29.12.06

Mais uma página LUGAR ONDE

No Badaladas, semanário regional de Torres Vedras, 29 de Dezembro:


Desta vez foi o tema dos blogues. E uma pequena homenagem ao amigo poeta torriense Fernando Jorge Fabião, a propósito do seu belíssimo "Lamento da Artesã"



COISA RARA...

Hoje um amigo mandou-me alguns poemas, numa carta à antiga. Maneira de me dizer:"Ei, como vai isso por aí?" Receber uma carta na caixa do correio! Coisa rara, hoje.
Li e gostei. Trata-se de um pequeno conjunto de poemas intitulado “LAMENTO DA ARTESÔ, o qual recebeu em Setembro deste ano o 1º Prémio do Concurso Literário Irene Lisboa.
“Fala de um outro ritmo e, se calhar, de um tempo que está a acabar” – diz-me o autor, Fernando Fabião, torriense nosso bem conhecido desde a primeira página LUGAR ONDE. Que diz ainda: “Face aos tempos infaustos do presente é necessário, cada vez mais, o poder da literatura para abrir janelas, criar instrumentos de felicidade”. Concordo e subscrevo. E aqui deixo alguns poemas soltos deste belíssimo “Lamento da Artesã”.


Primeiro

I
Abro a porta
e a manhã veste-se de alvoroço
vou bordar ( a sépia ) o teu nome
aprendi que sob uma letra
há sempre outra letra
atavio uma frase:
- um retalho de mar no teu recato

I I
um talento irredimível
viajar pelo tacto
acariciar a pele do céu


Último

I
Fecho a oficina:
o irreparável de uma vida
aprendi que o corpo é o não rasurável
um incêndio
na ardósia da noite

I I
Outra lição
o lado táctil da luz:
- os pássaros.

Fernando Fabião

BLOGUES: A NOVA ORDEM SOCIAL

Uma nova realidade está a impor-se no mundo da escrita: a chamada blogosfera, o
mundo dos blogues. O que é isto?

“Fundamentalmente, os blogues servem para as pessoas comunicarem umas com as outros.” – escreve Paulo Querido, professor universitário especialista nesta área.
Como a maior parte das coisas ligadas aos computadores, trata-se de uma realidade que no princípio mete medo e repele mas depois atrai e é útil.
O que é um blogue? É uma forma de escrever na Internet em que se cria um espaço pessoal que funciona como um caderno de apontamentos. Mas com vantagens infinitamente superiores. O que se escreve pode ser facultado ao público, basta que o desejemos e que alguém saiba – ou descubra casualmente – o nosso endereço e tenha interesse em ler. Nesse espaço, cuja leitura pode ser pública mas em que só o autor pode escrever mediante a introdução de uma palavra-chave, vão ficando arquivados todos os textos e imagens que se forem publicando. A forma de cada um criar o seu blogue é muito simples, basta seguir as instruções que abundam em muitos lugares da Net, como o SAPO, por exemplo, ou o CLIX.
Num mundo em que a escrita estava a cair em desuso, a “blogomania” veio introduzir um novo fascínio nesta forma de comunicação. As pessoas deixaram de escrever cartas, bilhetes-postais, mensagens longas. Reduziram-se às mensagens dos telemóveis com seus textos mal ortografados e repletos de abreviaturas. Mas agora, com a generalização dos blogues, a escrita está de novo a reinar. Há textos longos e curtos. Intercalados de fotos, de vídeos ou de outros recursos mais complexos. Cada blogue cria um mundo próprio, personalizado e variado.
Esta realidade é de tal modo avassaladora que todos os jornais estão a aderir a ela, incorporando-a nas suas páginas e usando-a regularmente. Os cépticos alegam que este é mais um modo de agarrar as pessoas ao teclado, afastando-as do convívio com os outros. Seria mau se essa fosse uma realidade recente. Mas não é. Cada época tem os seus espaços de convívio e não adianta ficarmos presos a uma visão romântica do passado. Até porque estas novas tecnologias estão a criar novos laços de comunicação entre as pessoas, sem limites de tempo ou distância.
Não há que ter medo. Estas novidades são para nosso uso, gozo e comodidade. Fazer delas veículos de aproximação entre os homens, vias de diálogo e de enriquecimento interior, é um desafio para todos.

A página do BADALADAS que o leitor está a ler neste momento também já tem o seu blogue desde há alguns meses. Com uma marca pessoal do seu autor, como não podia deixar de ser, e contribuindo para evidenciar que os jornais e a Internet podem ser complementares.

CRIAR O SEU BLOGUE

Desde que tenha uma prática mínima de navegação na Internet qualquer pessoa pode criar o seu blogue. Um caminho pode ser este: aceder ao site www.blogger.com. Aberta esta página, basta fazer as opções pretendidas, numa base de tentativas que podem levar ao fim pretendido em mais ou menos tempo.
Há muitos blogues acessíveis a qualquer pessoa. Basta clicar nos endereços que aparecem frequentemente em blogues conhecidos. Se tiver o Google como motor de busca poderá digitar “O JUMENTO” e verá o que sucede: entra num dos blogues mais interessantes, com comentários à vida portuguesa actual, fotos, etc. Pode ir a outros, como o “Blog da Sabedoria”. Ou “O Sizandro”, blogue de crítica ao universo autárquico de Torres Vedras. Ou ao LUGAR ONDE, passe a publicidade em casa própria.
Divirta-se e actualize-se, caro leitor. E que o ano de 2007 lhe traga dias bons e bonitos.



23.12.06

FESTAS FELIZES?

Numa altura em que tantos vão para o desemprego e milhares de jovens procuram o primeiro trabalho sem o encontrarem, como desejar Festas Felizes?

Não! Não quero paz e alegria para mim, enquanto estes dias são negros e tristes para muitos.

Um abraço de solidariedade para quem não tem motivos para festejar.

22.12.06

EVIDÊNCIAS

Porque é que há evidências que custam tanto a ser vistas?

Pode ler-se hoje no "Diário Digital" esta página:


Portugueses mais ricos deviam pagar mais impostos


Portugal tem a distribuição de rendimento mais desigual na União Europeia. Mas há formas de alterar isso e uma delas «é a introdução de mais progressividade no imposto sobre rendimento», afirma Richard Eckaus, um professor do MIT que acompanha a economia portuguesa desde 1973.
Numa entrevista publicada esta sexta-feira no Diário de Notícias, a qual foi concedida à margem da conferência «Challenges Ahead for the Portuguese Economy», organizada pela Gulbenkian, FLAD e Banco de Portugal, o professor do MIT reconhece que o país enfrenta actualmente «escolhas muito difíceis».
Sistema fiscal mais progressivo, contenção salarial, reforma na educação e regulação mais amiga do investimento são alguns dos conselhos do economista que, na semana passada, foi condecorado pelo Presidente da República pelo papel de conselheiro que desempenhou a seguir à revolução.
A aplicação de uma taxa de imposto negativa que providencie fundos às pessoas situadas nos escalões mais baixos de rendimento é uma dos remédios que Eckaus prescreve e classifica como medida «muito importante porque para Portugal é fundamental garantir uma maior igualdade no sistema».
«Com mais igualdade, as pessoas estão mais disponíveis para aceitar os fardos do ajustamento. E esse ajustamento, de facto, é necessário em Portugal. Além disso, se houver mais progressividade nos impostos sobre o rendimento das pessoas e, com ela, vier também uma subida da receita, passaria a ser possível reduzir a carga ao nível dos impostos sobre a produção», e isso beneficiaria, por exemplo, as empresas que exportam.

Natal?

Que os Governos façam o que devem! Este ou outro, sempre prontos a falar nos desprotegidos. Ainda ontem José Sócrates se pavoneava com o estado actual da nossa economia ( "Há confiança! Há bons resultados!), enquanto no telejornal se noticiava o fecho da fábrica da Azambuja ( 1 400 para o desemprego!), e uma outra fábrica no norte ia pelo mesmo caminho. J. Sócrates pode estar contente com alguns dados gerais da economia mas não pode deixar de falar, simultaneamente, no resto.


21.12.06

Terra que gira

Faz agora uma ano que um grupo de jovens iniciou um blogue de divulgação científica:

terraquegira.blogspot.com

Jovens cientistas, diga-se. Chegados ao mundo da investigação, olham a realidade que os cerca e ficam inquietos. O mundo não é, afinal, o paraíso dos passarinhos felizes que a infância lhes sugeriu. Mas sabem, também, que a Ciência é a porta do conhecimento.
Sabem também que há ignorantes que o são sem culpa. E que há outros cuja ignorância se deve ao comodismo, à cegueira voluntária, porque "o saber dói sempre".
Aos meus amigos sugiro a leitura do blogue destes jovens. É uma porta aberta para o conhecimento fundamentado, tão necessário para melhorar este desgraçado mundo em que vivemos e onde tantos morrem todos os dias devido à nossa ignorância.
Aqui transcrevo o seu mais recente "post", com a devida vénia:

Que a Terra gira sobre si mesmo e à volta do Sol, já todos nós sabemos. Mas nem sempre foi assim. Muitos foram aqueles que se questionaram, que em determinados momentos duvidaram e com paixão investigaram. Muitas descobertas foram feitas desde que a ciência se tornou uma estrutura sólida. Pelo caminho, muitos se calaram ou foram calados, muitos morreram no processo… numa batalha sem igual … Pela primeira vez, que se saiba, a matéria ganhou consciência de si própria… consciência que lhe deu a capacidade de duvidar, de questionar e assim aprender… ”e no entanto ela move-se”, desabafou Galileu no final de uma batalha perdida. Mas agora, mais do que nunca, novos desafios se levantam. Cientistas continuam a fazer novas descobertas todos os dias. Cientistas que têm a coragem de se questionar e de explorar o mundo em que todos vivemos, de ir mais além atravessando as fronteiras do mundo conhecido e partindo à procura de novas terras por esse universo fora.O interesse por estas questões alargou-se, e através daqueles que albergam um espírito crítico e científico, as notícias das novas descobertas chegam a um público cada vez maior, curioso, que as segue com entusiasmo.Os tempos são outros! Começa a desflorar uma nova consciência ambiental sem precedentes. Hoje as pessoas têm a noção de que os recursos da Terra não são inesgotáveis e de que há um risco real de sermos nós a destruir o sistema que nos permitiu chegar até aqui. É preciso fazer passar a mensagem, de uma forma clara.

Uma Terra Que Gira nasceu com esse objectivo, o de divulgar, o de dar a conhecer a Terra, aquilo que nos rodeia e as pessoas que vão fazendo a diferença, para que não assistamos com a indiferença habitual à vitória da ignorância sobre o conhecimento.Aqui faz-se divulgação científica e dá-se a conhecer quem o faça. Pelo menos tenta-se.
Para preservar, é preciso primeiro explorar, investigar e aprender, mas cabe também a nós, cientistas de alma ou profissão fazer chegar esse conhecimento a toda a sociedade, para que todos possamos viver de uma forma sustentável e responsável nesta Terra que gira.

Terra que gira, Dezembro 2006

MULAS...salvo seja







Na imprensa regional de Torres Vedras têm aparecido, desde há mais de um ano, denúncias diversas sobre aspectos negativos de actuação da Câmara Municipal.
Deixando de lado as queixas mal formuladas ou mal fundamentadas, recordo-me de outras que faziam pensar. Denúncias sérias, bem apresentadas, a exigir resposta cabal.
Qual a reacção da nossa Câmara? O silêncio.
A ideia subjacente é esta: «deixá-los falar que eles calarão-se-ão-se!!»- como dizia o Zé da Balbina . A nossa Câmara espera, assim, que a opinião pública esqueça rapidamente as denúncias.
Isto parece uma atitude inteligente, mas não é. Porque se aparenta demasiado com desprezo pelos cidadãos. Porque se confunde com sobranceria, arrogância. Porque parece dar razão à célebre frase que diz: « O poder corrompe; e o poder absoluto corrompe absolutamente!»
A nossa Câmara Municipal, do PS, tem uma maioria absoluta. E sabe-se como essa realidade pode ser perversa. Todos os partidos com poder absoluto têm reacções idênticas. As Câmaras CDU no Alentejo fazem o mesmo, os PSD no norte idem. E veja-se o caso extremo da Madeira.
Não se trata de atacar ninguém: a questão é de princípio democrático. E o PS que, com razão, foi o grande garante da democracia nos pós 25 de Abril, não pode esquecer isto e comportar-se como os outros. Quando os partidos se tornam barricadas de interesses particulares o caminho fica aberto aos ditadores.
Voltando ao Zé da Balbina. A quem se calava quando devia falar ele rosnava entre dentes: «parece que são Mulas !!!»

16.12.06

O ALEXANDRE 0' NIELL também sabia ...





TOMA LÁ CINCO

Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!

Um dente que estava são e agora não,
Um cabelo que ainda ontem preto era,
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
E na cara uma ruga que não espera, que não espera...

(...)

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
Errar a vida e não errar a pontaria...

Talvez te deixes por uma vez de fitas,
De versos de mau hálito e mau sestro,
E acalmes nas feias o ardor das bonitas
( Como mulheres são mais fiéis, de resto...)

Saudação a Daniel Sant'Iago




Aliás, José António Gomes. Aliás: brincosdepalavra.blogspot.com
Um blogue dedicado à poesia "brincada": palavras viradas e reviradas do avesso - e do direito! - fotos / reproduções / pre - textos, percorridas com os olhos (in)brincados nas palavras, partilha com gente anónima que dá opinião e manda sempre beijinhos, respondidos sempre com "outro". Um mundo!
Agora em livro.
Evoéh, Zé António: já tinhas feito os filhos... já tinhas plantado árvore (s)...
Um abraço

12.12.06

Memória recentes

Num lago sereno toda a alegria da vida que diariamente se renova




Longe, em Timor, uma querida amiga enfrenta a dor de um amor destroçado. A mim chegam apenas os ecos da derrocada. Partilho essas horas com quem de mim fez seu confidente.

De longe, querida Isadora: o meu abraço.

Dias melhores virão.

11.12.06

Morreu...

Sim, esse. Morreu finalmente.
«Se fosse bom...já cá não estaria há muito tempo!» -dizia o Ti Augusto, quando morria algum canalha lá da terra. Razão tinha.
Este, que assombra a nossa memória desde que assaltou o poder democrático no Chile há trinta e tal anos - com ajuda e apoio dos EUA - só agora abalou. E, como quase todos os ditadores, morreu na sua cama.
Mas há gente a chorar por ele!!! Há quem se recolha diante do homem morto e faça o sinal da cruz!
Como dizia Wilhelm Reich nas "Psicologia de Massas do Fascismo": que haja poder fascista, explica-se facilmente: os poderosos não hesitam em recorrer à força para defender os seus privilégios; o que é preciso compreender é por que razão os fascistas conseguem arregimentar grandes faixas da população anónima para o seu lado.
Foi assim com Mussolini, com Franco, com Salazar... Gentinha do povo a gritar "vivas".
Eu vi-os! Ouvi-os! Uma semana antes do 25 de Abril de 1974 um estádio de futebol aplaudiu de pé Marcelo Caetano. Esses mesmos que, uma semana depois, gritavam que "o povo unido jamais será vencido"...
Que a sua alma - se a tinha..- pague a dívida que ninguém lhe cobrou!

7.12.06

JÁ É TEMPO DE REGRESSAR À POESIA...




Sebastião da Gama


1924 - 1952




Meu País Desgraçado

Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anêmico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!



"A sua poesia romântica, singela, carregada de candura, traz-nos um culto do passado e da paisagem que o modernismo desacreditara, e desenvolve a imagem de um Paraíso Perdido Infantil, um local de pureza inicial que estaria para além da vida e da morte."

( in: Cem Poemas Portugueses sobre Portugal e o Mar, Selecção e organização de José Fanha e José Jorge Letria, ed. Terramar, 2003)


6.12.06

Ah! Bom! Haja quem diga em voz alta depois de governar em voz baixa...

UMA ENTREVISTA A LER






Joaquim Azevedo foi Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário e é, actualmente, coordenador do debate nacional de Educação lançado pelo Conselho Nacional de Educação.
Numa entrevista no Público de 4 de Dezembro (e que foi transmitida dias antes pela Rádio Renascença) diz coisas interessantes. No fundamental defende o esvaziamento do Ministério de Educação e a "devolução da escola aos seus actores".


Frases em destaque:

"Em Portugal até saiu legislação sobre o formato dos cacifos nas escolas..."

"Estamos ao mesmo tempo a descredibilizar a escola e a mandatá-la para fazer tudo o que a sociedade e as famílias não fazem. É suicidário."

"Carregamos a escola com todos os fardos da educação e das debilidades sociais e depois deixamo-la sozinha a resolver todos os problemas."

Acrescento:

Dar voz e autonomia às escolas? Tudo bem, desde que haja acompanhamento regular da parte de um órgão central. Não uso propositadamente a palavra "inspecção" porque tem uma carga pejorativa.

O acompanhamento destina-se a dissuadir as perversões da autonomia. É que há por aí muitos Albertinhos Jardinzinhos disfarçados, que só esperam a oportunidade de poderem mandar em alguém. E eu não queria acabar a minha carreira profissional a aturar ditadores de trazer por casa...Mal por mal, antes a Dona Milu, que não preciso de ver todos os dias...

5.12.06

TROQUEMOS AS VOLTAS AO CALENDÁRIO

VIVÓ CARNAVANATAL !!!






Com a obcessão comercial e consumista pelo Natal, apetece mandar tudo ao ar, gozar esta treta até ao absurdo. "Abaixo os vendilhões!!!"

Qual menino jesus, qual quê! Vamos mas é vender tralhas, decorações, mesas de consoada, motivos natalícios - e outros panarícios! Tudo tão bonito, tão verde e rubro, tantas luzinhas, tanto espírito natalício - tanto mretrício!

Apetece ir já pró Carnaval! E vou mesmo! Caraças, estamos em Torres Vedras!







E para animar, aí vai o texto que o LUGAR ONDE escreveu para a revista O BARRETE, editada no Carnaval deste ano pela Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, revista que fez dez anos de publicação (« O BARRETE! Dez anos a metê-lo!» ).

TESTAMENTO DO CARNAVAL DE 2006

Saibam quantos esta lerem
Que me vou não tarda nada
Deste carnaval da vida
Mais pobrinho que à entrada.
Já me chamaram Entrudo
Mas agora, é como tudo:
Mais por vós do que por mim,
É mister chegar ao fim...

A vida que me foi dada
Está nas lonas podem crer
E para não me arrepender
Vou ditar o testamento
Que no derradeiro alento
Deixo a quem o quiser ler

Aos torrienses velhinhos
Deixo lares e seus santinhos
Orações e devoções
Para aconchegar as almas
Agora que já estão salvas
E não podem mais pecar.
No tempo da juventude
Foi brincar à fartazana
Comer, beber e fazer
Mil patifarias sem ver
Que o fim havia de vir,
Porque a última a rir
É a morte, grande sacana,
Que todos temos em sorte
Ninguém consegue fugir.

Aos torrienses mais novos
Deixo para consumir
Em todas as estações:
Boletins do euromilhões
Para terem a ilusão
De que vão enriquecer
Só com um euro na mão.
E como sou bué de roto
Também deixo o totoloto
P’ra se entreterem a pôr
cruzinhas nos quadradinhos
convencidos, coitadinhos,
que vão ser todos ricos.

A todos os professores
Vou deixar em testamento
Muitos alunos reguilas
Burrinhos e atrasados,
Meninos finos, mimados
E outros chamados “carentes”...
Deixo uma praga de calões
Muitos deles repetentes
E mais os paizinhos deles
P’ra se poder comprovar
Que eram piores do que os filhos
Quando andaram a estudar.

Aos médicos de Torres Vedras
Que nos tratam da saúde
A quem recorro amiúde
Para mal dos meus pecados,
Deixo os ossos empenados
Mais um grande panarício
Resultado do meu vício
De descascar rebuçados.
Deixo horas extraordinárias
Para mudarem de carro
E comprarem a última bomba...
O Zé Povinho é quem alomba
Quando vai para as urgências
E lá fica, horas mil,
Dando o corpo ao manifesto
Até esticar o pernil
À espera do senhor doutor
Que acabará com o resto...

Aos políticos locais
Deixo promessas fecundas:
Dinheiro para gastar
Em mais setenta rotundas;
Casitas para morarem
No mais rico loteamento
Que ajudaram a aprovar
Para o desenvolvimento.

Ó Torres Vedras! Ditosa
Terra que me viu nascer:
Prepara-te que eu vou morrer
Falta pouco, tarda nada...
Digo adeus ao belo vinho
De onde te vem a fama
Que bebia de manhã
Até à noite, ao ir p’rá cama.

Adeus, ó belas carcaças
A lancharem no Império...
Adeus velho Torriense
Que resiste por mistério...
Adeus, ó velhas indústrias
E quem nelas trabalhou...
Agora só dais rendimento
A quem de vós mais roubou!

Adeus ó Jardim da Graça
Cujo grande obelisco
Deu um enorme trabalho
A ser ali construído
E agora parece um paspalho
À espera de ser removido...

Adeus, ó Serra da Vila,
De encosta tão verdejante,
Retalhada de betão
Por causa da “Variante”...

Adeus, escritores locais,
De obras tão afamadas
Que eu tanto adorava ler
até as não publicadas...

Adeus,artistas da terra
Criadores tão geniais
Que ninguém consegue entender
As obras que vós obrais...

Adeus, mil vezes adeus,
Mas não o digo a chorar:
A vida foi divertida
Fartei-me aqui de brincar.

Foliões e matrafonas,
Deste nosso carnaval
Provaram mais uma vez
Que este é o mais português
Que se faz em Portugal.

A minhas viúvas já gritam
Aos quatro ventos a sorte
De se verem livres de mim
Por causa da minha morte.
A verdade é para ser dita:
Acabou-se o corropio
Agora estou por um fio,
Preciso de descansar,
Podem-me já enterrar...

Mas p´ró ano, queiram ou não,
Eu hei-de ressuscitar!



















4.12.06

Começa a semana...


Tenho trabalho, muito trabalho. Não me queixo. É bom ter (muito) trabalho - penso nos que se queixam do contrário.

E regresso à escola, com a alegria de re-encontrar amigos. Tenho uma turma difícil, é verdade. Mas cada dia é um desafio.








Este é o lugar onde me encontro todos os dias com os meus amigos: alunos, colegas...

"Um bom professor é o que mostra alegria por estar com os alunos" - escreveu um dia uma aluna numa avalição que lhe pedi.

Procuro não me esquecer disso, todos os dias.

27.11.06

Il est mort, le poète...








...mais uma razão para não perder a exposição que está na Galeria Perve, R. das Escolas Gerais, nº 17, Lisboa. Título: «Cesariny, Cruzeiro Seixas, fernando José Francisco e o passeio do cadáver-esquisito».

Mário Cesariny: por ele mesmo

Autografia

sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!

os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente – tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris – já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião – não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais – também, já por cá passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!


In “Pena Capital”, Assírio e Alvim

O MAR DE UMA ROSA DE ESPUMA

O LUGAR ONDE de Novembro, no Badaladas, eatava para ser sobre o Surrealismo. Mudei de ideias por causa da proposta de Jaime Gama na Ass. República. Entretanto, neste fim-de-semana morreu Mário Cesariny...

Mas é preciso recordar que o Surrealismo não morreu. Em Portugal houve sempre um grande mal-entendido sobre esta palavra/conceito. Cruzeiro Seixas, felizmente ainda vivo e um dos nossos grandes surrealistas, disse há tempos numa entrevista:

"Em Portugal, na Assembleia da República, que devia ser um lugar de ciência e de conhecimento, os senhores deputados quando querem referir-se a um caso disparatado dizem: « Isso é surrealista»; na sua ignorância, julgam que surrealismo é sinónimo de disparate; não sabem que é uma filosofia".in "Apeadeiro 04/05", revista de atitudes literárias, inverno de 2004, ed. Quasi.
´
Mais adiante o entrevistador pergunta:

"Quando de um coração faz irromper uma asa, na sua dialéctica artística, procura traduzir o sonho para além do mundo terreno?"

E ele responde:

"São imagens poéticas. Tal como o poeta também o pintor vive de imagens. E são as imagens que me mantêm a flutuar neste mundo, de contrário já tinha ido ao fundo. `qualquer coisa que acrescentamos sempre à desesperança, a tal asa... O homem é insatisfação. nem o amor sublime calou a ânsia de sonhar."

Regresso muitas vezes a essa longa entrevista porque ela é uma imensa janela sobre outros mundos que mal sonhamos.

Aprendi com Cesariny que poesia e pintura se completam. E que ambas são lava do mesmo vulcão da vida, irredutível às explicações, necessárias mas nunca suficientes, da Razão. Como escreveu Pascal: "O destino da razão é ver que há muitas coisas que vão mais além do que ela".

André Breton, o homem chave do Surrealismo em França, explicou:

«Tudo induz a acreditar que existe certo ponto do espírito em que a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo cessem de ser percebidos contraditoriamente. Em vão se deve procurar outro móbil à actividade surrealista, que a esperança de determinar esse ponto.»

O surrealismo é uma filosofia. Mais: é uma actitude perante a vida. É inconformismo, desprezo pelos bonzos que querem domesticar a humanidade, espírito libertário, afirmação extrema de individualismo temperada pela consciência de que todos estamos no mesmo barco.
Por isso o processo dito do "cadáver esquisito" é uma forma de criação / expressão colectiva composta pela soma de muitas partes individuais: cada artista (pintor, poeta da escrita...) acrescenta algo a uma obra que vai sendo feita por todos, sem que haja uma concepção inicial previamente conhecida por todos, só têm de dar continuidade.


Só no final da vida Mário Cesariny teve o reconhecimento devido, mas era por já estar velho, já não ser perigoso. O surrealismo incomodou politicamente muita gente - e ainda incomoda. E até faz rir ouvir agoraCavaco Silva falar da "perda de um grande homem da nossa cultura"...


Transcrevo a dedicatória de Mário Cesariny a Cruzeiro Seixas numa exposição que este fez em África:

"Queria de ti um pais de bondade e de bruma
Queria de ti o mar de uma rosa de espuma."

21.11.06

AQUILINO RIBEIRO: o escritor de Novembro no BADALADAS


Aquilino Ribeiro

















A Casa Grande de Romarigães


AQUILINO RIBEIRO NO PANTEÃO NACIONAL

Quem foi este homem? Merece tamanha honra?

Os restos mortais do escritor Aquilino Ribeiro devem ser trasladados para o Panteão nacional – propôs, há duas semanas, o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

Para as novas gerações talvez este nome já diga pouco. No entanto ele é um dos grandes escritores portugueses. Depois de Camilo C. Branco e de Eça de Queiroz, não houve mais nenhum que tão bem soubesse dominar a Língua Portuguesa, pela capacidade plástica e expressiva, pela riqueza vocabular, pela variedade de construção, pelo recurso à saborosíssima oralidade popular que ele bebeu desde a infância na Beira Alta onde nasceu. A sua pena laboriosíssima – 50 anos de vida literária, com romances, novelas, contos, memórias, traduções e muito mais – fixou em páginas inesquecíveis todos os tipos humanos do povo, os pobres e esquecidos do progresso, que se afirmam pela tenacidade e pela manha, habituados às condições duríssimas da vida serrana ou da sorte adversa nas mais diversas paragens.
Aquilino Ribeiro foi acusado de “escritor difícil” porque usava muitos termos caídos em desuso no falar urbano – e talvez se encontre aqui a causa de algum esquecimento a que foi votado. Aos acusadores lembrava que, a esses termos regionalistas, os ouvia do povo nas aldeias. E que, perante uma palavra desconhecida, o bom leitor tira pelo sentido e passa adiante.
Dele ficou a imagem do escritor que não se refugiou na secretária. Lutou contra a monarquia e contra a ditadura do Estado Novo, correu riscos, foi preso, exilou-se. Cinco anos antes de morrer ainda publicou “Quando os Lobos Uivam”, romance em que denunciou a florestação forçada dos baldios, até aí secular fonte de lenha e pastorícia dos povos serranos. O governo de Salazar perseguiu-o e ele respondeu, intrépido, com um opúsculo exemplar de desassombro, intitulado “Quando os Lobos julgam, a Justiça uiva”. Só não foi a julgamento devido ao levantamento nacional e internacional que se organizou em sua defesa.
Parece-nos, pois, que a iniciativa de Jaime Gama, propondo a inumação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro no Panteão Nacional de Santa Engrácia, é justíssima e só pecará por tardia.
JMD


Aquilino Ribeiro: Biografia

Aquilino Ribeiro nasce a 13 de Setembro de 1885 em Carregal, concelho de Sernancelhe. Aos dez anos, vai residir com os pais para Soutosa, onde faz a instrução primária. Transita depois para Lamego e Viseu, onde chega a frequentar o seminário, abandonando-o por falta de vocação. Em 1906 muda-se para Lisboa e, em pleno período de agitação republicana, começa a escrever os primeiros artigos em jornais. Em 1907, devido à explosão de uma bomba, é preso. Mas consegue evadir-se e, entre 1908 e 1914, divide a sua residência entre Paris e Berlim. Em 1914, com a eclosão da I Grande Guerra, volta a Portugal. Em 1918 publica o primeiro romance, "A Vida Sinuosa". A convite de Raul Proença, entra em 1919 para a Biblioteca Nacional. A partir desse ano, escreve incessantemente: "Terras do Demo" (1919), "O Romance da Raposa" (1924), "Andam Faunos Pelos Bosques" (1926), "A Batalha Sem Fim" (1931) e muitos outros títulos. Envolvido em revoltas contra a ditadura militar, no Porto e em Viseu, exila-se por duas vezes em Paris, onde casa pela segunda vez (a primeira mulher falecera). A partir de 1935 o seu labor literário torna-se mais fecundo: "Volfrâmio" (1944), "O Arcanjo Negro" (1947), "O Malhadinhas" (1949), "A Casa Grande de Romarigães" (1957), "Quando os Lobos Uivam" (1958), este último apreendido pela censura e pretexto para um processo em tribunal. Entretanto, viaja: Brasil, Londres, Paris. Em 1960 o seu nome foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura. Três anos depois, durante as comemorações do 50° aniversário do seu primeiro livro – promovidas pela Sociedade Portuguesa de Escritores, então presidida por Ferreira de Castro – adoece inesperadamente. Morre a 7 de Maio de 1963, no Hospital da CUF, com 78 anos.



A História da Casa Grande
Aquilino Ribeiro, no prefácio que escreveu para o romance "A Casa Grande de Romarigães" – uma das suas obras mais lidas, inspirada num velho solar do alto Minho que ainda hoje pode ser visitado –, explica em que é que se baseou:

"Quando se procedeu ao restauro da Casa Grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho dum santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos. (…) Não posso ver um farrapo impresso que não se me sobressalte a curiosidade. Com avidez fui tirando para fora cartapácios sem frontispício e sem índice, entre os quais um Mestre de Vida que ostentava uma dactiloscopia densa e salivosa, com os cantos das folhas tenazmente arrebitados, avisos e recibos da contribuição predial, uma resma de bulas da Santa Cruzada de pinto e de doze vinténs, receitas de botica, algumas traindo pelo sebo e a usura terem sido aviadas amiúde, folhinhas de anos sucessivos, e uns cadernos de papel almaço em que me palpitou matéria de bisbilhotice. Um deles, (...)foi o “Livro que há-de servir ao assentamento das cisas notáveis que assucederem na Casa Grande de Romarigães, também chamada Quinta de Nossa Senhora do Emparo. Com um epítome da origem, fundação, sítio e nobilíssima árvore de seus morgados, pelo Padre Sebastião Mendrugo, da Casa Cachada, e seu capelão. Ano da Graça de 1680". (…)"O outro manuscrito, em letra especiosamente torneada, chamava-se Vida de D. Luís António de Antas e Meneses, sargento-mor de Milícias e procurador às Cortes de 1828. Ao que se depreendia do estilo, abundante em ciência heráldica e genealógica, era obra dum linhagista do Alto Minho, tão amigo de Deus e do rei como inimigo dos malhados, o senhor Manuel Afonso, de Venade":

Para concluir, Aquilino refere que nunca pretendeu realizar um romance, mas sim uma monografia. E sai-se com uma frase que exemplifica o humor que percorre muitas das suas páginas: "Se me saiu romance, aconteceu-me a mesma coisa que a um triste e tosco carpinteiro dos meus sítios, de quem toda a gente zombava, decerto por milagre desenfadado do Espírito Santo: estava a fazer um gamelo para o cão e saiu-lhe uma viola”.


O ESCRITOR BEIRÃO

Até ao fim de uma vida intensamente vivida, Aquilino Ribeiro manteve-se ligado ao universo rural da Beira Alta, onde nasceu, cresceu e se tornou (de acordo com as suas palavras) «são e escorreito de corpo e espírito». Nem a permanência, alguns anos, em Paris nem meio século de Lisboa o afastaram das origens, homem da serra dos pés à cabeça, por dentro e por fora, «sem febre nem desejos metafísicos, como o mais néscio e regalão dos regalões». (Abóboras no Telhado.) Deixou o livro de memórias Um Escritor Confessa-Se. Todavia, a infância e a adolescência na Beira Alta revivem, com mais pitoresco e nitidez, nos romances Cinco Réis de Gente, Uma Luz ao longe e Via Sinuosa. O mesmo cenário se depara, por exemplo, nas Terras do Demo e na Estrada de Santiago, em cuja primeira edição surgiu a novela O Malhadinhas, um dos pontos mais altos da criação literária de Aquilino.
No entanto, Aquilino Ribeiro condensou muito mais elementos em que se conjugam a geografia, a história e a antropologia numa série de livros que costumo chamar «o quinteto da Beira Alta»: Os Avós dos Nossos Avós (l943); Aldeia (l946); Geografia Sentimental (l95l); Arcas Encoiradas (l953), e O Homem da Nave (l954). Aqui se depara tudo quanto define os usos e tradições dos habitantes da serra desde épocas remotas até às primeiras décadas deste século, quando se abrem estradas e se introduzem meios de transporte que vão do caminho-de-ferro até ao automóvel. Testemunho deste quotidiano era o Malhadinhas, o almocreve que se incumbira de estabelecer as comunicações entre o interior e o litoral, o campo e a cidade, levando e trazendo muitos produtos essenciais do comércio regional. (Texto do jornalista António Valdemar)

O que dele disseram alguns

“Conheci Aquilino Ribeiro, de quem me prezo de ter sido amigo e de quem continuo, cada vez mais, com o passar dos anos e as sucessivas leituras, rendido admirador." (Mário Soares)

"A força plástica e musical do mundo aquiliniano é admirável.A serra portuguesa, a aldeia patriarcal, o rebanho transumante, vivem nos seus livros como a vida flamenga e holandesa nos quadros dos grandes pintores dos Países Baixos." (Vitorino Nemésio)

“É a única personalidade literária da República que hoje podemos pôr ao par (e também em condigna oposição a) Fernando Pessoa.” (Óscar Lopes)

"É um inimigo do Regime. Dir-lhe-á mal de mim; mas não importa: é um grande escritor." (António de Oliveira Salazar)



18.11.06

Espaços de silêncio


A graciosidade, um certo ar ingénuo...










A monumentalidade serena, o equilíbrio...


Por vezes sinto necessidade de recuperar o socrático conceito de "oração": «conhece-te!»

Não se trata de alinhar em celebrações colectivas - para as quais sempre me senti pouco atraído - mas de entrar em espaços consagrados pelo homem para a reflexão, o silêncio.

Uma mesquita... ...uma capelinha, algures no Alentejo...

15.11.06

VIDA ESCANGALHADA


A vida pode estar complicada mas enquanto não acontecer uma catástrofe nada está perdido.

E, mesmo que aconteça, ainda podemos rir...

Carpe Diem!!

9.11.06

José Gil: "QUEM SE IMPORTA COM OS PROFESSORES?"

Acabo de ler o artigo de José Gil na VISÃO de hoje, com este título.
Chamo a atenção para ele. Felizmente aparece alguém prestigiado, a dizer o que, sendo óbvio, se tornou "politicamente incorrecto": os professores trabalham! E muito!
Mas o que está na moda é dizer mal dos professores.
Pessoas que não conseguem "controlar" em casa um miúdo de cinco anos, arrogam-se o direito de atacar quem tem de trabalhar com dezenas de crianças e jovens todos os dias.
Pessoas que não conseguem motivar um filho para ajudar em casa, não percebem o trabalho dos professores que procuram todos os dias motivar dezenas de jovens para aprendizagens difíceis.
Pessoas que não pegam num livro para estudar um assunto qualquer, que vivem numa constante preguiça mental, desvalorizam o trabalho dos professores que lutam quase sozinhos contra a incultura geral, contra o vazio de valores e de saberes em que se tornou a Televisão, contra o consumismo desenfreado em que se atolam mais as suas criancinhas.
Pessoas que não têm tempo para amar os filhos, ou que os estragam com privilégios absurdos, esperam dos professores que estes sejam capazes de restaurar as personalidades deformadas das crianças.
Aos vinte e três anos tive uma entrevista num Banco e era só dizer que sim para iniciar uma carreira bancária. Como muitos colegas meus que já estão reformados há anos e a receber o dobro do que ganho. Não quis e escolhi o ensino. Jamais me arrependi.
Em cada manhã penso: e se, em vez de ir ao encontro dos jovens que me esperam, eu tivesse de caminhar para a agência bancária, passar o dia a manipular dinheiro, cheques, promissórias, vales, financiamentos, etc.?
E os jovens lá estão. Custa-lhes, porque o esforço custa. Mas se eu estiver alegre, eles ficam alegres. Se eu me esforçar, eles esforçam-se. Todos os anos faço dezenas de amigos.
O que me custa agora é ver, ao fim de trinta e cinco anos de carreira, uma equipa do Ministério da Educação que ultraja os professores com um tratamento absolutamente injusto, revoltante.
E que essa equipa não reconheça o meu trabalho e contribua para o agravamento das condições em que se realiza.
Ninguém ignora que a incultura geral dos portugueses tende a desvalorizar a escola e que o insucesso escolar, em grande parte, tem origem aqui. Pois o ME não encontra melhor saída para esse problema do que tratar os professores como se fossem um bando de inúteis.
Espero pelo futuro com impaciência. Porque esta equipa do ME será desalojada - mas as escolas continuarão, com seus jovens e seus professores.

8.11.06

RUBEM ALVES: vale a pena (re) descobri-lo








"Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro..." (Rubem Alves)

Rubem Alves nasceu no dia 15 de Setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, naquele tempo chamada de Dores da Boa Esperança. A cidade é conhecida pela serra imortalizada por Lamartine Babo e Francisco Alves na música "Serra da Boa Esperança".A família mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1945, onde, apesar de matriculado num bom colégio, sofria com a chacota de seus colegas que não perdoavam o seu sotaque mineiro. Buscou refúgio na religião, pois vivia solitário, sem amigos. Teve aulas de piano.
Foi bem sucedido no estudo de teologia e iniciou a carreira como pastor no interior de Minas. No período de 1953 a 1957 estudou Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas (SP), tendo-se transferido para Lavras (MG), em 1958, onde exerceu as funções de pastor naquela comunidade até 1963.
Casou-se em 1959 e teve três filhos: Sérgio (1959), Marcos (1962) e Raquel (1975), sendo esta a inspiradora na feitura de contos infantis.Em 1963 foi estudar para Nova York, retornando ao Brasil no mês de Maio de 1964 com o título de Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary. Denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana como subversivo, em 1968, foi perseguido pelo regime militar.
Abandonou a igreja presbiteriana e regressou com a família para os Estados Unidos, fugindo das ameaças que recebia. Torna-se Doutor em Filosofia (Ph.D.) pelo Princeton Theological Seminary. A tese de doutoramento em teologia, “A Theology of Human Hope”, publicada em 1969 pela editora católica Corpus Books é, no seu entendimento, “um dos primeiros brotos daquilo que posteriormente recebeu o nome de Teologia da Libertação”. De volta ao Brasil, por indicação do professor Paul Singer, conhecido economista, é contratado para dar aulas de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP).
Em 1971, foi professor-visitante no Union Theological Seminary.Em 1973, transferiu-se para a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, como professor-adjunto na Faculdade de Educação. No ano seguinte, 1974, ocupa o cargo de professor-titular de Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), na UNICAMP. É nomeado professor-titular na Faculdade de Educação da UNICAMP e, em 1979, professor livre-docente no IFCH daquela universidade. Convidado pela "Nobel Fundation", profere conferência intitulada "The Quest for Peace".Na Universidade Estadual de Campinas foi eleito representante dos professores titulares junto ao Conselho Universitário, no período de 1980 a 1985, Diretor da Assessoria de Relações Internacionais de 1985 a 1988 e Diretor da Assessoria Especial para Assuntos de Ensino de 1983 a 1985.
No início da década de 80 torna-se psicanalista pela Sociedade Paulista de Psicanálise.Em 1988, foi professor-visitante na Universidade de Birmingham, Inglaterra. Posteriormente, a convite da "Rockefeller Fundation" fez "residência" no "Bellagio Study Center", Itália.
Na literatura, sobretudo na poesia, encontrou a alegria que o manteve vivo nas horas más por que passou. Admirador de Adélia Prado, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Octávio Paz, Saramago, Nietzsche, T. S. Eliot, Camus, Santo Agostinho, Borges e Fernando Pessoa, entre outros, tornou-se autor de inúmeros livros, é colaborador em diversos jornais e revistas com crónicas de grande sucesso, em especial entre os vestibulandos.
Afirma que é “psicanalista, embora heterodoxo”, pois acredita que no mais profundo do inconsciente mora a beleza. Após se aposentar tornou-se proprietário de um restaurante na cidade de Campinas, onde deu vazão ao seu amor pela cozinha. No local eram também ministrados cursos sobre cinema, pintura e literatura, além de contar com um óptimo trio com música ao vivo, sempre contando com “canjas” de alunos da Faculdade de Música da UNICAMP.
O autor é membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp e cidadão-honorário de Campinas, onde recebeu a medalha Carlos Gomes de contribuição à cultura.


Ver na net:
A casa de Rubem Alves


Projeto Releituras — Todos os direitos reservados. O Projeto Releituras — um sítio sem fins lucrativos — tem como objetivo divulgar trabalhos de escritores nacionais e estrangeiros, buscando, sempre que possível, seu lado humorístico,satírico ou irônico. Aguardamos dos amigos leitores críticas, comentários e sugestões. A todos, muito obrigado. Arnaldo Nogueira Júnior. ® @njo



COMO CONHECI ESTE AUTOR:

Um pequeno folheto da ASA deu-me a chave desta porta:

" Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais..." (Rubem Alves)


Vamos (re) descobri-lo?


2.11.06

ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE: uma questão gravíssima

O que se está a passar com o Estatuto da Carreira Docente é muito grave. O Ministério da Educação propõe a criação de dois tipos de professor dentro das escolas.
Se essa distinção correspondesse a conteúdos funcionais diferentes, entender-se-ia a proposta. ( Ex: Os professores de tipo A vão fazer as tarefas 1,2,3,4. Os de tipo B vão fazer as tarefas 5,6,7,8.)
Mas as escolas não funcionam (nem é possível que venham a funcionar!) assim. Porquê?
Porque todos os professores têm que realizar a tarefa nº 1: ministrar aulas. Se o não fizerem é porque não são professores. Um professor, por definição, dá aulas. Esse é o seu trabalho. Essa é parte de 60% do seu dia, sendo o restante a preparação e a avaliação dos alunos fora da aula.
Claro, há outras tarefas: ser Director de Turma (na minha escola há cerca de 90 professores e 27 turmas. Portanto só pode haver 27 Directores de Turma). Ser Coordenador de Departamento e de Grupos de trabalho ( em número variável, conforme o modo como a escola se organiza). Ser membro dos órgãos de gestão.
Ora parece justo que, sendo estas as tarefas supranumerárias em relação às aulas, a haver distinção entre professores, ela deve ser feita pagando tais tarefas quando e enquanto são cumpridas. Quando o não forem, não se pagam.
Isto já eu aceitava pois, de facto, há professores que trabalham muito dentro das escolas e outros nem tanto. Mas isso é assim porque há trabalhos diferentes a fazer, como exemplifiquei acima. E há rotatividade para não castigar sempre os mesmos.
Para as realizar, o professor tem de fazer formação? Que faça. Mas, à partida não se pode dizer que na escola tal há 27 Directores de Turma, (sempre os mesmos), e mais X Coordenadores, mais X na gestão, etc. Isso não faz sentido porque todas as tarefas são, por definição, rotativas, não há cargos vitalícios, eles fazem parte do ser professor, são extensões naturais da docência.
Claro que deve fazer-se a avaliação de todo este trabalho! Mas se ela não tem sido bem feitaaté agora é porque o Ministério da Educação nunca a regulamentou, tal como lhe era exigido pelo actual Estatuto da Carreira Docente.
Isto que parece evidente para quem trabalha na escola há 35 anos ( sim, sou professor há trinta e cinco anos!), não o é para o ME e 1º Ministro. Porquê?
Estou à espera desde o início que o Ministério da Educação apresente, juntamente com o "seu" ECD, o modelo correspondente de organização de escola. Essa era a sua obrigação, para percebermos a bondade da sua proposta para o sucesso escolar dos alunos. Mas não o faz. Porque sabe que esse ECD é impraticável. Deixa para um futuro Ministro de Educação a tarefa de realizar a quadratura do círculo.
Então aquela gente é destituída de inteligência?
Não o creio. São apenas obstinados que seguem cegamente a orientação do seu Primeiro que manda cortar despesas. E els cortam. Cegamente. Quem vier atrás há-de fechar a porta.
O que se está a passar é, de facto, muito grave!

31.10.06

Cores da vida





Uma amiga muito especial está em Timor e sofre. Por ela e por aquele país que, de facto, parece inviável.

Muitos quilómetros nos separam. Mas a solidariedade e o afecto anulam distâncias.
Partilhamos os sonhos e as dores.



Sonhos com as cores do Outono...






Dores como alguns cinzentos da vida.
Eia, Amiga! Não deixes que os limos destruam a madeira do teu barco!

27.10.06

RILKE: palavras que são como luz na escuridão




Rainer Maria Rilke:

Rainer Maria Rilke nasceu em Praga no dia 4 de dezembro de 1875. Depois de viver uma infância solitária e cheia de conflitos emocionais, estudou nas universidades de Praga, Munique e Berlim. As suas primeiras obras publicadas foram poemas de amor, intitulados Vida e canções (1894). Em 1897, Rilke conheceu Lou Andreas-Salomé, a filha de um general russo, e dois anos depois viajava com ela para seu país natal. Inspirado pelas dimensões e pela beleza da paisagem como também pela profundidade espiritual das pessoas que conheceu, Rilke passou a acreditar que Deus estava presente em todas as coisas. Estes sentimentos encontraram expressão poética em Histórias do bom Deus (1900). Depois de 1900, Rilke eliminou de sua poesia o lirismo vago que em parte lhe haviam inspirado os simbolistas franceses, e, em seu lugar, adotou um estilo preciso e concreto, que podemos perceber em O livro das horas (1905), que consta de três partes: O livro da vida monástica, O livro da peregrinação e O livro da pobreza e da morte. Esta obra o consolidou como um grande poeta por sua variedade e riqueza de metáforas, e por suas reflexões um pouco místicas sobre as coisas.


«Há apenas uma coisa realmente necessária: solidão, grande solidão interior. Entar-em-si e não encontrar ninguém durante horas a fio - é isso que se tem de alcançar. estar só, como quando se era criança e os adultos andavam em redor, para lá e para cá, absorvidos com coisas que pareciam grandes e importantes só porque eles pareciam tão ocupados e porque não se compreendia nada sobre a sua actividade.» ( in Cartas a Um Jovem Poeta, R.M.Rilke)
Em Paris, em 1902, Rilke conheceu o escultor Auguste Rodin e foi seu secretário de 1905 a 1906. Rodin ensinou o poeta a contemplar a obra de arte como uma atividade religiosa e a fazer versos tão consistentes e completos como se fossem esculturas. Os poemas deste período apareceram em Novos poemas (2 volumes, 1907-1908). Até o início da I Guerra Mundial, o autor viveu em Paris de onde realizou viagens pela Europa e pelo norte da África. De 1910 a 1912 viveu no castelo de Duíno, próximo a Trieste (agora na Itália), e ali escreveu os poemas que formam A vida de Maria (1913). Logo após iniciou a primeira redação das Elegias de Duíno (1923), obra esta em que já se percebe uma certa aproximação dos conceitos filosóficos existenciais de Soren Kierkegaard.Em sua obra em prosa mais importante, Os cadernos de Malte Laurids Brigge (1910), novela iniciada em Roma no ano de 1904, empregou imagens corrosivas para transmitir as reações que a vida em Paris provocava em um jovem escritor muito parecido com ele mesmo.Residiu em Munique durante quase toda a I Guerra Mundial e em 1919 mudou-se para Sierra (Suíça), onde se estabeleceu para o resto de sua vida, salvo algumas visitas ocasionais a Paris e Veneza, concluindo as Elegias de Duíno e escreveu Sonetos a Orfeu (1923). Estas obra são consideradas as mais importantes de sua produção poética. As Elegias representam a morte como uma transformação da vida e uma realidade interior que, junto com a vida, foram uma coisa única. A maioria dos sonetos cantam a vida e a morte como uma experiência cósmica. Rilke morreu no dia 29 de dezembro de 1926 em Valmont (Suíça).Sua obra, com seu hermetismo, solidão e ociosidade, chegou a um profundo existencialismo e influenciou os escritores dos anos cinqüenta tanto na Europa como na América.

26.10.06

...!!!???

Calma aí! Já não se podem dizer coisas sérias a propósito de uma brincadeira?

Para além de mim, quem?









A RTP lançou o anzol e o cardume acorreu. Milhares de respostas X 0,60 € = grande ajuda para as contas correntes! Esse foi o primeiro ganho da noite, parabéns!

Vi uma parte do programa da Maria Elisa, ontem. Gostei de muitas intervenções, fiquei a saber que aquilo já foi êxito noutros países ( caraças, 'tou sempre a leste destes acontecimentos mundiais), apreciei a forma como E. Lourenço "ignorou" a presença desse sempre em pé que é J. Hermano Saraiva ( Min. da Educação no outro tempo, quando havia polícia de choque dentro da universidade, a mando do dito senhor), enfim, «fiquei mais enriquecido».

Agora só me falta votar.

Mas... penso, cogito, escarafuncho nos miolos, e nada. Para além de mim, não encontro mais ninguém verdadeiramente grande em Portugal. E como só eu acredito nisto, não vou arriscar uma votação. Receio que seja mal entendido.
Vou esperar. A ver como é que os outros se desenrascam...

23.10.06

Outra vez escola




Não quero entrar num registo "corporativista" mas este também é um lugar de desabafos. Daí o que segue.

Parece-me que o problema do Estatuto da Carreira Docente é apenas financeiro: não é possível 150 000 professores atingirem o topo da carreira pois isso seria incomportável. Mais de 50% já lá estavam e muitos outros reformaram-se, nos últimos dez anos, com o último escalão.

Sendo assim ( e os números que tenho lido provêm dos mais diversos sectores), há duas ou três coisas que não percebo:

1 - porque é que a Ministra não diz isto claramente e manda o sr. Pedreira fazer malabarismos de linguagem que só confundem e não esclarecem?

2 - porque é que os anteriores ministros da educação do PS embarcaram ( e nós atrás deles... eles é que tinham os livros, eles é que sabiam...) no delírio de "tudo para todos"?

3 - porque é que nunca houve coragem para avaliar os professores de forma séria e credível, deixando que se estabelecesse uma avaliação desleixada, laxista?
Agora quere-se resolver tudo "à bruta" e doa a quem doer.


Pôr os professores na mira das armas do Min. da Educação é transmitir para a opinião pública a mensagem de que eles é que são o grande entrave para a melhoria da Escola Pública. Sem que nada se faça para ajudar a resolver o grave problema da indisciplina que grassa por muitas escolas, sobretudo as dos meios suburbanos.
Há escolas em que aos professores já quase só falta entrarem assim:



20.10.06

Onde não chove





O reverso da medalha...

Isto passa-se na Austrália, numa região onde não chove há cinco ou seis anos.

Onde estão os "anjos da guarda"?

Calma! O sol há-de regressar!








Podes cair, chuva. Há quem suspire por ti e não te sinta há muito tempo. Mas não exageres...

O sol virá de novo. Podes ir, então, cair p'ra outro lado.

(Fraco pretexto para rever este magnífico quadro de Hopper)

18.10.06

Lá fora, a tempestade






Um trovão medonho fez saltar o gato para cima do armário da cozinha.

Com trovões destes havia na minha terra uns brutamontes que resmungavam: "lá 'tão os gajos a desarrumar as cadeiras..."

Entretanto faço greve às aulas. Não concordo com o estilo sindical em uso. Mas também me vai faltando a paciência para a cara de pau da Srª Ministra da Ed.

Em Portugal mais uma vez acontece: do imobilismo para o voluntarismo de tudo querer fazer à pressa e à bruta.

Povo de arranques súbitos ... seguidos de longos períodos de sonolência.

Portanto, na dúvida... adiro à greve.

17.10.06

Os autaratarcas...

Aquele "prós e contras" sobre a Lei das Finanças Locais de ontem foi uma delícia. A Fátima Campos - que tem muita classe - se pudesse, mandava alguns daqueles convidados para Foz Côa, a fazerem desenhos na rocha com as cabeças duras.
Há um tal Ruas que é o presidente da Assoc. Nacional de Municípios. Saido de um filme dos anos 40, bigodinho e cabelinho pintado, parece uma caricatura de si próprio. E tem gente que o leva a sério.
E o outro que estava ao lado dele, tipo delegado de turma reguila, dentinhos a sobrar do ar de riso, a puxar ao simpático lá da rua? Alguém percebeu o que ele disse, para além da defesa ridícula da virtude de todos os autarcas, como se fossem uma corporação de anjos vindos do céu para nos protegerem dos demónios do Governo?

Eu já desconfiava que ser autarca podia ser uma doença. Agora fiquei com a certeza. Muitos autarcas, ( demasiados! ) portam-se como regedores analfabetos, incapazes de ver a realidade sem ser pelo estreito óculo da sua terrinha.

Hilariante aquela defesa cerrada do direito a endividarem-se, sem reconhecerem que esse é o grande problema que todos enfrentam quando são eleitos por uma lista diferente da que estava no poder. Não há dúvida, estão quase todos contaminados pela virose do soba madeirense!...

Em certa altura, já ia alta a madrugada, perdi a pachorra para aquela cegada.

O quê? Se gostei do ministro António Costa?

Gostei, sim senhor. Preparado, documentado, muito claro na exposição das ideias.

E mais não digo. Ainda me vão acusar de andar a dar lustro ao poder...

16.10.06

LUGAR ONDE | Outubro 2006 -- Semanário BADALADAS, Torres Vedras

REGISTO DE NASCIMENTO DE UM POETA

Que esperamos nós de um livro de poesia?

Em “REGISTO DE NASCIMENTO”, seu primeiro livro (Livrododia Editores, Torres Vedras, 2005) - Luís Filipe Cristóvão põe a questão ao contrário: o que espera o poeta do leitor? E responde: “os dedos longos do leitor, pela noite esticados, / têm válvulas de fogo imitando línguas / (…) o verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue / e adormece extasiado em qualquer parte do mundo. (…) ao não-leitor tudo isto é indiferente.”
Isto é: o poeta espera uma leitura longa, atenta; que nós, seus leitores, sejamos capazes de deixar passar (como válvulas) os tumultuosos e intensos rios de palavras e seus múltiplos sentidos (fogo imitando línguas); que ousemos mesmo matar a sede com a escrita de dor e sofrimento (sangue), numa cumplicidade comungada que nos conduzirá, onde quer que estejamos, a um estado apaziguado de êxtase. O contrário disto será a indiferença.
Trata-se pois de um pacto inicial que nos é proposto. A partir dele, os 61 poemas deste belíssimo livro desvendam a memória com seus vastos recantos - infância, patamares de crescimento, recordações dispersas, algumas dores – assumindo o escritor este trabalho como o lavrador que revolve a terra e nela se suja. Neste desvendamento cabem também “o crescimento pessoal e as dúvidas da literatura, experiências do pensamento”, propósitos de vida (subo devagar / não quero acordar o passado).
Mas atenção leitores: a poesia de LFC não se reduz aos sentidos imediatos e banais das palavras. Joga com ambivalências, relações subtis, em que as referências constantes ao quotidiano parecem facilitar a adesão do leitor para logo a seguir lhe propor tensões inesperadas que deixam campo aberto para múltiplas leituras. E esta é a marca de água da poesia de qualidade. Se detectamos, aqui e ali, soluções verbais menos conseguidas, há um evidente e esforçado trabalho de oficina, bem visível no despojamento nos 84 versos do muito belo poema final “Itinerários”. Em versos curtos, espraiando-se por 20 páginas, o poeta atinge aqui, em nossa opinião, o mais elevado nível de expressividade.
Este livro é, para nós, o atestado inequívoco da afirmação de um poeta, nascido e criado em Torres Vedras cujo percurso vale a pena seguir com atenção.

Foto de Vanessa Fernandes




NOTAS BIOGRÁFICAS

Luís Filipe Cristóvão nasceu em Torres Vedras a 24 de Fevereiro de 1979. Desde cedo muito dedicado aos livros, licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas e concluiu uma pós-graduação em Teoria da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Estando ligado ao associativismo, fez parte da direcção do Académico de Torres Vedras, tendo sido Presidente durante dois mandatos. Foi também no ATV que iniciou a sua actividade como editor, primeiro com a revista quase da qual saíram cinco números e, actualmente, com a revista sítio, da qual se apresta para sair o terceiro número.

A sua carreira literária iniciou-se com a publicação de poemas na revista universitária Os Fazedores de Letras e com as séries de crónicas ficcionadas “Viver prejudica gravemente a saúde” e “ O direito de não ler” no jornal Em Frente Oeste. Colaborou com a revista 365, com o DN Jovem e em diversos sites portugueses e brasileiros. Publica regularmente nos blogues
www.prazeresminusculos.blogspot.com e www.milnove79.blogspot.com. Em 2005 publicou o livro de poesia Registo de Nascimento, na Livrododia Editores, estando neste momento a preparar originais para publicação em 2007.
Desde o início do ano de 2005 é gerente da Livraria Livrododia, Lda, uma empresa que se tem dedicado à promoção do livro e da leitura a partir do concelho de Torres Vedras, tendo uma alargada agenda de actividades na livraria, onde no primeiro ano já estiveram presentes diversos autores como Mia Couto, Luiz Ruffato, Gonçalo M. Tavares e José Afonso Furtado, entre outros. Para além da livraria vem desenvolvendo actividades como leituras de poesia e organização de feiras do livro em escolas do concelho. No plano editorial, tem dado destaque aos autores torrienses: para além do próprio Luís Filipe Cristóvão, foram editados livros de Ana Meireles e Jaime Batalha Reis. Nos próximos meses serão publicadas obras de João Carvalho Ghira e Vítor-Luís Grilo.






POEMAS

semanário

esta semana comecei um poema que fala de chuva e despedidaschávenas de chá e borras de café, olhares quentes e políciase girassóis e livros e comboios e telefonemas com três palavrase versos e poemas e músicas e abraços e insistências várias.esta semana comprei uma máquina de fazer olhares sensuaise despi o meu casaco de senhor doutor para te dar as boas noitese peguei num boné que era do meu avô e gritei golo algumas vezese fui ver o sol nascer no mar do lado de lá do lado de lá de mim.esta semana encontrei-te na rua e disse-te adeus em duas ocasiõesdancei desajeitado no corredor da minha casa desarrumadalavei os dentes catorze vezes e tomei banho outras setedormi sempre pouco e sempre mal com calor e dores de garganta.esta semana pensei que podíamos ficar apaixonados para semprea música que eu ouvi na rádio poderia repetir em continuidadeos dicionários podiam ser peças de armários onde nos encontrássemosas férias são uma estrada comprida com curvas e garrafas de água.esta semana fui às compras e trouxe, em sacos de plástico, requeijãopão fresco manteiga chourição guardanapos fígado de porcopatê cervejas arroz doce salame salsichas alfaces iogurtespapel higiénico bolos secos e uma revista de palavras cruzadas.esta semana a minha mãe não me falou e a minha avó faz anostodos os jornais trazem na capa jogadores de futebol e bandeirinhasum pneu do meu carro estava vazio e eu enchi-o antes de ir ver-tenão me acabou a gasolina a meio do caminho e fiquei contente.esta semana tu foste embora para dentro de um livro que eu escrevie os meus versos longos ficaram cheios de pedacinhos de tieu sorrio ao ver crescer os meus filhos que ainda não nascerame entretenho-me a ver desenhos animados e a mudar de calendário


assume o escritor

assume o escritor a sua condição de lavrador
levando os joelhos a terra, deixando que os dedos
mergulhem no mar castanho onde nascem as videiras.
não se pense, no entanto, que lhe são desconhecidas
as distâncias entre a enxada e a caneta.
o que o escritor lavra, neste gesto repetido,
é a comunhão do homem com a terra.

13.10.06

Hoje também falo de política

A política, ao contrário do que diziam os desiludidos da pátria nos finais do séc. XIX, não é a "grande porca". Ela é o mais nobre território do colectivo social porque é a organização da vida em comum. Alguém tem de se ocupar disso. E se são os menos aptos a fazê-lo é porque os mais aptos o permitem. E se estes o permitem por muito tempo, deixam de ser aptos porque se tornam ineficazes.
Penso nisto quando ouço as críticas ao actual governo. Elas tanto vêm da esquerda como da direita, o que pode significar uma coisa: este não é um bom governo para quem tem uma visão parcelar das coisas.
O grande problema é só um: o Estado não tem dinheiro suficiente para os encargos que todos nós lhe atribuímos e dele esperamos. E corta nas despesas. Só isso.
- Olha a novidade! Mas se não há dinheiro é porque o Estado não vai buscá-lo a quem o tem: os ricos, os bancos, as grandes empresas...
Pois é. Mas quem assim fala esquece que o problema central da sociedade capitalista em que vivemos é o de que o dinheiro não tem pátria, é volátil. Esquece que no tempo em que o dinheiro era físico, o rei podia tomar conta dele à força. Agora não. O dinheiro não existe, só existe o se estatuto social. Ele é um bem volátil, fugidio, que corre o mundo, em fuga, quando acossado por qualquer Estado.
Max disse com toda a razão: contra o capital sem pátria, só o proletariado internacionalmente organizado pode lutar. Fez-se a tentiva que, infelizmente, foi um fracasso.
Nas condições actuais Max diria: contra o capital sem fronteiras, só pode lutar um Estado dos cidadãos, também sem fronteiras. A União Europeia poderia ser o princípio disso mas os nacionalismos estreitos e curtos de vista não o entendem. Por isso ela não avança.
Sócrates governa bem?
Mas quem pode governar bem um país que estava à beira da bancarrota?
E depois da triste figura que fizeram Durão Barroso e Santana Lopes, depois da boa vontade generosamente inconsciente das consequências que foi Guterres, quem acredita que alguém da oposição possa fazer melhor?
Jerónimo de Sousa?
Marques Mendes?
Louçã?
Paulo Portas?
As manifestações são uma prova de cidadania e civismo. Mas alguém acredita que as suas razões se aguentam perante o estado a que chegou a nossa economia?
Os nossos gestores são um problema, é verdade. Mas que pode fazer o Estado? Mandá-los prender todos?
Isto não tem solução?
Se calhar não. Eu pelo menos não faço ideia nenhuma. E depois de ver o estrondoso fracasso da União Soviética - em que cheguei a acreditar, há muitos anos atrás! - não sei mesmo.
A não ser que se caminhe para o tal Estado Internacional dos cidadãos. E aqui já estou na utopia.
Pode ser que, daqui a 500 anos... ou mesmo 1000...

11.10.06

A MORTE DA ÁGUA







Perante estas imagens da foz do Cávado, em Esposende, fui à procura de um texto de Ruy Belo de que me lembrava. Encontrei-o muito perto d'aqueloutro que a Avelaneira Florida me oferecera há poucos dias num dos seus atentos comentários. Este texto pertence ao belíssimo livro de Ruy Belo, HOMEM DE PALAVRA(S).

Um dos passeios que mais gosto de dar é ir a esposende ver desaguar o cávado. Existe lá um bar apropriado para isso. Um rio é a infância da água. As margens, o leito, tudo a protege. Na foz é que há a aventura do mar largo. Acabou-se qualquer possível árvore genealógica, visível no anel do dedo. Acabou-se mesmo qualquer passado. É o convívio com a distância, com o incomensurável. É o anonimato. E a todo o momento há água que se lança nessa aventura. Adeus margens verdejantes, adeus pontes, adeus peixes conhecidos. Agora é o mar salgado, a aventura sem retorno, nem mesmo na maré cheia. E é em esposende que eu gosto de assistir, durante horas, a troco de uma imperial, à morte de um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou, que torneou obstáculos. Impossível voltar atrás. Agora é a morte. Ou a vida.