20.5.10

LEITURAS : "MYRA" de Maria Velho da Costa






Retiro do blogue O BIBLIOTECÁRIO DE BABEL:

«O Prémio Literário Casino da Póvoa, no valor de 20 mil euros, distingue este ano a escritora Maria Velho da Costa pelo romance Myra (Assírio & Alvim). A decisão do júri, composto por Patrícia Reis, Carlos Vaz Marques, Dulce Maria Cardoso, Fernando J.B. Martinho e Vergílio Alberto Vieira, foi anunciada durante a Sessão Oficial de Abertura das Correntes d’Escritas, no Casino da Póvoa de Varzim, esta manhã.
Os restantes nove finalistas eram:
A Eternidade e o Desejo, de Inês Pedrosa (Dom Quixote); A Mão Esquerda de Deus, de Pedro Almeida Vieira (Dom Quixote); A Sala Magenta, de Mário de Carvalho (Caminho); o apocalipse dos trabalhadores, de valter hugo mãe (QuidNovi); O Cónego, de A. M. Pires Cabral (Cotovia); O Mundo, de Juan José Millás (Planeta); O verão selvagem dos teus olhos, de Ana Teresa Pereira (Relógio d’Água); Rakushisha, de Adriana Lisboa (Quetzal) e Três Lindas Cubanas, de Gonzalo Celorio (Quetzal).
Em 2009, ganhou Gastão Cruz, com
A Moeda do Tempo (Assírio & Alvim).»


De Maria Velho de Costa tentei ler há anos: Missa in Albis, Maina Mendes e Casas Pardas
Não me agarraram. Não tenho paciência para a nouvelle prose portuguaise, é o que é… Achei-os uns pastelões indigestos e deixei-os pelo caminho. Que diabo, tal como defende Penac, também temos o direito de não ler.
Agora, ao saber que Maria Velho tinha sido premiada com esta obra, e que ela era objecto de análise da comunidade de leitores da Biblioteca Municipal de Torres Vedras, resolvi-me a tentar de novo. Fui à biblioteca, emprestaram-me o livro que achei maneirinho e trouxe-o para casa.
Que direi dele?
Primeiro: gostei da prosa, que chega a ser deslumbrante. Pela propriedade, o rigor, a riqueza vocabular, a relação que estabelece com os ambientes e personagens. E porque não é prolixa nem enxundiosa, como nos livros acima citados.
Segundo: o tema não me interessou, pareceu-me um pretexto para a escrita. Tal como diz o artigo da LER, é a história de uma rapariga com um cão. Mas tudo aquilo ou é fortuito ou altamente metafórico. Num caso e noutro, e como o meu critério pessoal é “ter ou não paciência…”, eu só levei o livro até ao fim porque era pequeno, cerca de 160 páginas…
Mais logo, lá irei à reunião mensal da comunidade de leitores, para ouvir os outros ledores de MYRA.
Vou tentar ser humilde, não falar muito, tentar aprender. Porque admito muito sinceramente que o problema que tenho com a Maria Velho da Costa seja de incapacidade minha.


18.5.10

ALEXANDRE HERCULANO: A ESCRITA E AS ARMAS EM DEFESA DA LIBERDADE



evocando O BICENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO
Em raros homens a actividade intelectual e a intensa acção política conviveram tão intensamente como em Alexandre Herculano. Dos 67 anos da sua existência ficou uma obra imensa no campo da historiografia, do romance histórico, da poesia, do jornalismo e da intervenção cívica como doutrinário e polemista. Evocamos hoje o bicentenário do seu nascimento.
Foi no ano de 1810, em Março, meses antes da terceira invasão francesa, que nasceu em Lisboa Alexandre Herculano de Carvalho Araújo. Difícil conjuntura familiar impediu-o de realizar estudos universitários mas não lhe coarctou a vontade de se firmar nas Letras e na Política. Viveu os mais conturbados anos do nosso século XIX: revolução liberal, violenta reacção absolutista, guerra civil. Sofreu o exílio mas aproveitou-o para realizar estudos e fazer leituras decisivas para o seu futuro, em França. Juntou-se aos liberais de D. Pedro IV na Ilha Terceira, e empunhou armas no Porto, ao mesmo tempo que organizava os arquivos públicos da cidade, já apaixonado pelo que viria a ser a sua grande missão: coligir e publicar documentos até aí sepultados em obscuros cartórios de paróquias e conventos. A partir deles impôs uma nova concepção de historiografia, baseada na investigação e análise rigorosas das fontes originais.
Defensor da liberdade individual como fundamento de progresso social, reabilitou a época medieval portuguesa, aquela em que o povo tivera voz perante o Rei e a Igreja, e que os séculos posteriores desvirtuaram, com o absolutismo na organização política e com as imposições do concílio de Trento na vida religiosa. Daí o embate com as visões retrógradas, na política e na religião, expressas em polémicas públicas e em estudos de História, de que o exemplo mais citado é o da desmistificação da batalha de Ourique.
De energia inesgotável, ao mesmo tempo que era arrendatário agrícola perto de Palmela, escreveu quatro volumes da História de Portugal; milhares de páginas de doutrina, pensamento e crítica, reunidas nos Opúsculos; estudos historiográficos diversos; romances históricos, de que o mais conhecido é Eurico, o Presbítero; poesia (A Harpa do Crente). Ganhou a vida como arquivista mas conciliou ainda essa actividade com a vida política, quer como deputado quer como criador de opinião, o que lhe valeu o reconhecimento geral pela elevada forma de abordar as questões e a seriedade das suas análises. No entanto, acabou por se desiludir com a evolução da vida pública e retirou-se para Vale de Lobos, uma quinta nos arredores de Santarém, onde deu largas ao seu gosto pela vida agrícola. E também aqui foi exemplar, ao renovar a olivicultura e a oleicultura, numa quinta modelo baseada nas mais modernas práticas agrícolas. Onze anos depois da sua morte foi trasladado para o Mosteiro dos Jerónimos onde repousa num imponente túmulo na Casa do Capítulo.



ETERNO RECONHECIMENTO DA PÁTRIA


Alexandre Herculano foi uma das grandes figuras do século XIX português. De origem modesta, elevou-se pelo trabalho e probidade intelectual à condição indiscutível de referência ética e cívica. Lutou de armas na mão pela defesa do que considerava o maior valor cívico: «A liberdade humana, sei o que é: uma verdade de consciência como Deus. Por ela chego facilmente ao Direito absoluto; por ela sei apreciar as instituições sociais.»
Marcou os grandes momentos culturais e políticos da sua época. Foi reconhecido por príncipes e reis. Mas manteve sempre uma atitude de intransigente independência face aos poderes instituídos, patenteada por exemplo na recusa em receber a condecoração da Torres e Espada.
 Herculano tinha, no dizer de Teófilo Braga, um verdadeiro poder espiritual nacional, bem visível nas cerimónias da trasladação dos seus restos mortais, em 1888, onze anos depois da sua morte, da aldeia de Azóia, perto de Santarém, para o Mosteiro dos Jerónimos. Ali repousa, tal como Camões.

.......................................................................

O POETA

Os poemas de A. Herculano foram coligidos no livro “A Harpa do Crente”. Integram-se na corrente do romantismo, pelos temas e pela forma. Destacam-se as composições meditativas, em torno da ideia de Deus e da Natureza como criação divina, em ambientes nocturnos ou de paisagens majestosas.

DEUS

Nas horas de silêncio, à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
E os abismos do Inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos soem,
E a Lua resplendente
Pare em seu giro, ao ressoar nest'harpa
O hino do Omnipotente.
(…)
Teu nome ousei cantar! Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar com férreo ceptro
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas da Terra
Ir colocar nos Céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranquilo, e sem temor, à sombra posto
Da Tua Providência.




...............................................................................

LER A NOSSA HISTÓRIA



Inspirando-se nos historiadores franceses do seu tempo, Herculano foi o introdutor em Portugal da História científica. Entre diversas obras historiográficas – de que ressalta a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, escreveu a História de Portugal até ao rei D. Afonso III, em quatro volumes, uma obra inovadora pela forma de abordagem: denunciando a História tradicional das grandes figuras, privilegiou a História das instituições, completada com a dos factos políticos. Sendo uma obra que não pode ser ignorada, é claramente insuficiente para os padrões actuais.
Imaginemos que os nossos leitores perguntam: onde é que podemos ler, actualmente, uma boa História de Portugal, de abordagem prática e fiável? Ousamos responder apontando para uma obra publicada em 2009 pela editora Esfera dos Livros: História de Portugal, de Rui Ramos (coordenador), Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro. José Mattoso, um dos nossos mais destacados historiadores, definiu-a assim (Ípsilon, jornal PÚBLICO 12 de Março de 2010): «Clara, fundamentada, muito completa, bem escrita, de boas dimensões para ser lida do princípio ao fim, a “História de Portugal” de Rui Ramos deixa para trás qualquer congénere anteriormente publicada. Uma obra perfeita, quase.»
Os autores são professores universitários da nova geração de historiadores. Rui Ramos explica no prólogo: «Este livro é uma proposta de síntese interpretativa da História de Portugal desde a Idade Média até aos nossos dias. Está construído como uma narrativa que combina a História política, económica, social e cultural, de modo a dar uma visão integrada de cada época e momento histórico, ao mesmo tempo que integra Portugal no contexto da História da Europa e do mundo.»