27.11.08

HERBERTO HÉLDER: obscura luminosidade

Página LUGAR ONDE no jornal BADALADAS em 24 Outubro 2008




Aventura radical da linguagem poética

Não é fácil a convivência com a obra deste autor, até porque ele foge ao convívio. Homem reservado, recusa a exposição mediática. Há muito que escolheu o silêncio contra o ruído social e os holofotes da fama. Nem mesmo quando foi distinguido, em 1994, com o maior galardão literário português – o Prémio Pessoa – H. Hélder transigiu, recusando até os sete mil contos do prémio. Snobismo? Quem o conhece diz que não. Trata-se de uma opção estética e ética. Veja-se o que diz o poeta: O prestígio é uma armadilha dos nossos semelhantes. Um artista consciente saberá que o êxito é prejuízo. Deve-se estar disponível para decepcionar os que confiaram em nós. Decepcionar é garantir o movimento. A confiança dos outros diz-lhes respeito. A nós mesmos diz respeito outra espécie de confiança. A de que somos insubstituíveis na nossa aventura e de que ninguém a fará por nós. De que ela se fará à margem da confiança alheia.

Ler H. Hélder é uma aventura. Muitos acusam-no de ser hermético, obscuro, temem a torrencialidade desta escrita que tanto se expressa em verso como em texto corrido. Mas a aventura está precisamente na capacidade para entrar nos seus textos com a mente livre e o coração aberto. (“Poesia: liberdade livre” – escreveu António Ramos Rosa…) É uma escrita que não tem paralelo, que cria um universo próprio – tal como acontece com toda a grande Arte dos nossos dias. Sem referente directo com o mundo real, cria outra realidade, isto é, enriquece o mundo.

CITAÇÕES
(...) um elemento recorrente na obra do poeta português: a concepção da criação lírica como uma atividade corporal, sangüínea, resultado do anseio pela expressão mais adequada, pela palavra que não existe – ou que, se existe, não está ao alcance do poeta.

A ressaltar apenas a recorrência de temas do amor carnal (‘o êxtase’, ‘o beijo’ etc.) e da natureza (‘a árvore’, ‘o pássaro’) – usuais na poética helderiana e representativos do sincretismo entre o físico e o transcendente que se dá no universo do poeta.

Se é ponto pacífico o fato de a leitura de um texto literário não deixar nenhum receptor indiferente, da poesia de Herberto Helder é impossível não se sair com um grande sentimento de inquietação, e, face à linguagem calculadamente caótica proposta pelo poeta, não apenas ver as palavras – e lembremos que a poesia helderiana é essencialmente sensorial (especialmente visual) – por se oporem umas às outras, mas sim em sua própria essência, em sua faceta material, em sua corporeidade. (...)

Antony Bezerra

A irredutibilidade desta poesia converge para a aglutinação total, transgredindo os cânones da tradição e ultrapassando as fronteiras. Poesia decisiva e órfã, a insubmissão de Herberto Helder é única. Poeta sábio e lúcido, a sua obra faz-se distante das luzes dos acontecimentos, sob a égide da "solidão essencial" proclamadapor Blanchot(…)
Jorge Henrique Bastos

[ O grande poema O AMOR EM VISITA pode ser lido AQUI ]




RETRATO ESCRITO



Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira, nasceu a 23 de Novembro de 1930 no Funchal, ilha da Madeira, no seio de uma família de origem judaica. Em 1946, com 16 anos, viaja para Lisboa para freqüentar o 6º e o 7º ano do curso liceal. Em 1948, matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra e, em 1949, muda para a Faculdade de Letras onde freqüenta, durante três anos, o curso de Filologia Romântica, não tendo terminado o curso. Três anos mais tarde regressa a Lisboa, começando por trabalhar durante algum tempo na Caixa Geral de Depósitos e depois como angariador de publicidade, sendo que durante este tempo vive, por razões de ordem vária e pessoal, numa «casa de passe».
Em 1954, data da publicação do seu primeiro poema em Coimbra, regressa à Madeira onde trabalha como meteorologista, seguindo depois para a ilha de Porto Santo. Quando em 1955 regressa a Lisboa, freqüenta o grupo do Café Gelo, de que fazem parte nomes como Mário Cesariny, Luís Pacheco, António José Forte, João Vieira e Hélder Macedo. Durante esse período trabalha como propagandista de produtos farmacêuticos e redactor de publicidade, vivendo com rendimentos baixos. Três anos mais tarde, em 1958, publica o seu primeiro livro, O Amor em Visita. Durante os anos que se seguiram vive em França, Holanda e Bélgica, países nos quais exerce profissões pobres e marginais, tais como: operário no arrefecimento de lingotes de ferro numa forja, criado numa cervejaria, cortador de legumes numa casa de sopas, empacotador de aparas de papéis e policopista. Em Antuérpia, viveu na clandestinidade e foi guia dos marinheiros no sub mundo da prostituição.
Repatriado em 1960, torna-se encarregado das bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, percorrendo as vilas e aldeias do Baixo Alentejo, Beira Alta e Ribatejo. Nos dois anos seguintes publica os livros A Colher na Boca, Poemacto e Lugar. Em 1963 começa a trabalhar para a Emissora Nacional com redactor de noticiário internacional, período durante o qual vive em Lisboa. Ainda nesse mesmo ano publica Os Passos em Volta e produz A máquina de emaranhar paisagens. Em 1964 trabalha nos serviços mecanográficos de uma fábrica de louça, datando desse ano a sua participação na organização da revista Poesia Experimental. Nesse ano reedita ainda Os Passos em Volta, escreve «Comunicação Acadêmica» e publica Electronicolírica. Em 1966 participa na co-organização do segundo número da revista Poesia Experimental e no ano seguinte publica Húmus, Retrato em Movimento e Ofício Cantante. Data de 1968 a sua participação na publicação de um livro sobre o Marquês de Sade, o que o leva a ser envolvido num processo judicial no qual foi condenado. Porém, devido às repercussões deste episódio consegue obter suspensão de pena, fato este que não conseguiu evitar que fosse despedido da Rádio e da Televisão portuguesas. Refugia-se na publicidade e, posteriormente, numa editora onde desempenha o cargo de co-gerente e director literário. Ainda nesse ano publica os livros Apresentação do Rosto, que foi suspenso pela censura, O Bebedor Noturno e ainda Kodak e Cinco Canções Lacunares.
Em 1970 viaja por Espanha, França, Bélgica, Holanda e Dinamarca, publicando nesse ano a terceira edição de Os Passos em Volta e escreve Os Brancos Arquipélagos. Em 1971 desloca-se para Angola onde trabalha como redactor numa revista. Enquanto repórter de guerra é vítima de um grave desastre tendo que ser hospitalizado durante três meses. Data ainda desse ano a publicação de Vocação Animal e a produção de Antropofagias. Regressa a Lisboa e parte de novo, desta vez para os E.U.A., em 1973, ano durante o qual publica Poesia Toda, obra que contém toda a sua produção poética, e faz uma tentativa frustrada de publicar Prosa Toda. Em 1975 passa alguns meses na França e Inglaterra, regressando posteriormente a Lisboa onde trabalha na rádio e em revistas, meios restritos de sobrevivência económica. Em 1976, Herberto Helder participa na edição e organização da revista Nova que, sendo posterior à revolução de 25 de Abril de 1974, reconhecia na Literatura portuguesa características que a aproximaram às Literaturas latino-americana, africana e espanhola, declinando uma direcção literária revolucionária cuja actividade não ultrapassou o plano teórico devido à instabilidade política portuguesa que se fazia sentir na altura. Nos anos que se seguiram publicou as obras Cobra, O Corpo, O Luxo, A Obra e Photomaton e Vox. A última referência encontrada da instabilidade biográfica de Herberto Helder referia-se ao fato de o poeta ter abandonado todas as suas anteriores actividades e de viver no mais cioso dos anonimatos.

Texto biográfico publicado no site daUniversidade Nova de Lisboa - FCSHCentro de Investigação para Tecnologias Interativas