26.2.07

Um filme comovente







Entrei pela madrugada com «Diários de Che Guevara». Não tenho palavras. Pedi-as emprestadas a quem tão bem (d) escreveu este filme belísssimo:








DIÁRIOS DE CHE GUEVARA


Deixa o mundo mudar-te, e podes mudar o mundo!


«Diários de Che Guevara», que teve a sua estreia mundial em 2004, no Festival de Sundance, onde foi recebido com uma ovação em pé por parte dos espectadores, segue duas pessoas quando estas descobrem a rica e complexa topografia social e humana do continente americano latino. Em 1952, dois jovens argentinos, Ernesto Guevara (Gael García Bernal) e Alberto Granado (Rodrigo de la Serna), partiram numa viagem de estrada para descobrir a verdadeira América Latina. Ernesto é jovem de 23 anos estudante de medicina especialista em leprologia, e Alberto, de 29 anos, é bio-químico. Com um romântico sentido de aventura, os dois amigos deixam os seus confortáveis ambientes familiares em Buenos Aires em cima da motocicleta de Alberto, uma 1939 Norton 500, que recebe a alcunha "La Poderosa". Embora a motocicleta se avarie durante a sua jornada, eles continuam com recurso à boleia. À medida que se afastam cada vez mais da familiar e confortável Buenos Aires, os dois amigos tornam-se próximos como irmãos, unidos pela crença no progresso e no que a ciência e a medicina podem fazer pela região. Começam a conhecer uma diferente América Latina, através das pessoas que encontram na estrada, ao mesmo tempo que a variada geografia que encontram, de montanhas a desertos, de complacentes ricos a pessoas de pobreza extrema, começa a reflectir as suas próprias perspectivas em mudança. De mineiros sem casa a prostitutas de barco, de vítimas de lepra a pessoas prósperas, Ernesto e Alberto descobrem uma afinidade para a humanidade neles, e uma determinação para mudar o mundo. Durante a viagem de 8 meses e 8 mil quilómetros, partindo da Argentina, seguindo através dos Andes para o Chile, passando pelo deserto de Atacama para o Peru, em direcção a uma colónia de leprosos, até chegar à Venezuela, eles sobem às alturas de Machu Picchu, onde as majestosas ruínas e o extraordinário significado da herança Inca, destruída pelos invasores espanhóis, lhes causa um profundo impacto. Quando chegam à colónia de lepra de San Pablo, localizada nas profundezas da Amazónia peruana, os dois jovens começam a questionar o valor do progresso que é definido por sistemas económicos que deixam tantas pessoas na pobreza extrema e as oprime. As suas experiências na colónia despertam neles os homens que eles irão tornar-se mais tarde, ao definir a jornada política e ética que vão seguir nas suas vidas.





«OS DIÁRIOS DE CHE GUEVARA»

Belíssimo exemplo da viagem iniciática que deixa uma marca indelével na alma dos viajantes. Contornando o comercialmente aproveitador e erróneo título português, chegamos a um filme que conta a odisseia de Alberto e Ernesto através da América do Sul, maioritariamente feita na motocicleta que de poderosa só a ironia tinha. Contada com enorme sensibilidade humana (o desenvolvimento da amizade entre os dois e a consciência social larvar) e cromática (excelente a fotografia de Eric Gautier - e que paisagens recorta), esta história revela o estado das coisas numa América Latina artificialmente dividida pela política e pelos estratos sociais. São muito injustas algumas leituras do filme à luz de preconceitos políticos alicerçados na figura que se viria a tornar o Ernesto Guevara deste filme (o Che); leituras essas que, na minha opinião, turvam a visão daquilo que esta fita tem de essencial e que não é nada de panfletário. Mas ao contrário de muitas opiniões, considero este um filme altamente político. Não o serão todos os verdadeiros grandes filmes? Que outra forma igualmente potente existe de ser político do que ir ao âmago da consciência humana? Os actores têm um óptimo desempenho: se Garcia Bernal se cimenta como estrela latina maior da Meca do cinema, Rodrigo de la Serna é uma deliciosa revelação como o amigo Alberto Granado (de quem vislumbramos o rosto real na actualidade no final do filme - e os olhos que misturam desencanto com uma réstea de utopia). Referência final para o extraordinário epílogo a preto e branco condensando os retratos humanos daquela América sofredora, nitidamente influenciado pelo trabalho fotográfico de Sebastião Salgado.

Jorge Silva avidanaoeumsonho.blogspot.com




24.2.07

Vítor-Luís Grilo: novo livro






Intitula-se MEMÓRIA DE AGOSTO. Lançamento na Cooperativa de Comunicação e Cultura, hoje, às 17.30 H. Livrinho pequeno no formato mas com poemas intensos. Vítor dedica-o à memória de Ana Maria, sua mulher, que morreu repentinamente em Agosto de 2005.



TU FOSTE O INÍCIO

Ao sentir
penso em ti
e nas limpas madrugadas.
Tu foste o início.
Em ti se concentraram
palavras urgentes,
como trabalho ou vida.
A murta e o orégão
perfumam a casa.
Em sons de afecto escuto o vento.
À noite.


Acordar com um poema na cabeça...

Acontece! Abrir os olhos, de manhã e correr a procurar o poema que um dia se leu e ficou num desvão da memória. Com a Sophia este fenómeno é recorrente. Encontrei:

BRISA

Que branca mão na brisa se despede?
Que palavra de amor
A noite de Maio em si recebe e perde?

Desenha-te o luar como uma estátua
Que no tempo não fica

Quem poderá deter
O instante que não pára de morrer?








Vermeer conseguiu captar esse instante...

23.2.07

Zeca Afonso - Memórias de um artista cidadão

A minha pequena homenagem ao Zeca.

Zeca Afonso morreu há vinte anos.




Já passaram 20 anos! Recordo o funeral, em Setúbal, com uma enorme multidão e a nossa certeza de que o mundo iria ficar mais frio, mais pobre.

Com a devida vénia, transcrevo ( e subscrevo! ) as palavras de "O Jumento", sobre José Afonso:

Pelos seu sonhos e utopias porque vivemos tempos em que deixou de haver espaço para sonhar, as ideologias implodiram e a grandeza dos projectos políticos é medida pela reacção do PSI20. Talvez os tempos sejam outros, talvez a esquerda do Zeca tenha dado lugar a uma outra que é tanto melhor quanto mais eficaz for a aplicar o que a direita não conseguiria implementar, talvez o mundo já não seja o do Zeca Afonso, mas esse mesmo mundo está carente da generosidade, da ética, do desinteresse de muitos homens do tempo do Zeca, de muitos que estavam ao seu lado e de outros tantos que partilhando muitos dos seus valores estariam do outro lado.

Concorde-se ou não com as suas utopias, Zeca Afonso deixou-nos um legado de grandeza humana, de generosidade e de ética política que à medida que o país se dissolve na pequenez de muitos dos que se diz serem a classe política se agiganta cada vez mais. Para além de um grande poeta cantor, Zeca Afonso foi um dos grandes homens do seu tempo, um tempo em que havia homens grandes.

Tenho saudades do Zeca Afonso, da liberdade de sonhar, do prazer de se poder ter utopias, dum país onde os valores eram mais importantes que a percentagem do PIB que viaja no avião do primeiro-ministro e onde havia mais igualdade por maiores que fossem as desigualdades.

21.2.07

Vale mais tarde...

Pela primeira vez: Praia do Castelejo, no concelho de Vila do Bispo (Algarve), já na costa vicentina, litoral oeste. A foto não diz o quão belo é o lugar.

E o peixe fresco no restaurantezinho lá do sítio?
E os amigos que lá me levaram?


15.2.07

SOPAS DE PEDRA




É uma iniciativa do Arquivo Municipal e do Museu Municipal Leonel Trindade. A ideia é reunir à volta de um jantar nos Claustros do Convento da Graça pessoas interessadas nos assuntos que se anunciam:

Dia 9 de Março: «Águas limpas...Águas sujas»

Dia 16 de Março: «A simbologia monumental da água»

Dia 23 de Março: «O chafariz dos Canos»

Em cada dia estará presente um convidado que fará uma exposição inicial.

Inscrições no Arquivo Municipal. 10 € / refeição. Inscrição para os três jantares: 25 €.

Ninguém me encomendou a publicidade. Mas como acho que vale a pena...

OS MENINOS DA AVÓ

É o título de um blogue que tem a paixão da divulgação de boa literatura. Sediado em Sintra, organiza encontros sobre autores e textos literários.
Um dia destes faço-me convidado.

Transcrevo um belo texto de Vinícius de Morais, que dedico aos amigos que por aqui passam:


Procura-se um amigo

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Vinicious de Moraes

OS GUARDADORES DO TEMPO







António Augusto Sales escreveu uma magnífica crónica sobre a vida cultural de uma pequena cidade de província ao longo do séculos XIX e XX, Torres Vedras. Propunha-se abordar apenas a história do teatro amador mas a consulta exaustiva da imprensa local e documentação avulsa fê-lo alargar o horizonte. O resultado é este livro que é o oposto dos ( por vezes...) enfadonhos ensaios históricos para especialistas. A.A. Sales escreve como um repórter de rua que dá conta de uma fantástica viagem no tempo. Ele esteve lá e narra o que viu!

A edição, lançada em Janeiro de 2007, é da Câmara Municipal de Torres Vedras e faz parte da colectânea "H - Linhas de Torres", constituída por estudos sobre a História torriense. Este já é o número 8 da colecção, a não perder por quem gosta de História Local. E que belo título: OS GUARDADORES DO TEMPO.

14.2.07

AINDA O MARCELO ... salvo seja.

Houve quem não gostasse do que escrevi há tempos sobre o Conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa.
Então leia este pedaço de prosa que saíu há dias no jornal «Público», da autoria da Helena Matos. Parece que há mais gente a ficar farta daquela "banha da cobra" que ele vende semanalmente na televisão pública...


«Depois de termos sobrevivido à desilusão de percebermos que a saudade não é um exclusivo nacional, que não existem linces na Malcata e que já nem somos os únicos a cozinhar bacalhau, consola-nos descobrir que temos um novo ícone da singularidade lusa: o professor Marcelo. Como bem se percebe, o professor Marcelo nada tem a ver com o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa. O professor Marcelo não é uma pessoa. É um posto. Os romanos, povo de sentido indiscutivelmente prático - quem senão eles poderia chamar Primeiro, Segundo ou Terceiro aos filhos? -, acharam por bem criar um cargo que, à falta de mais pacífica designação, adquiriu o nome de quem o ocupava. Falo obviamente dos césares. Portugal não é o Império Romano, logo não falamos de césares e pretorianos mas sim do que disse o professor Marcelo, essa espécie de holograma que ora nos narra tudo o que fez nos últimos sete dias - e esse tudo implica pelo menos um concerto na Baviera e uma palestra em terras de Basto, uma aula sobre Direito em Luanda, três pareceres, duas apresentações de livros e um jogo de futebol - ora nos enreda nas voltas e contravoltas do seu raciocínio tão narcísico quanto hiperactivo. Nas palavras do professor Marcelo os crimes não têm pena e o "não" passa a "sim". Mas nada disto importa porque o professor Marcelo usa as palavras como outros deitam cartas. Mais do que o explicador de Portugal ao povo e às crianças, ele é o grande ilusionista da nação.» [Público]

12.2.07

A TASCA DO VENCESLAU




A começar pelo nome: era uma tasca a sério.Cheirava a óleo de fritar, tinha balcão corrido, barris com o preço do vinho marcado a giz. Vinha sempre alguém lá de dentro a enxugar as mãos ao avental. Havia pratinhos sobre o balcão com petiscos caseiros.
Noutra fase mais adiantada chegou a vender fruta, que sabia a quintal regado com água de poço velho.
Tinha cartões para perfurar, o último furo dava direito a bola de futebol ou garrafa de brandy manhoso. Pelo caminho iam saindo espelhos de bolso, canivetes, lapiseiras...
O tinto era bom mas o branco era sempre "especial". Puro ou traçadinho de gasosa, empurrão ideal para sandes de coiratos ou jaquinzinho com molho à espanhola.

Estava fechada há anos. Mas a construção lembrava ainda como era aquela rua no início do século: casa térrea, telhado já abaulado pelas vigas empenadas, ervas entre as telhas, cantarias grossas.
Ainda tínhamos a vaga esperança de que alguém pegasse naquilo - nem nos importávamos que pusesse balcões novos de alumínio e fórmica.

Mas foi abaixo. Uma manhã destas corropiavam por lá uns camiões pesados que levavam o que uma feia máquina escavadora lhes despejava no dorso. A tasca do Venceslau desaparecia às carradas.

Há-de nascer ali mais um hino à construção civil, o "Venceslau Building", por exemplo, para irmanar com o "Serpa Pinto Plaza" e o "Edifício Twins", tudo made in Torres Vedras, perdão, Old Towers City...



- Ó Alzira, sai uma elegia com molho de escabeche!!!


ELEGIA POR UMA TASCA

Mágoas curtiste muitas
E desalentos tamanhos
afogados em penaltes de tinto
Ali à beira dos passantes
tão fácil entrar e pedir
- “um copo de três!”

Tanta vez consolaste
Tristezas insolúveis
Porém dissolvidas nos taninos
Oportunamente emborcados
Em desespero de causa.

Tasca taberna
santuário de dor
e de euforia

Muito mais eu diria
Se pudesse ainda
Entrar-te,
ó tasca do Venceslau !

11.2.07

O BARRETE

Está na rua.
Pode-se perguntar: que tem a ver a Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras com estas brincadeiras?

Tem muito a ver. O Carnaval é uma tradição antiga - e saudável! - em Torres Vedras. E um dos aspectos mais significativos é a participação de TODOS nessa festa. A ideia é não haver espectáculos encomendados, textos oficiais, brasileirices para chamar gente. Há que defender os espaços alternativos e a criatividade vinda de todos os lados e tendências. A ideia de criar uma revista de humor como O BARRETE foi a de oferecer a tal alternativa à revista "oficial" da Comissão de Carnaval. Onde fosse possível criticar, brincar com...,sobretudo com os autarcas. Claro, respeitamos o seu trabalho numa perspectiva de cidadania, mas não o sacralizamos. E achamos saudável criticar.

(Queria colocar a imagem da capa mas os "donos" do servidor andam distraídos. Talvez amanhã...)

Já percebi porque não aparecia a imagem: parece que tem "megas" a mais.
Sai imagem a preto e branco!!


RECORDAR FERNANDO ASSIS PACHECO

Na Casa Fernando Pessoa, a Campo de Ourique. Francisco José Viegas, seu director, organizou um ciclo de encontros sobre F. Assis Pacheco. Justificou:

«Não poderíamos esquecê-lo porque era uma das nossas vozes. Sobretudo neste mês em que se festejaria o seu 70º aniversário. Por isso a Casa Fernando Pessoa reúne os seus amigos e leitores para assinalar a data - justamente Campo de Ourique, o bairro onde viveu e um dos lugares da sua poesia.Não se trata de uma comemoração, porque F. A.Pacheco havia de detestá-la. Coisa mais informal, mais a gosto de quem gosta de falar, de ouvir - e de ler a sua poesia ou de recordar a s suas histórias.»





A imagem, irreverente, vem publicada no livro póstumo editado pela Assírio & Alvim RESPIRAÇÃO ASSISTIDA,Lisboa,, 2003 - cinco anos depois da morte do poeta.

Mas lembrar o poeta é, sobretudo, ler a sua poesia.

SONETOS
2.

Os trabalhos de amor são os mais leves
de quantos algum dia pratiquei
na cama as alegrias fazem lei
e se me queixo é só de serem breves

eu vivo atado às tuas mãos suaves
num nó de que este corpo já não sai
ferve o arco do sol a tarde cai
ardem voando pelo céu as aves

mágoas outrora muitas fabriquei
e em países salobros jornadeei
ao dorso das tristezas almocreves

a vez em que te amei um outro fui
comigo fiz a paz nada mais dói
e os trabalhos de amor nunca são graves

Fernando Assis Pacheco


O ciclo prossegue no dia 15 de Fevereiro, 21h30, com a presença de Fernando J.B. Martinho, Abel Barros Baptista e Pedro Tamen. A 26 de Fevereiro estarão presentes José Carlos de Vasconcelos e Rogério Rodrigues. A leitura de poemas será regra em todos os encontros.
No fim - oh! simpatia - bebe-se um tinto especial. F. Assis Pacheco era um homem de copos demorados e solidários.

Estive lá, com alguns bons amigos.Nunca tinha entrado na Casa Fernando Pessoa. Agradabilíssima surpresa. Foi toda recosnstruída, mantendo-se apenas o espaço onde era o quarto de F. P. e onde se guarda ainda a sua máquina de escrever e a célebre cómoda onde escreveu "O Guardador de Rebanhos". O resto é um conjunto de espaços amplos com biblioteca, sala de conferências e salas de exposições. Na Rua Coelho da Rocha, nº 16.

6.2.07

ABBÉ PIERRE

O Dº Notícias publicou um artigo sobre o Abbé Pierre que vale a pena ler. Autor: O P. Anselmo Borges.

Numa época de radicalismos catolicistas acantonados no movimento NÃO (referendo sobre a despenalização do aborto ), ler este artigo é uma lufada de ar fresco e a garantia de que a inteligência está viva entre os crentes.
Não resisto a transcrever uma parte:


O abbé Pierre era há muito a figura mais popular entre os franceses. A França pôs luto pela sua morte. A missa do funeral foi transmitida pela televisão e à última homenagem compareceram o Presidente, o primeiro-ministro e praticamente todo o Governo.

Nasceu em 1912 em Lyon. Aos 19 anos, entrou nos Franciscanos Capuchinhos. Durante a ocupação nazi, viveu na clandestinidade, ajudando judeus e resistentes. Foi deputado de 1945 a 1950. Criou em 1949 a primeira comunidade Emaús, ao serviço dos sem-abrigo e dos mais desfavorecidos - o termo faz alusão ao passo do Evangelho que narra a aparição de Cristo ressuscitado aos dois peregrinos de Emaús, que o acolheram em casa. A partir de 1971, o movimento alcançou dimensão planetária - os Companheiros de Emaús actuam em 40 países.

Com a guerra, a França ficou devastada. Se a partir de 1952 o crescimento económico se acelerou extraordinariamente, as desigualdades eram profundas no plano social e notórias sobretudo ao nível do alojamento. O Inverno de 1954 foi particularmente duro, tendo sido nesse contexto que o abbé Pierre lançou o famoso apelo radiofónico de 1 de Fevereiro a favor dos sem-abrigo, que desencadearia o que chamou uma "insurreição da bondade". Nos centros de acolhimento, lia-se: "Tu que sofres, sejas quem fores, entra, dorme, come, retoma a esperança, aqui, és amado."

Era um padre de oração e de acção a favor dos pobres e da dignidade. Dele disse o Presidente francês: "Representará sempre o espírito de revolta contra a miséria, o sofrimento, a injustiça, e a força da solidariedade."

Era um homem de espírito livre e crítico, mesmo no domínio da fé. No seu último livro, Meu Deus, Porquê?, ousa perguntar a Deus até quando vai durar esta tragédia do incrível sofrimento humano. Declara que a concepção expiatória da morte de Cristo é "horrível", pois levou também ao dolorismo, "uma abominação e uma caricatura da vida cristã". Depois de confessar que teve relações sexuais com mulheres, embora "de forma passageira", coloca "a questão crucial para a Igreja do casamento dos padres e da ordenação de homens casados", esperando que Bento XVI permita a comunhão aos católicos divorciados recasados. Porque não utilizar a palavra "aliança" para os casais homossexuais, que "viveram frequentemente o seu amor na exclusão e na clandestinidade"? A ordenação das mulheres é "muito provável" e "desejável".

Considerava "absurdo" que Deus apenas se revelasse e salvasse a pequeníssima parte da humanidade constituída pelos baptizados. Nada permite afirmar que o inferno existe. Defensor da laicidade, opunha-se ao regime de "cristandade" e pensava que "o papado reflecte ainda o rosto do papa-imperador", sendo necessário "libertar a Igreja da tutela romana sobre todas as Igrejas locais". Lembrando as "cruzadas" e os seus efeitos, alertou para o perigo de "responder à terrível provocação dos terroristas da Al-Qaeda com uma nova cruzada".

Admirador de Teilhard de Chardin, que soube reconciliar a visão cristã com a teoria evolucionista, sonhava com a capacidade da Teologia para reler e reinterpretar, por exemplo, a doutrina do "pecado original" ou a "transubstanciação" - palavra "um pouco bárbara" -, a substituir por "Presença". Afinal, "as coisas últimas só em linguagem poética se podem dizer".

Tinha como lema: "Viver é aprender a amar", punha a compaixão "no cume das virtudes" e definia a morte como "o encontro com o Absoluto, o Eterno". Para ele, foi em 22 de Janeiro de 2007, aos 94 anos.

5.2.07

CAMINHAR

Um amigo desconhecido levou-me até algumas memórias longínquas. Caminhei através do labirinto e encontrei outros vestígios. Como esta canção que tentei juntar ao blogue. Consegui apenas uma ponte, para quem quiser atravessar.

Caminhando, vou aprendendo a comunicar...

YouTube - Georges Moustaki et Barbara - La dame brune

YouTube - Georges Moustaki et Barbara - La dame brune

4.2.07

HOMENAGEM

O meu dia começou da melhor maneira: alguém fez um comentário e eu corri a ler. Vinha de um blogue que recomendo vivamente: «http://fliscorno.blogspot.com/»

Lá encontrei o velho Georges Moustaki e duas das suas imortais criações.
Visitem e deliciem-se. Nos links para outros blogues encontrarão o ANTEROIZÓIDE" do "nosso" Antero Valério.
Como aperitivo aqui fica "Ma solitude".

Obrigado "Raposa Velha"!

PS. E já agora: não desista de alimentar o seu blogue. Pode não alterar o pobre país em que vivemos mas altera sua relação com ele; isto é: mantém-no vivo, atento, crítico. E a pouco e pouco isto vai mudando.
Veja o referendo: a campanha do "Não" parece uma coisa fossilizada, de outras eras. E há vinte anos não era assim...



MA SOLITUDE

Pour avoir si souvent dormi
Avec ma solitude
Je m'en suis fait presqu'une amie
Une douce habitude
Elle ne me quitte pas d'un pas
Fidèle comme une ombre
Elle m'a suivi ça et là
Aux quatre coins du monde

Non, je ne suis jamais seul
Avec ma solitude

Quand elle est au creux de mon lit
Elle prend toute la place
Et nous passons de longues nuits
Tous les deux face à face
Je ne sais vraiment pas jusqu'où
Ira cette complice
Faudra-t-il que j'y prenne goût
Ou que je réagisse?

Non, je ne suis jamais seul
Avec ma solitude

Par elle, j'ai autant appris
Que j'ai versé des larmes
Si parfois je la répudie
Jamais elle ne désarme
Et si je préfère l'amour
D'une autre courtisane
Elle sera à mon dernier jour
Ma dernière compagne

Non, je ne suis jamais seul
Avec ma solitude
Non, je ne suis jamais seul
Avec ma solitude