23.6.12

JÚLIO DINIS, UM CITADINO ENAMORADO DO CAMPO - BADALADAS _ 22 Junho 2012



Escritor oitocentista ( 1839 / 1871 ), foi nas suas páginas que se sedimentou o mito da ruralidade feliz. Pegando na ideia já desenvolvida por Herculano no Pároco da Aldeia e que Eça levará mais longe em A Cidade e as Serras, Júlio Dinis valorizou intensamente a vida no campo, onde encontrava a simplicidade e as virtudes que a cidade já não tinha e que constituíram o cerne da sua escrita. Com ele nasce verdadeiramente o romance campesino – que Camilo C. Branco e Herculano saudaram - ao mesmo tempo que se despede o romantismo já gasto, em favor do olhar realista que alimentará a nossa prosa até ao final do séc. XIX. As Pupilas do Senhor Reitor e A Morgadinha dos Canaviais são os momentos altos dessa escrita que encantou os leitores dos folhetins de jornal em que primeiro foram publicados, antes de passarem a livro.
Se nos dispusermos a enfrentar a prosa intensamente descritiva de Júlio Dinis, ainda hoje lemos essas páginas com o encantamento dos leitores de antanho. Nelas encontraremos os ambientes e as paisagens, os costumes e os tipos humanos, que povoavam as nossas aldeias até há bem pouco tempo.
Referência especial à Morgadinha dos Canaviais: já foi livro de leitura obrigatória no ensino oficial, hoje parece esquecido. Todavia é o primeiro romance de matriz sociológica da nossa Literatura. Nele se retratam de forma brilhante as mudanças sociais e políticas do século XIX português com o embate entre a tradição imobilista e as ideias de progresso civilizacional: as novas estradas e consequente luta contra as expropriações; os enterramentos fora das igrejas que motivaram fortíssimas revoltas populares; o sistema representativo com os jogos eleitorais e o caciquismo local; a idealização e dignificação do papel da mulher na família; enfim, a importância do Ensino Público. Um livro de leitura indispensável e gratificante, ainda hoje. 


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COMO FOI POSSÍVEL?
              
A vida de Júlio Dinis foi um prodígio de realização. Repare-se: morre com 32 anos, vítima de tuberculose, mal que vinha dizimando a família. Aos 19 anos começou a escrita de Uma Família Inglesa (“Uma obra-prima, pela observação de ambientes, contornos e tipos humanos” – História da Literatura Portuguesa, de A. J. Saraiva e O. Lopes).  
Escreveu peças de teatro para grupos de amadores em que foi ator, o que lhe deu o domínio da técnica do diálogo, bem patente nos romances posteriores (Teatro Inédito, 3 vols., 1946-1947). Exerceu crítica literária (Inéditos e Dispersos, 2 vols. 1910). Cultivou a poesia (Poesias, 1873-1874), o conto (Serões da Província, 1870) e o romance (As Pupilas do Sr. Reitor, 1867; A Morgadinha dos Canaviais, 1868; Uma Família Inglesa. 1868; Os Fidalgos da Casa Mourisca, 1872).
Contudo, esta intensa atividade literária foi apenas uma parte da sua vida, oculta sob o pseudónimo de Júlio Dinis. De facto, poucos contemporâneos sabiam que o médico e professor da Escola Médica do Porto, Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho, era o aclamado autor daqueles livros. Sobre ser um grande criador literário e clínico competente, ele foi um homem modesto e simples, trabalhador persistente, pouco dado a mundanidades. Só isso explica a obra prodigiosa que nos legou.

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Aguarela de Roque Gameiro


JOÃO SEMANA

Júlio Dinis criou tipos humanos inesquecíveis, caso de João Semana, médico de província, abnegado e altruísta, que acorria aos doentes, montado na sua mula.
Vêmo-lo aqui, numa das muitas aguarelas de Roque Gameiro, um admirador de Júlio Dinis, cuja obra estudou em profundidade para poder recriar fielmente os ambientes descritos nos romances campesinos do grande escritor.

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O MAU JULGADOR POR SI SE JULGA…



Júlio Dinis era um homem bom. Isso reflete-se na sua escrita, marcada por intuitos educativos e formativos, na linha do humanismo liberal de Alexandre Herculano. São frequentes, nos seus romances, pedaços de prosa reflexiva, defensora da cidadania interventiva e da moralidade na vida pública:
«É uma triste verdade esta da pouca ou nenhuma fé que se tem no desinteresse dos outros!
Não há explicação mais difícil de ser recebida do que a que se fundamenta n'um sentimento nobre de abnegação ou de generosidade.
É preciso que duvidemos muito de nós mesmos, para assim desconfiarmos do próximo. Porque a final o que é verdade é que a mais exata e infalível ciência do coração humano só se adquire pelo estudo do próprio coração: esse é o único que nos está bem patente. É por isso que as melhores almas são de ordinário as mais crentes.
Um homem, a quem a desconfiança tenazmente escuda contra todas as aparências de virtude, ainda as mais insinuantes, tem já tão inquinado o coração como supõe o dos outros.» (A Morgadinha dos Canaviais, cap. XXXI)


15.6.12

JACARANDÁS DE LISBOA


Tirei esta foto há dias, na Rua do Século. Lá estão o jacarandá e a buganvília, em flor.
A primeira vez que ouvi falar em jacarandás foi na peça "As árvores morrem de pé".
E esta recordação traz outras:

«"As Árvores Morrem de Pé", uma das peças de teatro que marcaram para sempre os espectadores e as noites de televisão.

Gravada no Teatro Avenida, em 1966, com público presente, esta foi a última peça com que Palmira Bastos apareceu nos ecrãs de televisão, mas foi igualmente uma da suas melhores actuações de sempre. Quanto ao tratamento televisivo, todo ele esteve a cargo de Fernando Frazão.

"Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores". Esta frase, uma das mais célebres da televisão portuguesa, pertence à peça "As Árvores Morrem de Pé" e é dita quase no final da peça pela fabulosa actriz Palmira Bastos, que faz de protagonista da peça.»


 Retirado daqui:

A peça é de Alexandre Casona, poeta e dramaturgo espanhol ( 1903 - 1965)

10.6.12

PARAÍSO

Mata do Convento do Varatojo, Torres Vedras
Foto(C) J Moedas Duarte, Junho 2012

*
Nos arredores da luz, procuro um bosque
de sombra. Abrigo-me sob uma cúpula
de folhas, desenhadas pelos lápis do
sol; e sigo as suas nervuras de ócio

até encontrar um ritmo de estilhaços
de silêncio nos vitrais do horizonte.
Nenhum muro me impede a passagem;
nenhuma cortina de pálpebras me esconde

a paisagem. E um verso atravessa
o céu, quebrando o espelho da estrofe;
reflexos multiplicam o puro azul,

poço aéreo para onde lanço a pedra
branca do início - e na sua vertigem,
uma dança de palavras ébrias como pétalas.

Nuno Júdice, O BREVE SENTIMENTO DO ETERNO
Edições Nelson de Matos, Lisboa, 2008