filipe Rodrigues, Meses Navegáveis, 1988

Mário Viegas

Alguém me chamou a atenção para a iniciativa do jornal PÚBLICO: a publicação da discografia completa de Mário Viegas.
A edição é da responsabilidade de José Niza que conheceu muito de perto MV e com ele trabalhou muitas vezes.
O trabalho apresenta-se em forma de livros "maneirinhos" (21 x 14 ), 80 pág, 14 livros no total, publicados às Terças -F., ao preço de 8 €.
Na contra-capa de cada livro vem um CD com os poemas na voz de MV.
O conteúdo dos livros, para além dos poemas ditos, apresenta memórias, curiosidades, informações diversas e muitas fotos.
Digo: vale a pena! Mário Viegas foi um extraordinário leitor de poesia, que declamava com um estilo inconfundível: clareza, contenção, inflexões subtis, humor, dramatismo sem espalhafato, ternura...
Lá estão o clássico "Palavras Ditas", seu primeiro disco, com uma soberba recitação do poema de Vinícius de Moraes, «Sob o Trópico de Câncer», entre outros de António Gedeão, Alexandre O'Neill, Manuel Alegre, Daniel Filipe, Jorge de Sena...
...o «Operário em Construção», de V. de Moraes;... a «Invenção do Amor» de Daniel Filipe...e muito outros, sendo os 4 últimos CD's constituídos por inéditos que faziam part do espólio de MV, em cassettes gravadas ao vivo, ou gravações que foram proibidas (MV começou ainda no tempo de Marcelo Caetano).
Recordo MV, quando andávamos no Liceu de Santarém... como meu colega no Curso de História da Faculdade de Letras de Lisboa... quando me levou a ver "O Grande Teatro do Mundo", de Calderon de La Barca, pelo Teatro Universitário de Coimbra... nas fabulosas interpretações na peça "José do Telhado", da figura de D. João VI, em «À espera de Godot»...
Como recordo a minha falta de paciência para a sua última fase: já muito doente, candidatou-se a Presidente da República, em 1986, pedindo a todos os amigos a recolha de assinaturas para formalizar o processo. Era a sua última e desesperada forma de dizer que os ideais do 25 de Abril tinham sido traídos.
Mas Mário Viegas está vivo em cada poema que nos deixou na sua voz única.

25.6.06

O que é que esta gente tem na tola?

Ouvindo a gritaria e as buzinas na rua depois de um jogo de futebol ( Portugal / Holanda) ainda consigo surpreender-me com a minha irritação. O que é que esta gente tem na cabeça?
De tarde, no quintal a cuidar das verduras, fui assaltado por chinfrineira idêntica. Era um casamento.
Help! Sinto-me rodeado de grunhos! Bimbos!
Também vi o jogo, claro. E deu para perceber que a grunhice nacional está ao nível da dos nossos jogadores. A ganhar por 1-0 os rapazinhos deram em provocar amarelos e acabaram expulsos. Habituados à bimbalhice pegada que é o futebol nacional com os seus pintos-da-costa, vieiras-e-veigas, instigados por essa gente a jogar à trancada, agora têm dificuldade em se habituarem a ser civilizados. (Diga-se que os outros também estão nessa onda. Por isso o futebol é, para mim, e cada vez mais, um lugar mal frequentado um LUGAR ONDE não me apetece ir.
Repito: Grunhos! Bimbos!

24.6.06

Sortudo! Na Ericeira, hem?



Sim, estou na Ericeira. Aos fins de semana venho até Santo Isidoro, pequena aldeia do concelho de Mafra. E aos sábados há o ritual do jornal na Ericeira, que fica a três quilómetros da aldeia. Sortudo, sim, ó meus amigos! Queria tantoter-vos aqui...

Recado

Deixa a tua mão

esquecida no meu peito


fecha os olhos

recorda o mar


num momento breve

podes escutar

o bater do coração


não saias meu amor

deste lugar

Roteiro de viagem

Guarda a entrada, recusa o acesso fácil. Nãohá caminhos largos sem portas estreitas.
Quando chegares pela manhã ao ponto inicial de uma agonia, despede-te da luz e caminha como homem que sabe onde fica a eternidade.
Haverá espelhos, passagens onde o corpo fique suspenso. Nenhum abismo é dócil,embora permaneça vulnerável como quem aguarda.
Caminha, nãoalteres nenhuma chave por ondealcances o saber secreto, impávido domina a rebentaçãode cada onda.
Não há destinonemliberdade:tu vives um instante.

23.6.06

A escrita nos "blogs": uma reflexão útil.



Texto de Pacheco Pereira, citado hoje pelo blog O JUMENTO. Parece-me importante pela reflexão sobre as mudanças de paradigma nos modos de escrever e de ler.
O meu contributo: ao contrário de muitos outros, um blog é um texto que (normalmente)não pode ser lido no WC.
Tchhh! E as implicações que isto tem??!

«Repito, a tecnologia do software em que assentam os blogues tem um papel ao moldar a sua forma. Vimos no artigo anterior como ela valoriza o presente, presentificando a escrita, obrigando-a à actualidade. Agora podemos ver como ela acentua aspectos da escrita: favorece o texto contido, aquilo que na linguagem da blogosfera se chama o "post curto". O "post curto" gera uma tensão sobre o espaço das palavras, acentua a utilização estética da frase, em combinação com o título e com outros elementos gráficos. O facto de os blogues poderem usar simultaneamente texto e imagens, sons e vídeo está a dar origem à primeira grande vaga de um novo tipo de textos, nascidos na Rede e para serem lidos na Rede.
Os blogues revelam e geram novas normas de leitura na Rede que são distintas dos livros, acentuando a não-linearidade da leitura. Esta segue não apenas a frase, mas as ligações, ganha em espessura ao deslocar-se entre as diferentes páginas associadas pelo hipertexto. Move-se não apenas no texto, mas também pelas imagens e sons ligados ao texto, em detrimento da leitura sequencial, habitual no livro e nos jornais. A leitura num ecrã raras vezes anda para trás, tende a andar para o lado antes de andar para a frente. A escrita nos blogues é moldada por estas características físicas do novo texto electrónico e, no seu conjunto, está a ensinar a uma geração um novo cânone de leitura e escrita que poucos exploram conscientemente, mas que molda a todos.»
(Obrigado a J. Pacheco Pereira e ao Jumento)

ARREPIADO? Só se for com tanta beleza...E ALMOUROL, deslumbrante...







Visitar o Castelo de Almourol! Que bom!
Mas o melhor da visita acabou por ser a pequena viagem no barquinho, em redor da ilha onde se ergue o castelo. Na margem fronteira vê-se esta aldeia, com um nome curioso: «Arrepiado».

E o castelo propriamente dito?

Bom, como todos os castelos, é muito bonito quando visto ao longe. Lá dentro não desilude, até porque oferece um panorama magnífico do alto da Torre de Menagem.

Castelos do Loire? Bahh! Só depois de vir a Almourol.

E já agora: se sobrar dinheiro vale a pena almoçar no "Restaurante Almourol", na vila de Tancos que fica ali perto.
Ah!

22.6.06

A cada dia o seu poema

Na fio da linha entre o erótico subtil e o quase explícito, este poema lembrou-me David Mourão-Ferreira nos seus grandes momentos.
Rigor de escrita no registo exacto para falar da ternura e da paixão, dos sentidos libertos e logo contidos. Um intimidade exaltante, vivida na cumplicidade dos gestos amorosos, num descritivismo que não enjeita uma certa ironia e um humor certo.


Primeiro a tua mão sobre o meu seio.
Depois o pé - o meu - sobre o teu pé.
Logo o roçar urgente do joelho
e o ventre mais à frente na maré.
É a onda do ombro que se instala.
É a linha do dorso que se inscreve.
A mão agora impõe, já não embala
mas o beijo é carícia de tão leve.
O corpo roda: quer mais pele, mais quente.
A boca exige: quer mais sal, mais morno.
Já não há gesto que se não invente,
Ímpeto que não ache um abandono.
Então já a maré subiu de vez.
É todo o mar que inunda a nossa cama.
Afogados de amor e de nudez
somos a maré alta de quem ama.
Por fim o sono calmo que não é
senão ternura, intimidade, enleio:
o meu pé descansando no teu pé,
a tua mão dormindo no meu seio.


Rosa Lobato Faria, in:"Cem Poemas
Portugueses no Feminino", ed. Terramar,
2005

21.6.06



Um beijo

só pode ser

assim...

Caminhos

"Crianças que ao chegar já trazem olhos de partida..."
Ruy Belo, Obra Poética, Ed. Presença, vol. 2 , p.66



O filho cresce, fala, já caminha sozinho como se viesse de longe e desde sempre conhecesse a estrada. Queria ir com ele mas é de muitos passos cada passo dele e eu já me atraso na caminhada.
Filho que vieste de tão longe e segues sozinho, vais agora à minha frente, não te alcanço, sei que chegarás, filho, não vou poder acompanhar-te...

CONTRA A DESVALORIZAÇÃO DO ENSINO DA LITERATURA

Vasco Graça Moura publica hoje, no Diário de Notícias, um texto sobre o ensino da literatura no Secundário que vale a pena ler. O ponto de partida é um livro de José A.C. Bernardes, prof. universitário em Coimbra, que alerta para a necessidade de travar a desvalorização do ensino da literatura nas escolas.
Como esta também é a minha luta, aqui fica uma pequena transcrição do texto de VGM.


«Enquanto condensação privilegiada da aventura humana (apresentada em proporções muito variáveis de verdade e de ficção) a escrita literária assume-se como testemunho do itinerário profundo da humanidade, em níveis mais vantajosos do que qualquer outra disciplina, incluindo a História e a Filosofia";"
A Escola constitui, neste momento, o único espaço onde pode ocorrer a transmissão regular da cultura portuguesa", uma vez que "nem a televisão nem a família reúnem condições para desempenhar essa missão de forma sistemática".»

ALPIARÇA...infância...



Em Alpiarça, no coração do Ribatejo, José Relvas mandou construir, pela traça de Raul Lino, um dos mais belos solares portugueses. Estava-se no princípio do século XX.
Hoje é o Museu/Casa dos Patudos ( naquele lugar havia um vale alagadiço onde paravam muitos patos.)

Por ali passei muitas vezes, nas andanças de bicicleta que enchem a memória da minha infância.

20.6.06

Ainda António Nobre, um poeta a não esquecer


O SONO DO JOÃO
António Nobre

Inicialmente o poema parece uma cantiga de embalar, melopeia de expressão ingénua, muito próxima da fala das crianças. Mas depois entra pelos desvãos da vida e da morte e somos confrontados com as mais sérias interrogações metafísicas. A vida? A morte? Onde começa e onde acaba a interrogação? Assim se constrói um grande poema.

O João dorme... (Ó Maria,

Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar,
Não vá o João acordar...)

Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!

O João dorme... Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó Mar! Fala mais baixinho...

E tu, Mãe! E tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar,
Não vá o João acordar...
O João dorme, o inocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o Mundo,
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...

Ó Mãe! Canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
"Na vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir".
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!

E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendoJoão!
Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!

Mas para isso, ó Maria!
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar,
Não vá o João acordar...

E os anos irão passando.
Depois, já velhinho,
quando (Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas,
Morrerá sem o sentir,I
sto é, deixa de dormir:
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...

Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

LUGAR ONDE no jornal BADALADAS - Torres Vedras





ANTÓNIO NOBRE: SÓ

Referindo-se ao SÓ, o título mais pequeno da literatura portuguesa, Virgílio Ferreira escreveu: «…livro deslumbrante…singulariza-se muito por ostentar uma desconcertante, mas cativante, originalidade. (…) À época do seu aparecimento (1892), o SÓ causou, além de fascínio, estupefacção e escândalo…» (Colóquio/Letras, Janeiro 1993)
Depois de António Nobre a poesia portuguesa não voltou a ser a mesma. Escrita no fio da navalha entre o narcisismo e a identificação com um certo modo colectivo de ser português, a poesia de A.Nobre entrou pelo século XX e deixou marcas profundas.
O grande Fernando Pessoa, num texto em memória de António Nobre, escreveu: « (...) ele foi o primeiro a pôr em europeu este sentimento das almas e das coisas, que tem pena de que umas não sejam corpos, para lhes poder fazer festas, e de que outras não sejam gente, para poder falar com elas. O ingénuo panteísmo da Raça, que tem carinhos de espontânea frase para com as árvores e as pedras, desabrochou nele melancolicamente. Ele vem no Outono e pelo crepúsculo. Pobre de quem o compreende e ama.»
Num estilo inconfundível, em que se misturam a saudade da infância com a ternura pelas gentes de trabalho, pobres mas invejáveis pela riqueza de uma saúde que lhe fugia, António Nobre renova a poesia portuguesa através do tom coloquial e uma visão do mundo que se inspira no olhar ingénuo e puro das crianças.
Homem viajado, com formação universitária e um agudo sentido da observação, soube expressar de forma pungente a sua ânsia de vida com a amarga intuição da morte. Estes dois temas percorrem todas as páginas do livro “SÓ”, testemunho paradoxal de amor à vida e aceitação da morte como libertação do sofrimento. Virgílio Ferreira
J.M.D.




António Nobre – 1867 / 1900

Portuense de nascimento, frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra, acabando por tirar o curso de Ciências Económicas em Paris. Ingressa na vida diplomática, mas a tuberculose não o deixa exercer a profissão. Em busca de alívio para os seus males, passa vários meses na Suíça, vai aos Estados Unidos, estagia na Madeira. A única obra que edita em vida, SÓ (1892), considerada pelo autor «o livro mais triste que há em Portugal», impõe-no como um dos maiores e mais originais e influentes poetas. Postumamente, foram publicados os livros: “despedidas” (1902) e “Primeiros Versos” (1921). (In “Tesouros da Poesia Portuguesa”, A. M. Couto Viana, Ed.Verbo, 1983.)

António Nobre, recusando a elaboração convencional, oratória e elevada da linguagem, libertou-a, procurando um tom de coloquialidade, sensível mais que reflexivo, cheio de ritmos livres e musicais, afectivo, oral, precursor de muitos aspectos da modernidade e acompanhado de uma imagística rica e original. ( In: História Da Literatura Portuguesa, Texto Editora Multimédia)








Menino e moço

Tombou da haste a flor da minha infância alada
Murchou na jarra de oiro o púdico jasmim:
Voou aos altos Céus a pomba enamorada
Que dantes estendia as suas asas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz dessa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa visão de luar que vivia encantada,
Num castelo com torres de marfim!

Mas, hoje, as pombas de oiro, aves da minha infância,
Que me enchiam de Lua o coração, outrora,
Partiram e no Céu evolam-se, a distância!

Debalde clamo e choro, erguendo aos Céus meus ais;
Voltam na asa do vento os ais que a alma chora,
Elas, porém, Senhor! Elas não voltam mais...








AO CAIR DAS FOLHAS
A minha irmã Maria da Glória

Pudessem suas mãos cobrir meu rosto,
Fechar-me os olhos e compor-me o leito,
Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
Eu me for viajar para o sol-posto.

De modo que me faça bom encosto
O travesseiro comporá com jeito.
E eu tão feliz! – Por não estar afeito,
Hei-de sorrir, Senhor, quase com gosto.

Até com gosto, sim! Que faz quem vive
Órfão de mimos, viúvo de esperanças,
Solteiro de venturas que não tive?

Assim irei dormir com as crianças,
Quase como elas, quase sem pecados...
E acabarão, enfim, os meus cuidados.

19.6.06

De novo os "Lugares de silêncio"




Desta vez conseguir "colar" fotos de Alcobaça.
Lugar mágico, o mosteiro. Parece que séculos de silêncio se enredaram em seus arcos e colunas...

LUGAR DE ENCONTROS

Nas deambulações pela net, encontro o LUGAR EFÉMERO e a escrita intimista de alguém que deixa um rasto de luz.
Olá, personagem desconhecida deste mundo onde habitamos!

Sinto que é alguém que pisa forte e deixa rasto. Que põe "tudo o que é, no mínimo que faz". Nunca saberei quem é, nem isso importa. Neste ofício de estar vivo, caminhar ao lado é sentir mais viva a VIDA!

Recolho-me ao silêncio do meu pequeno espaço. Este LUGAR ONDE o meu ser efémero procura o rasto de outras luzes. Talvez eu não mereça este tanto que vou recebendo...

18.6.06

UMA HOMENAGEM A ALGUÉM...

Juro que te amarei para sempre
Mas não posso jurar que te amarei da mesma forma todos os dias.
Se nem sempre sou igual a mim mesma
Como te poderia jurar do amor a uniformidade?
Mas juro que te amarei para sempre.
Uns dias sentir-me-ás como brisaSoprarei os teus cabelos
Brincarei com as tuas roupas
E serei tão leve e mal presente
Que te interrogarás da presença e brevidade do amor.
Mas juro que te amarei para sempre.
Noutros dias serei como o sol
Quando implacável incendeia céu e paisagem
Queimar-te-ei o corpo
Serei certeza tão ardente
Que de nada mais saberás senão de mim e do amor.
Dias haverá em que sombra de mim mesma
Coberta de luto, envolta em silêncio
Me julgarás, como me julgo, perdida
E pensarás certo da partida olhando o escuro que te cerca
"Não me ama, partiu, e nem sequer disse adeus."
Juro que te amarei para sempre
Mas não posso jurar-te amor igual todos os dias.

Da blogger “Incandescente”, “O erotismo na cidade”

17.6.06

NINHO





















A casa do mundo
é aqui: no sítio
onde os antigos usos permanecem
no sono pensativo das mulheres
na minúcia do amor
ardendo na claridade nua

Fernando Jorge Fabião

AGUARDO O DIA

A breve passagem pela praia, hoje, lembrou-me outras horas em que a tua presença prometia resistir ao tempo.
Vivíamos, então, embalados em palavras,lembras-te? Fazíamos palavras em vez de amor...

A praia, hoje. Mas eu estava só, mais uma vez. Nem sequer havia gaivotas.

Quando roubaremos um barco, meu amor, e partiremos para o largo?

16.6.06

LUGAR DE SILÊNCIO




Preservar o recanto místico que há em nós não significa ceder aos velhos mitos religiosos que aprisionam o Homem.
Misticismo: forma de preservar o mais íntimo de cada ser, o "lugar de silêncio" de que falava Ruy Belo.

No blog O JUMENTO" encontrei belíssimas fotos do Mosteiro da Batalha.
Um Lugar de silêncio...

BOM DIA, GAIVOTA


Uma gaivota prepara-se para o novo dia.
Nada sei de ti, ó ave tão vulgar,
voo de silêncios e brumas.

Olho cada movimento das tuas asas
como se a vida fosse o mapa que elas desenham no ar.

Bom dia, gaivota!




15.6.06

Ontem a Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras (PatrimonioTVedras@sapo.pt) reuniu-se com o Grupo dos Amigos de Torres para combinar formas de cooperação na campanha pelo restauro do Chafariz dos Canos.
Para quem não saiba, este Monumento Nacional é um raríssimo exemplar de arquitectura gótica do século XIV. Apenas em Santarém existe uma outra fonte da mesma época.
O Chafariz dos Canos deveria ser o ex-libris da cidade de Torres Vedras mas não é. Porquê?

O enquadramento urbanístico é uma lástima. Rodeado de grandes prédios, com um jardinzinho pindérico em frente, com uma casa em ruínas ao lado, sujo, descuidado, esta jóia arquitectónica é a maior expressão da insensibilidade geral que permite o estado a que ele chegou. "Vergonha de todos nós" - escrevemos há dois anos no Badaladas.

É urgente intervir. Alertar o IPPAR (inst. Port. do Patrim. Arquit.) e a Dir. Geral dos Edifíc. e Monum. Nacionais ( que parece que está em dissolução...), "obrigar" a Câmara Municipal a acordar para esta triste realidade.

A ADDPCTV e os Amigos de TV estão apenas a fazer o que lhes compete.

Salvemos o Chafariz dos Canos!

COISA RARA...

Hoje um amigo mandou-me um poema, numa carta à antiga. Maneira de me dizer:"Ei, como vai isso por aí?" Receber uma carta na caixa do correio! Coisa rara, hoje. Merece destaque.

Obrigado Fernando. Espero que não te importes com a publicidade...
Aqui fica o teu poema:

RECATO

Esquecemos, nas ilhas, o recato
crianças
ou nem isso
o mundo tem muitos céus
mas o corpo não muda de lugar
apenas mais benigno
fustigando o medo
às vezes, a fadiga
o passo, é lesto
o olhar, insuspeito
e em protocolo minucioso
(excesso de prudência?)
rimos
junto às muralhas da cidade.

13.6.06

P O V O A M E N T O

No teu amor por mim há uma rua que começa

Nem árvores nem casas existiam

antes que tu tivesses palavras

e todo eu fosse um coração para elas

Invento-te e o céu azula-se sobre esta

triste condição de ter de receber

dos choupos onde cantam

os impossíveis pássaros

a nova primavera

Tocam sinos e levantam voo

todos os cuidados

Ó meu amor nem minha mãe

tinha assim um regaço

como este dia tem

E eu chego e sento-me ao lado

da primavera

Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates
Lisboa, Editorial Presença, 1996 (5ª ed.)

UM POEMA DE FERNANDO PESSOA

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?


Fernando Pessoa

Atrasos de vida? (Ou: atrasos na vida...)

Há muita gente que permanece com os paradigmas mentais do século XIX.
A propósito da Net e dos computadores fazem gala em proclamar que detestam máquinas, que a net agarra as pessoas e não as deixa viver, que é tudo uma questão de moda...

Normalmente este tipo de conversa esconde uma realidade: essas pessoas não querem ter o trabalho de se inteirarem. De tirarem partido do que a tecnologia oferece. De se esforçarem por dominar novos conhecimentos. Preguiça, portanto.

Não vêem o que isso lhes retira de actualização, de possibilidade de partilharem com outras pessoas, de enriquecimento pessoal.

Numa caminhada ao longo de uma estrada há aqueles que se cansam depressa e ficam à beira, sentados, a verem os outros a afastarem-se. O que é triste. Quem continua, vai mais sozinho. Quem fica, atrasa-se talvez irremediavelmente.

Pelas cabecinhas destas pessoas hoje ainda estaríamos a andar de burro e a escrever com penas de pato...

Lembrar - sempre - Fernando Pessoa

Amanhã a estas horas, onde estarei?

Esta pergunta tê-la-á feito Fernando Pessoa pouco antes de expirar. Foi em 30 de Novembro de 1935, completam-se agora 70 anos.
Os seus restos mortais repousam no Mosteiro dos Jerónimos, perto dos de Luís de Camões. Mas a sua obra literária está mais viva do que nunca.

Entre nós e o poeta ergue-se hoje uma barreira impressionante de intermediários que, no afã de no-lo darem a conhecer, mais parece que o escondem. Universitários, escritores, ensaístas, estudiosos de todo o mundo percorrem a imensa e riquíssima obra de Fernando Pessoa, empolgados pelo seu grau de originalidade e variedade. Oferecem-nos serviços de barqueiro, querem ajudar-nos a navegar no oceano imenso de Pessoa. Isso é bom, sem dúvida, mas o melhor ainda é navegar pelos nossos meios. Em qualquer livraria encontraremos os guias e mapas para esta viagem que nos levará a ler os escritos do grande poeta e mergulhar neles sem receio. Porque a melhor forma de conhecer um escritor é ler a sua obra.

12.6.06

TEJO: entre as margens da alegria

O Tejo, entre Valada e Escaropim

OS BALCÕES SUCESSIVOS SOBRE O RIO
Os balcões sucessivos sobre o rio
as tesouras de poda nas roseiras
a sonolência lânguida e perversa
esse todo coerente e sobre ele apenas
a abóbada da minha perfeição
é esse o meu convite à desistência
a pena menos pública do mundo nos
lagos das finas flores dos sabugueiros
onde a mulher soltava os cabelos
pra que neles se prendesse o cheiro a erva
(...)

in: Despeço-me da Terra da Alegria
de Ruy Belo

11.6.06

DAR VISIBILIDADE À LITERATURA

A literatura é um LUGAR ONDE pouca gente vai?
Às vezes penso que sim. Nos concursos da TV é raro o concorrente que acerta questões de literatura. Nem com perguntas simples...
Sou apenas mais alguém que procura espaço para a literatura - escrita -do-mundo. Porque "escrever o mundo" é alterar a nossa relação com ele.
No jornal BADALADAS (semanário regional de Torres Vedras) vou publicando umas páginas despretenciosas que apenas pretendem dar visibilidade à literatura. Tendo o jornal cerca de 12000 assinantes, não é má aposta... penso eu.
Para este espaço blog virão alguns dos textos publicados nessa página, que em Julho que vem fará o seu 4º aniversário. A página sai na terceira semana de cada mês.
Só é pena que o jornal tenha um site na net que não está à altura da sua história: um jornal regional com quase 60 anos.
Não vou falar mal do futebol. Não quero ser mais um - e depois corro a ver os jogos às escondidas...
O problema é apenas o da proporção: será a bola tão importante assim? Deputados! Como entender que coloquem o seu trabalho abaixo da "importância" do futebol? E depois querem que os respeitemos?