25.3.12

LUÍS FILIPE RODRIGUES: O PRÉMIO





Luís Filipe Rodrigues foi o grande vencedor, no Dia Mundial da Poesia, do Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho com a obra Lugares de Passagem, uma coletânea de 41 poemas. Instituído pela Câmara Municipal de Loures, e patrocinado pela empresa GelPeixe, o galardão tem como objetivo premiar obras de ficção literária inéditas de autores portugueses nas categorias de prosa ou poesia.

A Biblioteca Municipal José Saramago, em Loures, encheu, no dia 21 de março, para assistir à entrega do Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, este ano na modalidade de poesia.

Luís Filipe Rodrigues, de 66 anos, foi o vencedor com a obra Lugares de Passagem. A concurso, 135 coletâneas de poemas originais apreciadas por um júri de reconhecido mérito, no âmbito da escrita/crítica literária ou do ensino de literatura, composto por António Carlos Cortez, José Correia de Jesus Tavares e Amélia Vieira. (Notícia transcrita DAQUI)
.......................................................................................................................

Alguns poemas do livro premiado



NA BIBLIOTECA

1.

Entrou na biblioteca e disse quero o livro

maior, um livro

que cresça dentro de mim. Tinha doze anos

e preparava-se para ler não sei o quê.



Ao sair quando o abriu e folheou encontrou

um outro, o grande mundo.


2.

O livro que lhe chegou às mãos trazia um olho

na capa, lugar donde partiu para.

O êxito da travessia dependia da luz que torna diferente o que é igual.

Ao folheá-lo notou por todo o lado coisa feita

de visões, vida intensa. Por algum tempo procurou

um fio que o unisse até que um

rosto brotou a toda a largura das duas páginas centrais. Era um rosto par

tido, incendiado em cada margem.

Quando fixava as páginas e por momentos uma ficava a prumo,

um olho olhava o outro

olho,

como bons vizinhos. Mal as fechava

ambos os olhos entravam um no outro obstinadamente,

cegando-se.  Por muito tempo nos olhos passaram sombras,

como lâmpadas fundidas mergulhando na noite.


Que fazer do terceiro olho que vê o que

não vemos? O que fazer desse olho que jamais nos viu

entrar no livro?



3

Não basta ouvir, é preciso ler

em voz alta,

ver como se faz um livro, uma leira,

se tira água de um poço.



É preciso roer um osso,

sair à rua, sentir no peito a nona sinfonia,

pois quem mais vive mais sabe

e quem não lê é como quem não vê.



4.

A língua. O lápis. O ouvido. O dedo

ao entrar no livro lança raízes por onde passa

despertando os sentidos logo pela manhã.

As palavras crescem ao longo do dia,

razão para cada um ver o que o rodeia

sempre de outra maneira.

Ao folhear cada página cai por vezes uma estrela

naqueles olhos de criança.

O seu olho esquerdo dá-nos um ângulo imaginário,

próprio da idade. O direito criando fastio e sonolência.

Por isso tal criança costuma ler o mundo ouvindo,

sem disfarce nem olhar de terceiros.



Como é bom ser um ouvido pequenino, de manhã à noite.


5.

Arrumados numa estante os livros emudecem.

Precisam de uma voz que lhes grite.

O livro assim é um pássaro sem pio.

Se não lhe dermos asa não voa nem canta,



jaz ao comprido.




19.3.12

PRÉMIO LITERÁRIO MARIA AMÁLIA VAZ DE CARVALHO



Instituído pelo Município de Loures, este ano foi atribuído a Luís Filipe Rodrigues, poeta que reside há muitos anos em Torres Vedras, já distinguido em 1982 com o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores.
A entrega do Prémio será feita no próximo dia 21 de Março na Biblioteca José Saramago.
Ver mais: AQUI e AQUI.

10.3.12

O FANTASMA DE AGUSTINA


É um bocado estranho: o marido e a filha de Agustina Bessa-Luís falam dela como se já tivesse morrido.
Mas depois referem que ela vive tranquila, lúcida em relação ao seu estado atual.
Esta reportagem - fascinante! - passa-se na casa de Agustina, entre os seus móveis, os seus papéis, mas ela não aparece nunca.
Na revista LER deste mês - que pode ser lida como complemento a esta reportagem em vídeo - o marido diz que ela passou a detestar os livros, e isso resultou de um AVC que, não alterando o seu estado físico, perturbou irreversivelmente o seu estado mental

Percebo: há um pudor, uma reserva, uma opção. E percebo melhor o texto de Maria Velho da Costa, quando a visitou ( retirado daqui ):



Não tem fito, não tem medo.
Vem em direcção ao olhar que a revê.
Pequena, cantarolante e abanando a saia, debaixo das estrelas que esmorecem. A lua desmaia, o alfange comido pelos rubores da aurora. Ela pára, aponta, abre a boca para dizer lua e vêem-se os dentes de rato, o riso de todas as palavras.
Tem quatro palmos de tamanhinha e vem só.
O vestido está desabotoado nas costas, os sapatos de verniz de presilha, os preferidos, vão soltas chancas a brilhar no relento da manhã. Atrapalham, mas não impedem. Os olhos apertados de botão-azeviche são só sorriso ufano, a quatro palmos do chão na cara cor de rosa-chá.
Tem três anos de idade e fugiu de casa.
Não é amuo, é o desconchavo do mundo o que a faz vir.
Diz ao sol subinte, esmerei-me, esmerei-me, ó medronho, ninguém me viu sair. Nem criada, nem ama, nem mãe.
Lá vem ela, no carreiro ermo, no plaino pedregoso, a que não terá contemporâneos.
Move-a o amor frio, a cabeça quente do poderio da terra. Não traz cuecas. Abre as pernas, ainda de roscas roliças, para uma pocinha escura. Triunfa, menina total e raciocinante.
Vibra e caminha, humaníssima.
Diz ao céu que se acende: amaldiçoa-me, mas deixa-me ser livre. E assim foi.

Costa, Maria Velho da, in, «Egoísta n.º especial», Estoril: Estoril-Sol (III) — Turismo, Animação e Jogo, S.A., Fevereiro 2007

7.3.12

LER


A capa não está à altura do valioso conteúdo, é feia pr'a caramba!
O que vale é que, depois de abrir a revista, já não vejo esta chinfalhada gráfica e encontro páginas de boa leitura. Sobre Agustina Bessa-Luís - que, transtornada pela doença, detesta livros, ela que escreveu tantos; ou sobre Wislawa Szyborska, a poetisa que ganhou o Nobel em 1996 e de quem quase nada sabia.
E há muito mais, sobre livros, crónicas, comentários, fotografia.
Vale a pena os cinco aéreos, han?