27.3.18






«E agora a morte não existe. Deus não existe, a vida eterna não existe. Uma luzinha e depois a escuridão!» 
(Raul Brandão, Húmus)

26.3.18

ARQUIMEDES DA SILVA SANTOS




A Universidade de Lisboa, sob proposta do Instituto de Educação, vai atribuir o grau de Doutor Honoris Causa a Arquimedes da Silva Santos, no próximo dia 27 de Março e 2018, pelas 11h30, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa.
 Arquimedes da Siva Santos é apadrinhado pelo Prof. Sampaio da Nóvoa.


ARQUIMEDES DA SILVA SANTOS (n. 1921)
(Nota biográfica divulgada pela UL)

Cidadão antifascista, preso político torturado pela PIDE e condenado pelo Tribunal Plenário da Ditadura do Estado Novo, é um poeta, professor e pedopsiquiatra. Um homem de grande craveira intelectual, multidimensional, com intervenção em diferentes áreas: cívica, política, artística, científica e educativa. Propôs um conceito, ao seu tempo inovador, de relação entre a Pedagogia e a Arte. Foi na área da Pedagogia que mais se destacou no Centro de Investigação Pedagógica do Instituto Gulbenkian de Ciências, na Escola Superior de Educação pela Arte do Conservatório Nacional de Lisboa e na Escola Superior de Dança. Foi sempre um mediador entre a Arte e a Educação, colocando a Arte ao serviço da criança através da teoria da Educação pela Arte.
A sua obra divide-se entre a Poesia - com o seu primeiro livro Voz Velada em 1957, e Cantos Cativos ( três edições) - e a Ensaística, essencialmente no campo da Psicopedagogia e da Educação pela Arte.

1. Nasceu na Póvoa de Santa Iria, em 28 de Junho de 1921. Devido às exigência profissionais do pai (funcionário da Junta Autónoma das Estradas), frequentou escolas em Estarreja, Salreu e Ourém. Fez o 1º ano do liceu em Santarém e foi viver para Vila Franca de Xira, com uma família evangélico-cristã, enquanto a sua (com quem convivia apenas aos fins de semana) tinha residência em Coruche. Entre 1933 e 1939, frequentou um colégio em Vila Franca de Xira (VFX) destacando-se no gosto pela Literatura e iniciando aí a sua actividade de escrita poética. A guerra Civil de Espanha, o assassinato de Lorca e a Revolta dos Marinheiros em Portugal tornaram-se acontecimentos determinantes nas suas inquietações e reflexões políticas, sendo então expulso da Mocidade Portuguesa (de que tinha sido um quadro). A partir de 1939, frequenta o liceu Passos Manuel, em Lisboa, e contacta com outros poetas, artistas e escritores, aproximando-se do grupo de Alves Redol (mais tarde designado por Grupo Neo-realista de VFX). Nele busca incentivo para a sua intervenção em futuras actividades culturais: escreve em periódicos como o Sol Nascente, O Diabo, Mensageiro do Ribatejo, e participa em conferências, dá cursos em colectividades. Com Soeiro Pereira Gomes e Carlos Pato, colabora no 1º volume da 1ª obra colectiva do Movimento Neo-Realista: «Contos e Poemas de Modernos Autores Portugueses, 1942». O convívio em Vila Franca de Xira estreita-se com outros jovens intelectuais antifascistas, nomeadamente nos históricos «passeios no Tejo», que se realizam entre 1940 e 1942 (1).

2. A família desloca-se para Coimbra, ele acompanha-a e inicia o Curso de Medicina da Universidade de Coimbra. Paralelamente, entra para o PCP e desenvolve actividades políticas no sector intelectual de Coimbra do PCP e no MUD Juvenil. Integra-se no grupo de teatro TEUC, é encenador, actor, tradutor e chega a ser presidente da sua direcção. Em 1945 sai do TEUC e liga-se ao Ateneu de Coimbra, onde, até 1949, dinamiza um leque diversificado de actividades culturais. Envolve-se na campanha de Norton Matos para a Presidência da República (1949) e é detido pela PIDE. É torturado, enviado para as prisões do Aljube e de Caxias, e levado a julgamento em Tribunal Plenário. Aguarda o julgamento durante um ano, sempre incomunicável, e acaba por ver ser-lhe aplicada uma pena de 18 meses de prisão, com perda de direitos políticos durante 3 anos. Entretanto, todos os seu escritos poéticos são apreendidos. Em 1950, casou-se na cadeia, por procuração, com Maria Luísa Duarte (ele em Caxias, ela em Coimbra). Depois da sentença, foi autorizado a terminar a licenciatura em Medicina e a fazer estágio, com a determinação da obrigatoriedade de, regressar ao Aljube, para cumprimento da parte restante da pena, o que aconteceu em 1952. Tomou conhecimento, nessa altura, da sua expulsão do PCP, numa edição do jornal clandestino do partido O Militante. Quando terminou a pena e saiu em liberdade, viu-se impedido de exercer Medicina em todos os organismos do Estado. Faz então o Curso de Ciências Pedagógicas na Universidade de Coimbra e realiza estágios gratuitos (sem receber vencimento) na especialidade de Psiquiatria Infantil, em diversos hospitais do País. Em 1956, adquire nova formação em Psiquiatria Infantil, em Portugal e França [1960, irá entrar no quadro de especialistas em Neuropsiquiatria da Ordem dos Médicos]. A sua escrita prossegue e, por essa altura, colabora em vários periódicos, nomeadamente Vértice e Gazeta Musical.

3. No final da década de 50 regressou à Póvoa de Santa Iria, onde passou a residir, e retomou a escrita poética com Voz Velada, publicada nas Edições Vértice, em 1958. Em 1960 inscreveu-se no Curso de Filosofia, na Faculdade de Letras (Lisboa). Em 1962 foi-lhe concedida pelo Governo francês uma bolsa de dois anos, para frequência, na Sorbonne, de estudos especializados em Pedopsiquiatria e Psicopedagogia. Em Paris, inscreve-se então na disciplina de Educação Estética da Criança, e toma contacto com questões de "Pedagogia e a Arte". É durante essa estada em Paris que, em contacto com Breda Simões, seu amigo de Coimbra, este o convidou para integrar o Departamento de Psicologia do Centro de Investigação Pedagógica do Instituto Gulbenkian da Ciência, do qual BS era Director. Entre 1965 e 1974 Arquimedes da Silva Santos foi assistente/investigador deste Centro, desenvolvendo estudos na área da Psicopedagogia das Expressões Artísticas; deu formação pedagógica a monitores de Serviços de Música e Museus; leccionou a disciplina de Psicopedagogia da Expressão Artística. Abriu caminho para a criação dos cursos de Professores de Educação pela Arte e Professores do Ensino Artístico. Foi Presidente do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Educação pela Arte e nela leccionou várias disciplinas (2).
Em 1981 a Escola Superior de Educação pela Arte é extinta e, em 1983, Arquimedes Silva Santos foi aceite no quadro transitório da Escola Superior de Dança do Instituto Politécnico de Lisboa, onde ficou até se aposentar. Foi professor-coordenador e Presidente do Conselho Artístico Pedagógico, até 1999. Durante as décadas de 80 e 90 continuou a ministrar cursos no Centro Artístico Infantil do ACARTE – Fundação Calouste Gulbenkian.

4. Tendo tido grandes laços de amizade e cumplicidade com Alves Redol, Arquimedes da Silva Santos honrou essa memória lutando pela criação de um Centro de documentação e investigação do Neo-Realismo. Em 1988 foi, assim, membro fundador da Comissão Instaladora do Museu do Neo-Realismo e, dez anos depois, Vice-Presidente da Assembleia Geral da Associação Promotora do Museu - Museu que se encontra a funcionar em Vila Franca de Xira, onde nasceu Redol e a sua memória prevalece viva.

      Museu do Neo - Realismo, Vila Franca de Xira

Arquimedes da Silva Santos participou no filme de António Reis e Margarida Cordeiro “Rosa de Areia”(1988) [com um personagem hierático, de cabeleira branca e olhar de sonho, sempre a procurar ver para além do horizonte].
Na sua assinalável obra poética, há alguns poemas cantados (por Luís Cília, por exemplo), estando a maior parte reunida em "Cantos Cativos-poemas Coligidos:1938-58". Arquimedes da Silva Santos, Campo das Letras (2003).

Outras obras publicadas:

Testemunho de Neo-Realismos. Campo das Letras.
Perspectivas Psicopedagógicas, 1977.
Aspectos psicopedagógicos da actividade lúdica (1991). Lisboa: Instituto de Apoio à Criança, (Cadernos IAC, 3).
Do método de João de Deus à formação de educadores de infância (1986). Lisboa: Escola Superior de Educação João de Deus.
Mediações artístico-pedagógicas (1989, imp.). Lisboa: Livros Horizonte, (Biblioteca do educador, 114). MNR SNT/Ens/0068
Mediações arteducacionais (2008). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Estudos de Psicopedagogia e Arte. Campo das Letras.
Da Família à Escola. Campo das Letras.

5. A Câmara de Vila Franca de Xira ergueu uma estátua em sua homenagem, e o seu nome foi dado a uma Praça na Póvoa de Santa Iria.
Arquimedes da Silva Santos foi agraciado pela Presidência da República, em 1998, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2001, com a Grã Cruz da Ordem da Instrução Pública.

Em 2007/ 2008 teve lugar, no Museu do Neo-Realismo (VFX), uma mostra sobre a vida e obra do poeta: ARQUIMEDES DA SILVA SANTOS - SONHANDO PARA OS OUTROS (3).
Em Maio de 2015 a Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo realizou uma conferência, integrada no «Ciclo Grupo Neo-Realista e geração seguinte - Arquimedes da Silva Santos», com intervenções de Fernando Martinho e Maria Emília Brederode Santos

Em 18 de Junho de 2015, dia em que Arquimedes da Silva Santos fez 94 anos, a Associação Lopes Graça levou a cabo uma sessão de homenagem, que decorreu em Almada, no Fórum Romeu Correia.

Notas:

(1) Soeiro Pereira Gomes fala da amizade de ambos: «Encontro-me na casa do Arquimedes [da Silva Santos], na Póvoa. (…) peço e obtenho esclarecimentos: os passeios pelos montes atrás de Vila Franca a ler o Manifesto Comunista deram-se em 1941, depois de se ter constituído um Comité Regional das Juventudes Comunistas; o primeiro passeio de barco foi no Verão de 1941; antes de Junho de 1941 com Soeiro falavam mais em coisas literárias. O poeta continua a falar daqueles tempos e mostra-me fotografias antigas e, entre outras, uma do passeio de barco em que aparecem, além dele próprio, Pereira Gomes, Manuel Campos Lima, Rui Grácio, Cândida Ventura, Álvaro Cunhal, Dias Lourenço, Aniceto Monteiro, Piteira Santos, Guilherme Morgado...». - Soeiro Pereira Gomes, Uma Biografia Literária, páginas 121-123, in http://antonioanicetomonteiro.blogspot.pt/…/os-passeios-no-…

(2) No Centro de Investigação Pedagógica procuravam soluções para as dificuldades escolares, sobretudo de origem emocional e afectiva. Recorriam, entre outras, a técnicas de reeducação da linguagem e da expressividade da criança, utilizando técnicas de pedagogia curativa que implicavam relação com a música, o drama, o movimento e as artes plásticas. Foi ai que foi tomando forma a criação de uma Psicopedagogia da Expressão Artística, num primeiro tempo, dando origem, depois, ao sonho de uma Reeducação Expressiva ou uma Arte-Terapia. Sobre estas actividades, Arquimedes Silva Santos disse: “Eu tinha a formação de pedopsiquiatra e vi que a melhor maneira, do ponto de vista educativo, de agir na vida das crianças com dificuldades era através das expressões artísticas, quer seja da música, das artes plásticas, da psicomotricidade, da dança, do drama, etc. …” . E ainda: “Fui um professor amador que, de algum modo, se profissionalizou. … como livre pensador e como franco atirador pude fazer aquilo que achava que devia ser. … Dava liberdade aos meus alunos para podermos fazer as coisas de maneira a enriquecermo-nos, a encontrarmo-nos, a sermos. A minha linha de acção era essa. Não era o saber, o ter, era exactamente o ser”. - Entrevista à revista “Noesis” – nº 55-Julho/Setembro 2000.

Arquimedes da Silva Santos defende a Educação pela Arte, a arte integrada no quotidiano das escolas, desde o pré-escolar, conjugando a pedagogia, psicologia e expressões artísticas. Tem um papel pioneiro e de reflexão em várias associações e organizações ligadas à Arte-Educação e à Intervenção Artística, como o Instituto de Apoio à Criança, Movimento Português de Intervenção Artística e Educação pela Arte Associação Portuguesa de Educação pela Arte.

(3) Do catálogo da exposição: «Esta mostra procura reapresentar a imagem maior desse poeta que serenamente nos conduz entre a metáfora e a mensagem social e política, de nenhum modo ficou esquecida a vida admirável de um homem que fez da medicina, da clínica geral à especialização na área da pedopsiquiatria, uma acção de humanidade e comunhão, dando aos outros o melhor de si.»