21.7.07

PÁGINA DE JULHO / A sair em 27



JOSÉ GOMES FERREIRA: HUMANO, DEMASIADO HUMANO!

Contra a passividade face ao desconcerto do mundo, pela fraternidade de todos os homens embarcados na viagem da vida – esta poesia é um grito constante. O seu autor via-se como “um caracol lírico a deixar rasto pelo século fora”.

Disse António Ramos Rosa:

«A voz poética de José Gomes Ferreira é dilacerante, profundamente angustiada, mas não sombria, não fúnebre, porque o poema é sempre um grito que de algum modo liberta e clarifica e limpa. No ímpeto deste grito, na sua fúria explosiva, a dor extrema volve-se na palavra libertadora que, sem transfigurar o negativo (pois que o expõe na sua nudez insuportável), transforma o trauma num princípio de vida e num poder inaugural. É este ímpeto que confere à poesia de José GF uma salubridade expressiva que transmuda toda a sua negatividade numa forma de afirmação vital e de insubordinação solar contra o mundo.»

“Grandezas e misérias, lágrimas e risos, gritos e sonhos, a luz do luar, a cintilação das estrelas, o sol flamejante, uma flor que desabrocha, aves que cortam livres o espaço, todos os elementos da sua linguagem poética conduzem-nos sempre à fantasia de construir uma verdade - a sua verdade – que projecta uma nova luz sobre os homens e o mundo do seu tempo. O poeta lúcido, por vezes duma lucidez insólita, adoptou esse vagabundear poético para dar testemunho, ou simplesmente para erguer na solidão o protesto do seu canto.” (Texto do editor em: Poesia V, Portugália Editora, 1973)



Breve biografia do autor

José Gomes Ferreira nasceu no Porto, no ano de 1900, mas viveu em Lisboa desde os quatro anos de idade. Licenciou-se em Direito em 1924, e passou por uma breve carreira diplomática, tendo trabalhado como Cônsul na Noruega. Regressado a Portugal, em 1930, dedicou-se ao jornalismo colaborando em publicações como a Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Afirmou-se como poeta com a publicação, em 1931, do poema "Viver sempre também cansa", cujo tema e tom de escrita marcaram desde logo o seu estilo inconfundível. Aproximou-se do ideário neo-realista sem, contudo, se circunscrever completamente a esta escola ideológico-estética.
Deixou uma obra vasta que as Publicações Dom Quixote coligiram na edição da Obra Completa, em 19 volumes, de crónicas, romance, textos autobiográficos e, sobretudo, poesia.
Foi presidente da ''Associação Portuguesa de Escritores'', eleito em 1979, associação que, em 1964, lhe tinha atribuído o Grande Prémio da Poesia com a sua obra "Poesia III.
Foi distinguido com as condecorações de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada e de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.
Em 1983 foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores. Viria a falecer dois anos depois.


POEMAS DE JOSÉ GOMES FERREIRA


A poesia não é um dialecto
para bocas irreais.
Nem o suor concreto
das palavras banais.

É talvez o sussurro daquele insecto
de que ninguém sabe os sinais.

Silêncio insurrecto.


*

Oh! esta comoção
de me sentir sozinho
no meio da multidão
- a ouvir o meu coração
no peito do vizinho.
Oh! esta solidão
quente como a camaradagem do vinho!


*

Poeta o que é?
Um homem que leva
o facho da treva
no fundo da mina
- mas apenas vê
o que não ilumina.


*

E se eu de súbito gritasse
nesta voz de lágrimas sem face!:

Eh! companheiros de plataforma
presos ao apagar do mesmo pavio!
Porque não nos amamos uns aos outros
e damos as mãos
- sim, as nossas mãos
onde apodrecem aranhas de bafio?

Eh! companheiros de plataforma!
(Não empurrem, Irmãos)


*

Chove...

Mas isso que importa!,
Se estou aqui abrigado nesta porta
A ouvir na chuva que cai do céu
Uma melodia de silêncio
Que ninguém mais ouve
Senão eu?

Chove...

Mas é do destino
De quem ama
Ouvir um violino
Até na lama.

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ARTISTAS TORRIENSES



“ARTE NO FEMININO – Quem é Quem na Pintura Portuguesa no Século XXI”
Afonso Almeida Brandão, ed. Produções Anifa Tajú, 2007

Chegou até nós este livro que faz uma panorâmica muito completa sobre o tema referido no título. Nele encontrámos a artista torriense, Maria Sofia Pereira. É uma inclusão muito justa pois destaca uma artista que se impôs como das mais importantes na pintura sobre porcelana, reconhecida em numerosas exposições individuais e colectivas. É muito conhecido o seu atelier em Torres Vedras que, desde 1983, produz peças de grande qualidade e onde convivem muitas pessoas que apreciam e cultivam esta arte.



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Leonor Brilha – que inaugurou recentemente a sua galeria “Espaço Ponto e Vírgula”, na R. Henriques Nogueira em Torres Vedras – expõe pintura na Galeria Periférica do Centro Cultural de Belém.
Sublinhamos este acontecimento porque ele significa o reconhecimento de uma artista que se tem vindo a impor no campo das artes. A exposição (After The Gold Master Pieces) reúne uma série impressionante de quadros onde rostos humanos são tratados de forma impiedosa, como que sublinhando o sentido trágico da vida. A não perder.

4.7.07

Contigo


Contigo aprendi
que algumas palavras
fazem mover os rios.
( Fernando J. Fabião )