27.5.11

CAFÉ COM FILMES - Uma história de infância



Hoje era o dia de "CRIANÇAS INVISÍVEIS", coletânea de sete curtas-metragens de sete realizadores.
"Mas as crianças, senhor/ Porque lhes dás tanta dor..."


Antes houve o desafio de uma canção. Dois jovens, uma curta história e uma viola em toque elementar.
No fim a deixa, olhando para mim: "O senhor... sim, o senhor: conte-nos uma história da sua infância..."

Entupi. Mas recompus-me, com a recordação daquela história que ficou sepultada lá para trás e voltou hoje à vida, inesperadamente. Contei:

Teria cinco ou seis anos, sei que ainda não andava na escola. Gostava de remexer em gavetas, por baixo da roupa encontrava quase sempre coisas inesperadas. Naquele dia encontrei um pedaço de papel colorido, com uma textura desconhecida. Brilhante, cheio de imagens e números, pintado dos dois lados. Guardei-o no bolso, saí do quarto em bicos de pés e fui à procura de um lugar seguro para guardar aquele papelinho maravilhoso. Numa das paredes do quintal, num sítio esconso, havia um buraco no tijolo. O papelinho lá ficou, muito enrolado.

Dois ou três dias depois não percebi o rebuliço que se levantou lá em casa. Alguma coisa importante tinha desaparecido. Os adultos, numa inquietação desusada, interrogavam-se mutuamente, num crescendo de desespero. Até que alguém se lembrou de me perguntar se eu tinha visto uma nota de 500$00?
Um papelinho às cores dos dois lados?
Sim, era uma nota, era dinheiro, era muito dinheiro.

Tive de revelar o sítio do meu tesouro sem perceber onde estava a gravidade da minha maldade. Não me bateram mas ainda hoje sinto a injustiça dos ralhos violentos que se repetiram ao longo de muitos dias.

Como é que eu hoje me fui lembrar disto?

21.5.11

MANUEL ANTÓNIO PINA, PRÉMIO CAMÕES 2011- Lugar Onde nº 106


Semanário Badaladas em 20 MAIO 2011




AINDA BEM QUE HÁ PRÉMIOS LITERÁRIOS…
PARABÉNS, MANUEL ANTÓNIO PINA!


A notícia apanhou muita gente desprevenida: Manuel António Pina (MAP) foi distinguido com o prémio Camões 2011, o mais alto galardão literário da Língua Portuguesa, instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil e que se aplica a autores do espaço da lusofonia pelo conjunto da sua obra. Se pensarmos que, dos portugueses já premiados, fazem parte Miguel Torga, Virgílio Ferreira e José Saramago, entre outros, a atribuição deste ano é surpreendente. Nem a dimensão da obra nem a qualidade dela parecem do mesmo plano desses consagrados autores. Contudo, o júri, reunido no Rio de Janeiro, foi unânime e esse facto desafia o nosso preconceito.

Olhemos então esta obra: tem início em 1973 e abrange vários géneros: infanto-juvenil, poesia, crónica, teatro e ensaio, num total de 38 títulos; e foi reconhecida por 9 prémios, entre os quais o prestigiado “Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores”.

E se nos aproximarmos mais daremos conta do rigor e da originalidade de uma voz que ressoa nas suas páginas, interrogando o enigma do tempo que passa e o sentido essencial da existência humana. Eduardo Prado Coelho escreveu: Seja nos seus poemas, seja nos textos que nos oferece no âmbito do que se pode chamar «literatura para as crianças», seja ainda no teatro, Manuel António Pina é certamente um dos nomes fun­damentais da actual literatura portuguesa.” (ver: A Poesia Ensina a Cair, 2010, p.87)

Procuremos os seus livros, leiamos a sua poesia. Manuel António Pina não nos desilude. Por mais redutores e injustamente selectivos que sejam, ainda bem que há prémios literários…


                                                                                        ***

OBRA

Manuel António Pina nasceu no Sabugal (Guarda) em 1943. Licenciado em Direito. Poeta, autor de livros infanto-juvenis, tradutor, cronista, dramaturgo e jornalista profissional com passagem pelos títulos mais prestigiados da imprensa portuguesa, e também pela rádio e televisão. Foi professor da Escola Superior de Jornalismo do Porto e membro do Conselho de Imprensa.
38 títulos publicados e 9 prémios literários. De índole discreta, a sua obra tem-se afirmado pela qualidade e originalidade, sem concessões ao populismo fácil.

                                                                               ***

CITAÇÕES

«O escritor Manuel António Pina ganhou o Prémio Camões. E, de repente, eis-me reconciliado com a justiça deste tempo. Poeta enorme, escritor incomparável, camarada indomável, jornalista e cronista de estalo, o Pina tem a justa recompensa em vida por um percurso original, digno e desafiador. Brindo a isto numa altura em que Portugal, pelos vistos, apenas se avalia em dívida ou em Dublin.» (Miguel Carvalho, jornalista, in http://adevidacomedia.wordpress.com/ em 12 Maio 2011)
«Independentemente de à poesia pouco mais ser dado dizer do que o silêncio do mundo (silêncio que é, na língua, abertura ao sentido e sentido aberto), ela pode constituir uma espécie de epifania sem revelação daquilo que talvez saibamos sem sabermos que o sabemos.”(M. A. Pina, entrevista à revista brasileira Agulha, 2003)
                                                                                    ***



POEMAS DE MANUEL ANTÓNIO PINA

ARTE POÉTICA

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?

                                *
LUZ

Talvez que noutro mundo, noutro livro,
tu não tenhas morrido
e talvez nesse livro não escrito
nem tu nem eu tenhamos existido

e tenham sido outros dois aqueles
que a morte separou e um deles
escreva agora isto como se
acordasse de um sonho que

um outro sonhasse (talvez eu),
e talvez então tu, eu, esta impressão
de estranhidão, de que tudo perdeu
de súbito existência e dimensão,

e peso, e se ausentou,
seja um sonho suspenso que sonhou
alguém que despertou e paira agora
como uma luz algures do lado de fora.

*

COMPLETAS

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


                                                                                     ***

SENTIDO MISTERIOSO

«Encheu os pulmões de ar fresco e pensou: «Deve ser isto a alegria. Que estranho sentimento! De repente, fiquei de bem comigo, como se estivesse zangado e tivesse feito as pazes comigo.» E recordou-se então de quando era criança, e a mãe, à noite, antes de adormecer, lhe aconchegava os lençóis e se debru­çava sobre ele para lhe dar um beijo. «Há quanto tempo não me lembrava de minha mãe!», murmu­rou. E, sem saber porquê (que bem que se sentia por não saber finalmente qualquer coisa!), tudo à sua volta, o mundo, a vida, ele próprio, lhe pareceu então fazer sentido, um sentido claro e misterioso que ele, que sabia tudo, não conseguia entender, mas sentia dentro de si como se tivesse encontrado uma coisa que há muito perdera e de que já se esque­cera.» (M. A. Pina, HISTÓRIA DO SÁBIO FECHADO NA SUA BIBLIOTECA, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009)





17.5.11

O PAÍS PERDIDO


Venerando de Matos e a sua evocação do país perdido da infância.
A ler AQUI.

6.5.11

FELICIDADE



«Procuremos, pois, manter-nos de boa saúde, não ter quaisquer preconceitos, ter paixões, pô-las ao serviço da nossa felicidade, substituir as nossas paixões por gostos, conservar preciosamente as nossas ilusões, ser virtuo­sos, nunca nos arrependermos, afastar de nós as ideias tristes e nunca permitir ao nosso coração conservar uma centelha de gosto por alguém cujo gosto diminua e que deixe de amar-nos. Por pouco que envelheçamos, um dia seremos forçados a abrir mão do amor, e esse dia deve ser aquele em que o amor já não nos faça felizes. Pensemos, enfim, em cultivar o gosto pelo estudo, esse gosto que faz depender a felicidade apenas de nós pró­prios. Ponhamo-nos ao abrigo da ambição e, sobretudo, cuidemos bem de saber o que queremos ser; decidamo-nos sobre o caminho que queremos seguir para passar a nossa vida e procuremos semeá-lo de flores.»
(in: Discurso sobre a felicidade, Madame du Châtelet (1706-1749))

4.5.11