23.10.11

LUGAR ONDE DE 21 outubro 2011 no BADALADAS


MANUEL DA FONSECA
A ESCRITA DE UM IMENSO E TORTURADO ALENTEJO



ALDEIA

Nove casas,

duas ruas,

ao meio das ruas

um largo,

ao meio do largo

um poço de água fria.



Tudo isto tão parado

e o céu tão baixo

que quando alguém grita para longe

um nome familiar

se assustam pombos bravos

e acordam ecos no descampado.


(OBRA POÉTICA, Manuel da Fonseca,

Ed. Caminho, 1998)



“Antigamente, o Largo era o centro do mundo. Hoje é apenas um cruzamento de estradas, com casas em volta e uma rua que sobe para a Vila. O vento dá nas faias e a ramaria farfalha num suave gemido; o pó redemoinha e cai sobre o chão deserto. Ninguém. A vida mudou-se para o outro lado da Vila.” (Início do conto O Largo do livro O FOGO E AS CINZAS, de Manuel da Fonseca)
A escrita de Manuel da Fonseca (MF) é marcada por fortes traços autobiográficos sem, no entanto, cair na limitação de uma visão individualista da vida. Pelo contrário, Manuel da Fonseca –, cujo centenário do nascimento passou no dia 15 de outubro – exprime brilhantemente a condição do povo alentejano que ele bem conhecia, esmagado por condições de vida desumanas, num Estado Novo onde as liberdades cívicas eram diariamente espezinhadas. Sem o esquematismo simplista de que os neo-realistas foram injustamente acusados, MF deixou obras de intenso dramatismo romanesco, - a romance SEARA DE VENTO, por exemplo - ou contos magníficos pela observação do seu ambiente de origem, o Alentejo queimado e ressequido de fome – caso de O FOGO E AS CINZAS -, ou ainda as crónicas de certeira descrição de um mundo urbano em acelerada mudança, em que ele viveu muitos anos –  caso de UM VAGABUNDO NA CIDADE.
Quer na prosa quer na poesia, Manuel da Fonseca tem uma escrita límpida e direta, sem efeitos retóricos, mas intensa de lirismo e forte sentido da dimensão humana. Do ponto de vista literário, o tempo não desgastou esta obra, e teve o condão de lhe dar uma forte componente de testemunho histórico e sociológico sobre a segunda metade do século XX em Portugal. | JMD
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RESUMO BIOGRÁFICO


Nome: Manuel da Fonseca
Nascimento: 15-10-1911, Santiago do Cacém
Morte: 11-3-1993, Lisboa

Partiu ainda jovem para Lisboa para realizar estudos secundários, tendo desempenhado posteriormente na capital diversas atividades profissionais no comércio, na indústria e no jornalismo. Antes de colaborar em Novo Cancioneiro, com Planície, coleção onde se afirmariam algumas coordenadas da estética poética Neorrealista numa primeira fase, editou, em 1940, Rosa dos Ventos, obra pioneira do neorrealismo poético português, nascida do convívio com um grupo de jovens escritores, entre os quais Mário Dionísio, José Gomes Ferreira, Rodrigues Miguéis, Manuel Mendes e Armindo Rodrigues, unidos numa "obstinada recusa de ser feliz num mundo agressivamente infeliz, uma ânsia de dádiva total e o grande sonho de criar uma literatura nova, radicada na convicção de que, na luta imensa pela libertação do Homem, ela teria um papel estimável a desempenhar contra o egoísmo, os interesses mesquinhos, a conivência, a indiferença perante o crime, a glorificação de um mundo podre" (DIONÍSIO, Mário - prefácio a Obra Poética de Manuel da Fonseca, 1984, p. 21).

(…)
Bibliografia: Rosa dos Ventos, Lisboa, 1940; Planície, Coimbra, 1941; Aldeia Nova, Lisboa, 1942; Cerromaior, Lisboa, 1943; O Fogo e as Cinzas, Lisboa, 1951; Seara de Vento, Lisboa, 1958; Poemas Completos, Lisboa, 1958 (inclui obras anteriores e poemas inéditos, Lisboa, 1969); Um Anjo no Trapézio, Lisboa, 1968; Tempo de Solidão, Lisboa, 1969; Obra Poética, Lisboa, 1984; Crónicas Algarvias, Lisboa, 1986; Bairro de Lata, Lisboa, 1986; O Vagabundo na Cidade, Lisboa, 2001)

(Infopédia, Porto Editora)

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UM GRANDE POETA
«(…) a poesia de Manuel da Fonseca continua a existir com a sua frescura inicial e a sua energia, a sua capacidade de comover e seduzir, o seu reservatório de sonho, o seu mistério. Porque, se algum mistério na poesia há, só pode ser este interminavelmente descobrir e nos fazer descobrir que em cada coisa que o homem produz e em si produz — uma palavra, um ato de renúncia ou de revolta, um silêncio de espanto ou uma marcha Almadanim — em cada coisa, que sem ela morreria, sempre vive e arde uma riqueza interior que não se esgota, a lava da tal razão que a razão desconhece, uma força de prodígio, um apelo irresis­tível que vai de homem a homem, que muda, mudará os homens e as coisas; o apelo que ilumina e aquece toda a obra de Manuel da Fonseca, todo o seu encantamento e toda a sua violência, toda a sua rudeza e toda a sua ternura.(…)»

(Mário Dionísio, 1969, Prefácio da OBRA POÉTICA de Manuel da Fonseca, Ed. Caminho, 8ª edição, Lisboa, 1984)


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Tejo que levas as águas



Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
De roubos fomes terror
Lava a cidade de quantos
Do ódio fingem amor

Lava bancos e empresas
Dos comedores de dinheiro
Que dos salários de tristeza
Arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
Casebres bairros da lata
Leva negócios e rendas
Que a uns farta  a outros mata

Leva nas águas as grades
De aço e silêncio forjadas
Deixa soltar-se a verdade
Das bocas amordaçadas

Lava avenidas de vícios
Vielas de amores venais
Lava albergues e hospícios
Cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
Vãs glórias ocas palmas
Leva o poder de uns senhores
Que compram corpos e almas
 Das camas de amor comprado
Desata abraços de lodo
Rostos corpos destroçados
Lava-os com sal e iodo
 Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.
 Manuel da Fonseca, OBRA POÉTICA,
ª ed, ed. Caminho, Lisboa, 1998)






AGUARELA 1

Lagoa de Óbidos
Aguarela,  Ermelinda Borges (Torres Vedras)

LUGAR ONDE de 23 setembro 2011 no BADALADAS (1)

(1) O pequeno texto de introdução "Merecer Timor", bem como o mapa, não foram publicados no BADALADAS por falta de espaço





MERECER TIMOR


Timor foi um sobressalto cívico para nós, portugueses, quando vimos as imagens chocantes da repressão no cemitério de Santa Cruz, em Dili, em 12 de Novembro de 1991. O país foi varrido por uma onda de solidariedade para com o povo timorense, onda tão forte quanto passageira. Timor fica demasiado longe. Já nem nos lembramos que no referendo de Agosto de 1999, apesar das ameaças da Indonésia, mais de 98% da população timorense foi às urnas e o resultado apontou que 78,5% dos timorenses que votaram pela independência. E que a Língua Portuguesa foi adotada como oficial, a par do tétum. Será que merecemos Timor?

Mas há sempre quem resista ao esquecimento. A Escola P. Vítor Milícias, de Torres Vedras, tem uma geminação com Timor e teima em estreitar contactos com aquele país, numa corajosa missão de elevadíssimo valor cultural e humano. Disso nos dão conta nesta página os professores que estiveram em Timor no seu período de férias, no passado mês de Agosto. | JMD


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Torres Vedras visita Soibada

Escola Padre Vítor Melícias marca presença na escola Pré-Secundária timorense





A mais de 15.000Km de distância do ponto mais ocidental da Europa, debaixo da sombra do gondoeiro, encontrámos todos os nomes portugueses: Samuel, Ana, Rosário, Eufémia, Gabriel, Valente, Umbelina, Avelino, Germano, João, Carlos, Juliana, José, Cesário, Aníbal, Crisóstomo, Fátima, Abel, Agostinho, Celestino, Cristóvão, Armindo, Raul, Joaquim, Alexandre, Bernardino, Isaías, Duarte, Eduarda, Adelina, Nelson, Simplício, Inácio, Manuela, Cecília, Januário, Luís, Abraão, Paulina, Alexandrino, António, Maria, Eulália, Felismina, Domingos, Sebastião, Veríssimo Rita, Luísa, Augusta, Belchior, Lucinda, Teresa, Albino, Francisco, Jacinta, Francisca, Ângelo, Domingos, Napoleão, Alzira, Cunha, Sequeira, Sarmento, Cruz, Amaral, Caldas, Costa, Soares, Carvalho, Pinto, Alves, Batista, Dias, Alves, Mendonça, Oliveira, Jesus, Rodrigues, Silva, Santana, Mendes, Fernandes, Pereira, Lemos, Reis, Cosme, Carvalho. Na árvore da tranquilidade, misturámo-nos com todos esses nomes que nos deixaram estupefactos face à marca viva e acarinhada da presença portuguesa no sudeste asiático, em Timor Lorosae.
A visita à ilha, mais concretamente ao antigo reino de Samoro (atual Soibada), revelou-nos um país em construção que mantém a ligação mítica entre dois povos diferentes que juraram lealdade eterna num cenário natural indescritivelmente belo, porta aberta para o paraíso. Na escola de Soibada, além de material escolar, deixámos cinco máquinas fotográficas para que alunos e professores possam registar rostos e o quotidiano de forma a dar a conhecer o seu dia-a-dia aos parceiros portugueses, através não só das fotos mas também da narrativa feita em português e tétum, ambas línguas oficiais, e avivar os laços entre os dois países.

 Nota: Esta visita só foi possível graças ao empenho e determinação do padre Vítor Melícias (patrono da escola envolvida).   


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O projeto de geminação



“Muito gostaria que esta escola se geminasse com a escola de Soibada, a Coimbra de Timor.” Xanana Gusmão, Escola Padre Vítor Melícias, Torres Vedras, 2001
O Despacho 28/ME/91, de 28 de Março, oficializa a geminação entre a Escola Padre Vítor Melícias (Torres Vedras – Portugal) e a Escola Pré-secundária de Nossa Senhora de Aitara (Soibada – Timor-Leste). A geminação foi proposta pelo então Comandante Xanana Gusmão durante a visita à escola torriense. Constituiu-se um programa de geminação e intercâmbio com os objetivos de criar laços de amizade e cooperação entre alunos, professores, pais e funcionários das duas escolas; conhecer e dar a conhecer as localidades e países envolvidos; colaborar na superação de algumas dificuldades materiais através da oferta de materiais escolares e outros; contribuir para a aprendizagem da Língua Portuguesa em Timor e conhecimento do Tétum em Portugal.
No âmbito deste projeto já ocorreram diversos eventos como a visita de D. Ximenes Belo (2001); visita de D. Basílio do Nascimento (2002); visita de uma delegação da nossa escola a Soibada (2004); visita de alunos e professores timorenses à Escola Padre Vítor Melícias (2005, 2007, 2008); organização da Corrida por Timor (Parque da Várzea, Torres Vedras, 2010); última visita a Soibada (18 de Agosto a 31 de Setembro de 2011).


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Os participantes na “Aventura”







(da esq. para a dt e de cima para baixo)
Chico, Ana Assunção, Teresa Carmo, Valente da Cruz, Rino, António Pedro,
Daniel Abreu, Lurdes Martins, Salomé Abreu e Ana Cláudio

O Mestre Valente da Cruz foi um inestimável anfitrião que tudo fez para que nada nos faltasse nesta visita inesquecível.
O Chico e o Rino, os motoristas, mestres do volante, em quem confiámos e que nos guiaram por caminhos inacreditáveis!

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A língua portuguesa é língua oficial de Timor Lorosa’e, embora pouco ouvida. A proibição do seu uso durante a invasão indonésia provocou um grande retrocesso na sua divulgação.

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Timor Lorosa’e - A ilha do Sol Nascente
texto de João Pedro Mésseder

Era uma vez uma ilha verde com forma de crocodilo onde – diziam os antigos – o sol nascia… e onde um pequeno povo sereno e sábio quis um dia construir um país – e votou pela independência. Vieram então soldados estrangeiros, os mesmos que, vinte e quatro anos antes, tinham ocupado a terra e roubado ao povo o seu destino. E, ao serviço de chefes poderosos, tinham matado e massacrado, apagado o sol e trazido com eles uma noite que parecia longa, tão longa como a morte.
E mais uma vez queimaram e mataram e massacraram. E o povo fugiu para as suas montanhas cor-de-mãe.
Passaram dias e dias que pareciam meses. Quando o mundo já não suportava a dor e a vergonha de pouco ou nada se fazer, e depois de muitos saírem à rua nos seus países a gritar e a chorar pelo pequeno povo… alguns senhores que governam o mundo e dão ordens aos generais decidiram enfim enviar soldados para a ilha do sol nascente.
Chegaram a 20 de Setembro muitos homens com suas armas. Revolveram a terra cor de sangue, fizeram sair os soldados do mal e disseram que a terra era do povo. A pouco e pouco, ainda a medo, a gente desceu das montanhas. Velhos e meninos, homens e mulheres regressaram, doentes e famintos, às cidades, às pequenas aldeias, aos campos do paraíso verde, arruinado. Do nada recomeçaram então a construir um país novo. E o sol voltou a nascer.   



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No paraíso verde de um país em construção, a educação é a base para um crescimento sustentável.  
         

11.10.11

CREPUSCULARES E UM POEMA


Chamusca, fim da tarde - Outubro 2011
Fotos © Méon

O teu amor é uma ponte de passagem
para este aquém

E a ternura - trave inconsútil    esteio sobre esteio -
é a memória desta crista alta por alegres veios

Como um telhado bem preso
aqui nasci por ti    aqui o chão me tem

É aqui por ti que o corpo entorna
a palavra espessa que ali vem

(João Rui de Sousa, Cintilações)

4.10.11

O AZEITEIRO



É uma das grandes figuras da nossa História: Alexandre Herculano.
Veja-se, agora, o delicioso apontamento retirado DAQUI:


«Alexandre Herculano, poeta, romancista, historiador e mestre pela retidão de carácter que todos os amigos enalteciam era igualmente o mais famoso dos agricultores. Na época em que o azeite, como Bordalo refere, foi combustível para candeias, Herculano inventou o mais fino «azeite de prato». Tratou de o pôr à venda em Lisboa, na mais famosa mercearia do Chiado elegante: o Jerónimo Martins. Ganhou uma medalha na Exposição Universal de Paris e o hábito de se ver caricaturado vestido de azeiteiro, com lata e funil, desprezando intelectuais seus pares em direção à porta do merceeiro. Gomes de Brito conta como foi apresentar Bordalo Pinheiro a Herculano, na Livraria Bertrand do Chiado, em 1870. O caricaturista vinha pedir autorização para publicar o desenho mais tarde célebre, e Herculano mostrou-se envergonhado mas complacente: «Sim, senhor; sim, senhor!» Que estava parecido e que não ofendia o seu «carácter moral». Azeiteiro, pois, e sem problemas em o reconhecer, pelo que no «Álbum de Costumes Portuguezes» (editado por David Corazzi em 1888), é Columbano quem o retrata, utilizando como base a fotografia de um azeiteiro de rua, cujo rosto substitui pelas feições do historiador. A fotografia que serviu de base à aguarela e à estampa era desconhecida. Foi desvendada no volume IX da “Lisboa Desaparecida”.»