16.6.09

A FEIRA QUE EL-REI MANDOU FAZER





Quando entrarmos no recinto da Feira de S. Pedro, no próximo dia 25 de Junho, estaremos a repetir o acto de ir à feira que vinte gerações de torrienses cumpriram ao longo de mais de 700 anos. E talvez nem lembremos que ela foi instituída em 1293 pelo rei D. Dinis, por Carta de Feira, para dinamizar as actividades económicas desta região, à semelhança do que fez com muitas outras em todo o país.

Um arco de 716 anos vem do passado e chega aos nossos dias, para nos lembrar que somos seres historicamente situados, cuja identidade se liga à vida desta comunidade em que vivemos.
Claro que Torres Vedras, no século XIII, estava bem longe da cidade de hoje, em tamanho e em habitantes. Era uma pequena urbe confinada ao espaço da actual “zona histórica”, derramada pela encosta sul do morro do castelo, e delimitada pela linha que passava pela Porta da Várzea, vinha ao actual Largo da Graça, seguia para a Corredoura junto ao Chafariz dos Canos e daqui inflectia em direcção ao Largo dos Pelomes e ponte sobre o Sizandro. Por isso é admirável que uma realização colectiva tão antiga como é a nossa feira medieval, trespasse os séculos e chegue aos nossos dias, com a mesma designação e idêntica finalidade.
Realizada em articulação com a festividade religiosa, a feira medieval, tal como agora, não se limitava à actividade de compra e venda de produtos. Era também espaço de folguedo e troca de notícias, numa época tão pobre de uns e outros no quotidiano duro dos camponeses e dos mesteirais. Os almocreves, com suas azémolas carregadas de peles secas, azeite, vinho, sal e muitas outras mercadorias, traziam e levavam novas e mandados, pois eram eles os meios de comunicação social destas recuadas épocas.
Ano a ano, por sete séculos, se vem repetindo este hábito de encontro, antigamente tão necessário à providência de bens de consumo e à circulação de notícias, como actualmente tão indicado para a mostra de serviços e de equipamentos, ou de lazer em volta de petiscos tradicionais.
Dos tempos medievos até ao pórtico do século XXI, as gentes torrienses continuam a fazer o que bem mandou El-rei D. Dinis. MD

UM ESTUDO CLÁSSICO SOBRE AS FEIRAS MEDIEVAIS

Publicada em 1943, a obra de Virgínia Rau “Subsídios para o estudo das Feiras medievais Portuguesas” continua actual, tanto pela frescura do estilo como pelas informações rigorosamente escoradas em documentos da época estudada.
Excertos:

«As feiras são um dos aspectos mais importantes da organização económica da Idade Média [em Portugal: séculos XII a XV]. Nascidas da necessidade de promover a troca de produtos entre o homem do campo e o da cidade, elas representam o ponto de contacto entre produtor e consumidor.»

«D. Dinis mandou fazer feira anual na vila de Torres Vedras, de 1 de Maio a 1 de Junho de cada ano, por carta de 20 de Março de 1293.
Se o seu conteúdo é semelhante ao de tantas outras cartas de feira que conhecemos, ela constitui uma excepção pelo facto de ser a única, neste reinado, em que expressamente se consigna a alguém os rendimentos da portagem e direitos da feira, que usualmente revertiam em proveito da coroa. Ela prova-nos, portanto, que o monarca concedia a sua mãe, a Rainha D. Beatriz, os proventos da feira, que passava uma carta de feira a seu pedido, mas que da autorização régia dependia exclusivamente o direito de mandar fazer feira.
Em 1318, a 28 de Abril, D. Dinis deu nova carta de feira anual ao concelho de Torres Vedras, modificando a data da sua realização, que passava a ser de 1 de Junho a 1 de Julho.»
(Feiras Medievais Portuguesas – subsídios para o seu estudo, Virgínia Rau, editorial Presença, Lisboa, 1982)


Amadeo de Souza Cardoso, Procissão, 1913



Tempo de feira, festas e círios.

Tempo de recordar os versos de António Lopes Ribeiro
que João Villaret e Paulo Renato tão bem declamavam…


Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.



Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.



Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.



Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.


Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!



Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!



Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.


Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!


Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!



Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.