23.12.10

LUGAR ONDE Nº 101 - Semanário BADALADAS de 24 DEZ 2010





NATAL
SAUDADE OU ESPERANÇA?

Natal, centro histórico da nossa infância. Fascínio da memória, saudade do lume antigo. E choramos as ruínas e os escombros dos anos, agora que não há luzes e as baladas se calaram. Quem pode falar de Natal a quem tem fome e sede de justiça? A quem perdeu um filho, um pai? Que Natal podemos convocar a quem tudo falta? Natal: saudade ou esperança?
Teixeira de Pascoaes: “Vemos somente recordações, memórias, da divina Esperança. Somos lembranças de Deus; e é por isso que temos a faculdade de o perceber ou inventar…”
Que resta de tantos natais de esperança para quem perdeu a esperança do Natal?
Que o lume se ateie! Que a luz ilumine! Que a esperança renasça!


                                                                                    *


HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação. 

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

MIGUEL TORGA 

*
NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

DAVID MOURÃO-FERREIRA

*
FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

NATÁLIA CORREIA

*
NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse me pareceu Cristo.

VITORINO NEMÉSIO

*


OS PROFETAS

Assombra, esta verdade que trazemos.
Aterra, a nitidez com que falamos.
Mas nós, mais do que vós, nos aterramos
Da certeza que temos.
Porque há distâncias que ninguém transpôs
E predizer é ser no Tempo - Aquém.
Correm palavras, como um rio, em nós:
A Verdade é Belém.

REINALDO FERREIRA

*



PRECE DE NATAL

Menino Jesus
De novo nascido,
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!

Vede que os humanos
Erros e cuidados
Nos são tão pesados
Como há dois mil anos.

A nossa ignorância
É um fardo que arde.
Como se faz tarde
Para a nossa ânsia!

Nós somos da Terra,
Coisa fria e dura.
Olhai a amargura
Que esse olhar encerra.

Colai o ouvido
À alma que sofre;
Abri esse cofre
Do sonho escondido.

Pegai nessa mão
Que treme de medo;
Sondai o segredo
Da minha oração.


Esta pobre gente
Que mal é que fez?
Nós somos, talvez,
Um povo «inocente»...

Menino Jesus
Que andais distraído
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!
(…)

Carlos Queiroz (1907-1949)




Presépio de Machado de Castro - Basílica da Estrela, Lisboa


                                                                                    *


CEM LUGARES! ONDE?

Foi em Julho de 2002 que teve início esta página mensal LUGAR ONDE que atingiu em Novembro o número 100. Espaço de outras leituras, literaturas, escritas e dizeres das nossas vivências culturais. Intenção de aqui trazer contrapontos, outros pontos de vista, as intuições dos poetas, a expressão da arte escrita, ou outras artes. Um projecto a partir da verificação de que “a escuridão que cobre tantos recantos do nosso tempo se deve ao gasto excessivo das palavras, tornadas irrelevantes.” E a partir da ideia cada vez mais arreigada em nós de que a literatura é o LUGAR em que o homem encontra as palavras essenciais da vida, do mundo. E também da interrogação: ONDE?
LUGAR ONDE: venham mais cem!




 

16.12.10

ACONTECE


E Carlos Pinto Coelho partiu pela segunda vez. (Da primeira, por influência de um tal político que nunca chegou a indemnizar-me com a viagem à volta do mundo...)
Adiante. Pinto Coelho e a cultura que ele tão bem serviu pertencem a um mundo bem diferente, onde as viagens não se contabilizam. Nunca dei pela falta do Sarmento mas pela do Carlos sim, e muito.

13.12.10

CHEGÁMOS A 100!



A página LUGAR ONDE no BADALADAS atingiu o número 100 em Novembro passado.
Teve início em Julho de 2002 e sai mensalmente.
É um espaço de livros, leituras, autores e, por vezes, de alguns comentários na área cultural.
Um pequeno contra-peso para compensar algum excesso de páginas dedicadas ao desporto...
Realço a autonomia absoluta que sempre me foi dada pela Direcção do jornal.
Não tenho retorno dos leitores, é um facto. As pessoas lêem e deitam fora, jornal é assim mesmo. Mas sei de algumas pessoas que gostam,  e isso sabe-me bem...

10.12.10

AFORISMOS



Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela.
(Bernardo Soares, Livro do Desassossego)




5.12.10

LUGAR PARA SOPHIA

Maria de Sousa Tavares, filha de Sophia


A ler na revista ÚNICA, Expresso de 4/12/2010:

---> a entrevista à filha mais velha de Sophia de Mello Breyner, Maria de Sousa Tavares, que se tem dedicado à organização do importante espólio da poetisa, doado à Biblioteca Nacional.

A ter em conta:

---> o Colóquio sobre Sophia em 27 e 28 de Janeiro de 2011. Ver AQUI.

27.11.10

PRÉMIO LITERÁRIO AGUSTINA BESSA-LUÍS






Prémio Agustina Bessa-Luís para Paulo Mourão Bugalho, pelo romance "A CABEÇA DE SÉNECA".
Ver AQUI.

26.11.10

ACORDO ORTOGRÁFICO







ACORDO ORTOGRÁFICO *

TEMOS DE ESTAR DE ACORDO?



Toda a gente pergunta: o Acordo Ortográfico (AO) já está em vigor? Desde quando, exactamente? Sou obrigado a respeitá-lo? Mas afinal, o que é que mudou? Fomos à procura e encontrámos algumas respostas. Mas estamos num terreno movediço.

Fernando Pessoa teve o mesmo problema que nós: em 1911 – tinha ele 23 anos – foi feita uma importante reforma ortográfica, considerada urgente pela variedade caótica de formas de escrita, incompatível com a necessidade da rápida e universal divulgação das leis republicanas. E insurgiu-se frontalmente contra as mudanças propostas, que iam no sentido de aproximar a escrita da pronúncia, o que, no seu entender, colidia com a necessidade de respeitar a etimologia das palavras, isto é, a sua origem greco-latina.

Sabemos hoje que qualquer alteração ortográfica é discutível, para mais quando ela envolve países diferentes, como é o caso do espaço da lusofonia. Há sempre opções polémicas, consideradas incongruentes por uns e defensáveis por outros.

Em nosso entender a questão é esta: a Língua é o resultado de uma longa sedimentação de hábitos e procedimentos. Tanto na fala como na escrita, há normas que o tempo consagrou, mas que são convencionais, mais ou menos impostas, mais ou menos adoptadas e aceites. Este processo era lento e elitista no tempo em que só uma minoria sabia escrever ou tinha acesso aos púlpitos, fosse nas igrejas ou em actos públicos. Hoje, porém, a realidade é bem diferente: alfabetização geral, escolaridade obrigatória até ao 12º ano, proliferação de meios de comunicação, expansão da Língua em todos os continentes, com a emergência de novos países de língua oficial portuguesa, num universo de mais de 200 milhões de falantes; participação de Portugal na União Europeia e no Conselho de Segurança da ONU, a par de muitos outros organismos mundiais em que estão todos os outros países da lusofonia, com a consequente circulação de milhares de documentos escritos em Português.

Assim se tem justificado a necessidade de adoptar algumas simplificações na escrita, que a isso se resume este Acordo Ortográfico, que vem na sequência de outros. Sempre houve opositores a estas mudanças, como acontece agora, em que figuras muito conhecidas da nossa vida cultural se insurgiram e levaram ao Parlamento uma petição com cerca de 33 mil assinaturas. Mas o acordo foi ratificado em Portugal, como consta no Dº da República, 1ª série, nº 145, de 29 de Julho de 2008, tendo entrado em vigor em 13 de Maio de 2009, data a partir da qual se conta o período de seis anos de transição, que se aplica sobretudo às escolas e aos documentos oficiais. É claro que ninguém é obrigado a seguir as novas regras, nem será punido por desrespeitá-las. Por isso vai repetir-se a dualidade de maneiras de escrever, como quando eu era miúdo e me ria da minha avó Leonor que escrevia “à moda antiga” (antes do acordo de 1911) e não percebia as regras que eu andava a aprender na escola primária







CONHECER A NOVA ORTOGRAFIA


Quem pretende escrever com correcção sempre precisou de ter à mão vários instrumentos de consulta: gramáticas, dicionários e prontuários ortográficos. Com o Acordo O. vai passar-se o mesmo. As editoras já estão a publicar esses preciosos auxiliares e na internet há alguns muito úteis, inclusivamente conversores ortográficos gratuitos, pese embora algumas divergências que encontrámos, reveladoras de que este processo de revisão ortográfica tem sido bastante mal conduzido, dando razões suplementares aos seus detractores. Só o tempo limará as arestas. Pelo seu equilíbrio de análise e por conter os textos fundamentais do AO aconselhamos o livro “O Acordo Ortográfico” de Francisco Álvaro Gomes, Porto Editora, 2008.

O Portal da Língua Portuguesa tem disponível no seu site o download gratuito de um conversor do novo Acordo Ortográfico, o Lince.
O conversor está disponível para o Windows, MAC OS X ou Linux, suporta os formatos DOC, DOCX, ODT, HTML, XML, RTF, PDF e TXT e permite converter em simultâneo um número elevado de ficheiros de qualquer dimensão.
Esta ferramenta, lançada pelo Estado, permite que os Portugueses se adaptem às novas regras da escrita.
 
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PERGUNTAS E RESPOSTAS
 


O que é o Acordo Ortográfico de 1990?

O "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" é um documento assinado em 1990 pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza; foi aprovado, para ratificação, na Assembleia da República Portuguesa a 4 de Junho de 1991 e publicado a 23 de Agosto de 1991 em Diário da República. Este Acordo foi alvo de dois protocolos modificativos (em 2000 e em 2004), o último dos quais permite a adesão de Timor Leste e estipula que o Acordo pode entrar em vigor quando três países o ratificarem.

Este documento legal pretende regular a ortografia portuguesa, a única área da língua que é objecto de uma regulamentação oficial.

O Acordo Ortográfico de 1990 já está em vigor em Portugal?

Sim. De acordo com o aviso n.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado em 17 de Setembro de 2010 no Diário da República n.º 182, I Série, pág. 4116, o Acordo Ortográfico de 1990 vigora em Portugal desde 13 de Maio de 2009, data em que foi depositado junto da República Portuguesa o instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. É a partir desta data, 13 de Maio de 2009, que começa a ser contado em Portugal o período de transição de 6 anos estipulado por lei, o que significa que 2015 é o prazo limite para a adopção oficial da nova ortografia. O art.º 2º da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio de 2008, prevê esse período de transição em Portugal, durante o qual "[...] a ortografia constante de novos actos, normas, orientações, documentos ou de bens referidos no número anterior ou que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação, independentemente do seu suporte, deve conformar-se às disposições do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa".

RETIRADO DE: http://www.flip.pt/AcordoOrtogr%C3%A1fico/PerguntasFrequentes/tabid/536/Default.aspx (acedido em 14/11/2010)






VOZES DISCORDANTES



“A palavra Phantasma, por exemplo, escrita com F perde todo o seu aspecto espectral e misterioso; Theologia escrita só com T, perde o seu sinal de transcendência divina. Mas já não acontece o mesmo nas palavras Teatro, Fotografia...; aquelas são complexas e profundas, estas são simples e claras.” (Teixeira de Pascoaes, in A Águia, aquando da reforma ortográfica de 1911)

«Devo dizer que considero o acordo ortográfico um chorrilho de asneiras, absolutamente incompatível com a dignidade da língua portuguesa e da identidade do nosso país, não por qualquer espécie de nacionalismo exacerbado, mas porque o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua» (Vasco Graça Moura in: Bom Dia Portugal, RTP, 23 JAN 2010)


* Publicado no semanário BADALADAS, em 26 de Novembro de 2010, página LUGAR ONDE -Escritas e Dizeres (nº 100)


22.11.10

Carolyn Carlson - DARK



Negrume, gestos desesperados, lugares inóspitos: uma dança que "diz" o mundo em que vivemos...

30.10.10

UM TEXTO OPORTUNO SOBRE "ALTOS SALÁRIOS"



Um dia destes, em PEDRAS ROLANTES, mais um texto de Venerando de Matos, esclarecedor pela pertinência e acerto da análise. Transcrevemos:


«Não deixa de ser curiosa a forma como os comentadores e políticos usam e abusam da demagogia quando se fala de salários.

Ontem correu a notícia de que os Juízes portugueses, no topo da carreira, eram os “mais bem pagos da Europa”.
Depois percebeu-se que eram os mais bem pagos, comparando o seu rendimento (liquido) como o rendimento médio do país.
Na verdade, como revela hoje o Público, recebem pouco mais de metade que os seus congéneres espanhóis, menos de um terço dos irlandeses. Só os polacos e os checos recebem menos.
Convém recordar que os salários mínimos (e não estamos a falar de salários médios…) em Espanha e na Irlanda são, respectivamente, cerca do dobro e três vezes maiores que em Portugal.

O truque já tinha sido usado contra os médicos e os professores.
Na realidade, num país onde as desigualdades sociais são das maiores da Europa, onde a maior parte do trabalho é precário e mal pago, o rendimento médio é muito baixo e portanto, quem esteja em profissões de topo, que exigem mais estudos e responsabilidades, recebem muito mais que a média miserável do país.
O que não quer dizer que ganhem mais ou tenham um melhor poder de compra que os seus congéneres do resto da Europa, nomeadamente da Europa do Euro, que é com esta que nos devemos comparar.

Recordo-me que, no caso dos professores, apresentavam-se estatísticas da OCDE segundo as quais o rendimento médio dos professores do topo da carreira era maior, comparativamente com os rendimentos médios do país, do que no resto da Europa. Se não me engano, apenas éramos ultrapassados pelo…México.
Por esta lógica, os professores Mexicanos e Portugueses seriam os mais bem pagos dos países da OCDE e foi esta a mensagem que então se procurou passar para a opinião pública, para justificar o corte dos “seus privilégios”.
Contudo, o que acontecia era que, sendo a situação salarial e de qualificação, no México e em Portugal, das piores dos países analisados, o salário das profissões qualificadas era muito superior a essa média.
Na realidade, se observássemos os salários reais, um professor mexicano recebia metade do português e o português ficava muito aquém da média europeia.

Ou seja, na realidade um professor português em final de carreira ( e o mesmo se pode dizer de um médico do SNS, de um professor universitário ou de um Juiz) recebia muito menos e tinha um poder de compra mais reduzido que os seus parceiros europeus, até porque, fazendo o nosso país parte dos países do euro, o custo de vida na maior parte da Europa não é assim tão diferente.

Devemos ainda acrescentar o facto de grande parte dos rendimentos assim noticiados nunca chegar aos seus “beneficiários”, já que, professores, médicos do SNS e juízes que trabalhem no serviço público, recebem apenas cerca de 2/3 daquele rendimento. O outro terço fica retido para pagamento dos impostos e da segurança social.

Ou seja, usa-se e abusa-se da demagógica manipulação estatística para tentar justificar a retirada de direitos e os cortes salariais, em nome do combate aos “privilegiados” e às “corporações”!!

Esta é uma boa forma de tentar dividir para reinar, fomentando a inveja social dos que pouco têm contra os que têm alguma coisa, desviando a atenção do verdadeiro problema: os salários e as pensões douradas dos “boys”; a fuga maciça aos impostos por parte das profissões liberais; os escandalosos benefícios fiscais do poder financeiro; a corrupção generalizada do poder político e financeiroe que o recurso aos offshores garante.»

25.10.10

LUGAR ONDE - BADALADAS - 22 OUTUBRO 2010





POETAS DE AGORA




 NUNO JÚDICE : DO QUE É FEITO O POEMA?


«Um ritmo próprio regula a invenção das imagens
 que, sob a ilusão nascida da sua existência,
transmitem um nexo oculto. Ao escrever, então,
não me limito a designar realidades do mundo
aparente, antes dou uma ordem diversa aos elementos
que a tradição me legou e que,
através do sopro da imaginação, me sugerem o poema.»
(Nuno Júdice, A Condescendência do Ser, 1988)


Desde o início, em 1972 com o livro A NOÇÃO DE POEMA, Nuno Júdice imprimiu à sua escrita uma marca muito própria. O poema é uma construção de palavras – já o sabíamos. Mas ele instituiu a reflexão sobre o acto da escrita como um dos seus temas, perspectiva que é comum a toda a arte contemporânea, profundamente envolvida na teorização da sua génese. Daí a nossa dificuldade em entendê-la se nos limitarmos a uma leitura imediata. Todo a arte, hoje em dia, exige do receptor uma esforçada aproximação que passa, em primeiro lugar, pela superação da estranheza e, depois, pelo estudo das condições da sua elaboração.
Fernando Pessoa já levantara a ponta do véu: “O poeta é um fingidor…”. Queria ele dizer que o poeta transfigura a dor/emoção, modela-a, transforma-a em escrita. Mas ficou por explicar a poética, isto é, os modos como isso se faz. Nuno Júdice foi dos primeiros tentar fazê-lo desvendando o mistério da poesia através da própria poesia. Não por acaso, sendo criador literário, ele é, também, professor de Literatura.
Ao longo de 38 anos de actividade tem vindo a erigir uma obra imensa que se afirma como das mais notáveis no panorama da nossa literatura contemporânea, num ímpeto criador sempre acompanhado pela preocupação de encontrar respostas à interrogação inicial: de que matéria é feito o poema?

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Nuno Júdice estreou-se, como poeta, em 1972, com A Noção de Poema. Desse volume até ao muito recente O Breve Sentimento do Eterno vai um percurso marcado por um ritmo alto de publicação, na poesia mas também na ficção, no teatro ou ainda no ensaio,  uma vez que é também professor na Universidade Nova de Lisboa. Coligiu pela primeira vez a sua obra poética em 1991 (Obra Poética. 1972-1985), datando a última reunião dos seus versos de 2000. Poeta traduzido em várias línguas e na prestigiosa colecção da Gallimard, foram-lhe atribuídos já os mais significativos prémios literários portugueses. (in: Inquérito por OLAMblogue,  23-10-2008)


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POÉTICA NATURAL

Com os olhos do verso procuro a palavra
que, na terra de sílabas e fonemas,
arrasta a cesura, como quem lavra,
congeminando frases e teoremas.

Abstracto, o poema solta-se do berço,
como voam gaivotas, velas, asas de moinho,
e acaba em quadra seu movimento inverso
em música de cisco, nas palhas de um ninho.

Concreto, pousa o seu baraço de rimas,
como, na procissão, o relapso penitente.
Mas reza; e os seus lábios, como limas,
dão lhe uma cor de sinestesia dolente.

Mas um poema não vai buscar as suas flores
ao velho canteiro da retórica cega,
onde a estrofe é um enunciado de dores
em morna ladainha de cegarrega.

A inspiração roda nas mós de cada vogal,
até se desfazer em alcofas consoantes
que deito ao vento, na tarde outonal,
como nuvens brancas em céus brilhantes.

E é nesse horizonte que colho a única flor
que ao poema vem dar ritmo e sentido,
com as pétalas da vida e o pólen do amor
que em mim vestem o teu corpo despido.








VIAGEM
Na curva da estrada, um moinho
de velas abertas no ar sem vento: move-as
o eco das palavras esburacadas pelo
uso; empurra-lhe as pás um murmúrio
de asas queimadas pelo sol
da memória.
Subindo as escadas, sinto
um cheiro a mofo de farinha, a impressão
áspera da serapilheira dos sacos, um ténue
calor de barro no intervalo das pedras. Mós
num remoinho de sílabas
esmagadas.
Frestas por entre as telhas. Um
fragmento de céu limpo de nuvens. O
pássaro negro da eternidade
pousa no azul.

 

18.10.10

14.10.10

HINO DE LOS MINEROS

A canção original, adaptada pelos nossos mineiros, parece ter origem na região mineira das Astúrias.

Homenagem aos mineiros do Chile e a todos os mineiros.

Hino dos Mineiros-Aljustrel (Alentejo)

Homenagem aos mineiros do Chile. A todos os mineiros!

12.10.10

2.10.10

UM GRANDE, GRANDE POETA DA NOSSA LÍNGUA

Acabo de pôr um comentário no blogue dele, AQUI:

«Um amigo ensinou-me o caminho para si, caro Affonso. Não quero bajular. Por isso apenas digo que estou muito grato ao meu amigo e que você passou a fazer parte do meu tesouro literário. Já o pus no meu blogue e vou continuar. Gosto da sua escrita: mordente, trabalhada de palavras, surpreendente nas redescobertas de sentidos.

Bom dia senhor POETA da minha/nossa Língua comum!»

Esse amigo chama-se Cid Simões e é um garimpeiro de ouro literário. Na minha ignorância, por vezes enciclopédica!, nunca me tinha dado conta deste grande poeta da Língua Portuguesa. Chama-se Affonso Romano Sant'Anna e é brasileiro.
Nas minhas caturrices por vezes sou preconceituoso com os nomes. Já tinha lido algures e não tinha gostado da prosápia deste afonso com dois ff e santana com ' e dois nn. E passei adiante. Não sabia o que perdia. Vem o Cid e zás! - espeta-me com dois poemas à frente dos olhos que me deixaram abananado e... rendido. Grande poeta, caramba! Da estirpe do Ferreira Gullar, do prémio Camões deste ano.
Mas isto é poesia?
Claro, e da melhor!
Há verve, há trabalho de linguagem, há a veia satírica que tão arredada tem andado das nossas letras. Há uma voz que se agiganta nestes trocadilhos que nos arrastam pelos cabelos.
Exagero?

Então aqui vai, com mais um abraço de agradecimento ao meu caro amigo Cid!





A Coisa Pública e a Privada


Entre a coisa pública
e a privada
achou-se a República
assentada.

Uns queriam privar
da coisa pública,
outros queriam provar
da privada,
conquanto, é claro,
que, na provação,
a privada, publicamente,
parecesse perfumada.

Dessa luta intestina
entre a gula pública e a privada
a República
acabou desarranjada
e ninguém sabia
quando era a empresa pública
privada pública
ou
pública privada.



Assim ia a rês pública: avacalhada
uma rês pública: charqueada
uma rês pública, publicamente
corneada, que por mais
que lhe batessem na cangalha
mais vivia escangalhada.

Qual o jeito?
Submetê-la a um jejum?
Ou dar purgante à esganada
que embora a prisão de ventre
tinha a pança inflacionada?

O que fazer?
Privatizar a privada
onde estão todos
publicamente assentados?
Ou publicar, de uma penada,
que a coisa pública
se deixar de ser privada
pode ser recuperada?

Sim, é preciso sanear,
desinfetar a coisa pública,
limpar a verba malversada,
dar descarga na privada.

Enfim, acabar com a alquimia
de empresas públicas-privadas
que querem ver suas fezes
em ouro alheio transformadas.
 Affonso Romano Sant’Anna
1987

 E agora a cara do poeta:


28.9.10

A TORRE DOS LIVROS

A Biblioteca Nacional sempre foi, para mim, um lugar mágico. "Templo do saber" - não sei evitar a expresão vulgar. Sinto-me bem lá dentro. Claro que me exasperava, em tempos idos, aquela vigilância de olhos que circulavam numa galeria superior, câmaras humanas de vigilância, pobres contínuos que passavam ali os dias a olharem cá para baixo, a ver se alguém rasgava uma folha e roubava uma gravura de uma edição única. ( Parece que isso chegou a acontecer...).

Mas uma biblioteca nacional é um monstro. Pelo tamanho, pela quantidade de livros, pelos problemas de manutenção e funcionamento.
Agora está em obras, o que vai acarretar um fecho temporário e enfurecer muitos utilizadores que fizeram uma petição à Assembleia da República...
Esperemos para ver o resultado. Que tem de ser melhor do que a situação actual, de quase ruptura.
A propósito aqui fica a reportagem do jornal I de hoje:



Biblioteca Nacional em obras. Livros salvos de uma morte anunciada

por Marta F. Reis, Publicado em 28 de Setembro de 2010  | Jornal I


A torre de depósitos não tem lavagem de ar há mais de dez anos

O director vagueia pelo telhado da livraria da Biblioteca Nacional, com uma vista privilegiada para a nova ala da torre de depósitos. "Uma semana e a fachada fica pronta", atira Jorge Couto. Para quem lidera a maior biblioteca pública do país, em Lisboa, a obra já vem tarde: está em causa a preservação dos livros e a falta de espaço. Para quem a utiliza como ferramenta de trabalho, o que veio tarde foi o aviso de encerramento, afixado só a 8 de Junho. Esgrimem-se argumentos e o tema ainda vai ser discutido no parlamento. Entretanto as obras continuam e a expectativa lá dentro é que não parem até 1 de Setembro do próximo ano, o dia em que a biblioteca voltará a funcionar.

Por fora, a nova ala parece acabada. Por dentro, faltam acabamentos. Na nova sala de leitura, no rés-do-chão, as paredes envidraçadas deixam entrar a luz do final de tarde. É mais pequena que a que passará a ser a velha, e ainda não está decidido se será só para quem quiser consultar as colecções especiais ou para quem queira um cenário diferente de estudo.

A ampliação que estica a torre original em 33 metros de comprimento e 6300 m2 de área vai ficar concluída a 20 de Outubro, dentro do prazo, garantem a subdirectora Maria Inês Cordeiro e o arquitecto João Pardal Monteiro. Mas é a fase de remodelação que mais tem dado que falar. Arrancou nos últimos dias: as colecções guardadas nos últimos pisos deixam de estar acessíveis a partir de 1 de Outubro, mas já começaram a ser encaixotadas. Dia 15 de Novembro a sala de leitura fecha por quase dez meses.

Não é uma mudança "É uma remodelação. Não era possível fazê-lo de outra maneira", diz a subdirectora. A torre é praticamente o único depósito da biblioteca: guarda 3,5 mil milhões de livros e em alguns pisos já não há espaço para os depósitos legais. Ao todo são dez andares e subir ao sexto é uma aventura. O elevador de serviço, projectado para carrinhos de livros, mostra uma lotação máxima para 800 quilos e dez pessoas mas tem pouco mais que a largura de uma. No destino abre-se um corredor com 5,5 km de estantes de um lado e do outro - 55 km em toda a torre, para pouco mais de 20 funcionários todos os dias. Se o espaço é arrumado, as falhas estão à vista: as luzes e os interruptores parecem os de casas antigas e o ar não circula. "Está desactualizado, e com a maioria dos sistemas inutilizados", diz Pardal Monteiro. O problema vai consumir a maior fatia dos 8 milhões de euros de orçamento da obra iniciada em 2008. "Todo o sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado vai ser remodelado. Vamos instalar sistemas de combate a incêndios. Só tínhamos de detecção e extintores", explica a subdirectora.

No corredor do sexto piso há um aparelho que mede temperatura e humidade. É um dos primeiros dias de Outono e estão 25,6 o C quando o ideal seriam 18. "Há uma parte de envelhecimento dos livros provocada por estas condições, que não é visível a olho nu", explica Maria Inês Cordeiro. "Se continuasse assim, grande parte dos livros sofreria em 20 anos uma degradação aceleradíssima. Não temos limpeza de ar há mais de dez anos." E há ainda os aviões que passam rente ao edifício. "Temos caixas que têm aquele negro de quem tem a janela aberta e mora na Avenida de Roma." A diferença de dez graus tem impacto a outro nível, mais microscópio. Maria Inês Cordeiro mostra uma armadilha para pequenos insectos onde está um peixinho-de-prata. "Estes não gostam de papel, mas há outras espécies de bibliófagos consideradas pragas. Tornam os livros uma renda."

O plano para os próximos meses prevê 20 dias certos para remodelar cada um dos pisos, que terão de ser esvaziados. O objectivo é conseguir depositar no chão da sala de leitura nova, casa forte e sala de leitura velha - as únicas superfícies com capacidade para aguentar o peso - 20 toneladas de livros por dia, "O único espaço preparado para receber tantos livros seria a Torre do Tombo, mas também está cheia", diz a subdirectora.

O ex-líbris Desce-se pela nova escada exterior até à cave onde está um dos ex-líbris da obra: a casa forte. São 700 metros, 400 para o cofre e um perímetro de segurança com menos de um metro de largura. "Não é possível passar uma lança térmica", explicam. Seria a única ferramenta capaz de furar 60 centímetros de betão e entrar num espaço onde estarão preciosidades como as primeiras edições dos "Lusíadas" ou uma cópia de "As Aves da América", do naturalista do século xviii John James Audubon, avaliada entre 4,5 e 6,6 milhões de euros. A casa forte vai ter videovigilância e ambiente antichamas, ou seja, se se acender um fósforo lá dentro não arde. "Não vai ser uma biblioteca de ponta, porque a crise não o permite", diz Pardal Monteiro, mas vai ser a biblioteca que sempre se quis ter - as fundações da nova ala já lá estavam desde a década de 1950 -, mais segura e moderna.