21.9.08

FIM DO VERÃO

Rasgou-se a folha do tempo. Nova página espera, como se os dias procurassem outra dimensão e as noites já não coubessem no sopro das horas.
Palavras regressam. iluminadas de outras brisas, como gente que tem saudades e traz recordações do sul.
Escorre a luz pelas tardes. Imperceptível, o Verão saiu e é de água que o tempo agora fala. Os lagos da memória guardam astros e sombras, sinais do vento ou de quando o sol se erguia mais alto e mais quente, e cada manhã trazia silêncios e perfumes.
É o Outono que aí vem? Já é o Outono?
Transfigura-se o verão. Mais doce, mais serena, chega a luz de Setembro envolta nas folhas que caem.
Hoje é o LUGAR ONDE guardamos alguns poemas que falam do Outono.


SE DESTE OUTONO

Se deste outono uma folha,

apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo
de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria.
Eugénio de Andrade



CANÇÃO DE OUTONO



Perdoa-me, folha seca,

não posso cuidar de ti.

Vim para amar neste mundo,

e até do amor me perdi.



De que serviu tecer flores

pelas areias do chão,

se havia gente dormindo

sobre o próprio coração?



E não pude levantá-la!

Choro pelo que não fiz.

E pela minha fraqueza

é que sou triste e infeliz.

Perdoa-me, folha seca!

Meus olhos sem força estão

velando e rogando àqueles

que não se levantarão...



Tu és a folha de outono

voante pelo jardim.

Deixo-te a minha saudade

- a melhor parte de mim.

Certa de que tudo é vão.

Que tudo é menos que o vento,

menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles



UMA NÉVOA DE OUTONO

Uma névoa de Outono o ar raro vela,

Cores de meia-cor pairam no céu.

O que indistintamente se revela,

Árvores, casas, montes, nada é meu.



Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.

Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.

Mas entre mim e ver há um grande sono.

De sentir é só a janela a que eu assomo.



Amanhã, se estiver um dia igual,

Mas se for outro, porque é amanhã,

Terei outra verdade, universal,

E será como esta [...]

Fernando Pessoa

TRISTÃO E ISOLDA

Sobre o mar de Setembro velado de bruma
O sol velado desce
Impregnando de oiro e espuma
Onde a mais vasta aventura floresce.

Tristão e Isolda que eu sempre vi passar
Num fundo de horizontes marítimos
Trespassados como o mar
Pela fatalidade fantástica dos ritmos
Caminham na agonia desta tarde
Onde uma ânsia irmã da sua arde.

Tristão e Isolda que como o Outono,
Rolando de abandono em abandono,
Traziam em si suspensa
Indizivelmente a presença
Extasiada da morte.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Os mortos aconchegam-se, no Outono,
Aonde, sendo mais secas,
As folhas juntam o pródigo tesouro
Da tristeza.
O seu distúrbio, em torno
Dos negros troncos, festeja
O fragilíssimo lugar, o modo
De estar cedendo, a transparência
Ao movimento universal do sono
Que acorda adequação de inteligência.
E é desse lado que os mortos
Sua inocência irrequieta
Avivam. E aventam o ouro
Outonal das folhas secas.

Fernando Echevarría



OUTONO

Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.

Miguel Torga