30.10.10

UM TEXTO OPORTUNO SOBRE "ALTOS SALÁRIOS"



Um dia destes, em PEDRAS ROLANTES, mais um texto de Venerando de Matos, esclarecedor pela pertinência e acerto da análise. Transcrevemos:


«Não deixa de ser curiosa a forma como os comentadores e políticos usam e abusam da demagogia quando se fala de salários.

Ontem correu a notícia de que os Juízes portugueses, no topo da carreira, eram os “mais bem pagos da Europa”.
Depois percebeu-se que eram os mais bem pagos, comparando o seu rendimento (liquido) como o rendimento médio do país.
Na verdade, como revela hoje o Público, recebem pouco mais de metade que os seus congéneres espanhóis, menos de um terço dos irlandeses. Só os polacos e os checos recebem menos.
Convém recordar que os salários mínimos (e não estamos a falar de salários médios…) em Espanha e na Irlanda são, respectivamente, cerca do dobro e três vezes maiores que em Portugal.

O truque já tinha sido usado contra os médicos e os professores.
Na realidade, num país onde as desigualdades sociais são das maiores da Europa, onde a maior parte do trabalho é precário e mal pago, o rendimento médio é muito baixo e portanto, quem esteja em profissões de topo, que exigem mais estudos e responsabilidades, recebem muito mais que a média miserável do país.
O que não quer dizer que ganhem mais ou tenham um melhor poder de compra que os seus congéneres do resto da Europa, nomeadamente da Europa do Euro, que é com esta que nos devemos comparar.

Recordo-me que, no caso dos professores, apresentavam-se estatísticas da OCDE segundo as quais o rendimento médio dos professores do topo da carreira era maior, comparativamente com os rendimentos médios do país, do que no resto da Europa. Se não me engano, apenas éramos ultrapassados pelo…México.
Por esta lógica, os professores Mexicanos e Portugueses seriam os mais bem pagos dos países da OCDE e foi esta a mensagem que então se procurou passar para a opinião pública, para justificar o corte dos “seus privilégios”.
Contudo, o que acontecia era que, sendo a situação salarial e de qualificação, no México e em Portugal, das piores dos países analisados, o salário das profissões qualificadas era muito superior a essa média.
Na realidade, se observássemos os salários reais, um professor mexicano recebia metade do português e o português ficava muito aquém da média europeia.

Ou seja, na realidade um professor português em final de carreira ( e o mesmo se pode dizer de um médico do SNS, de um professor universitário ou de um Juiz) recebia muito menos e tinha um poder de compra mais reduzido que os seus parceiros europeus, até porque, fazendo o nosso país parte dos países do euro, o custo de vida na maior parte da Europa não é assim tão diferente.

Devemos ainda acrescentar o facto de grande parte dos rendimentos assim noticiados nunca chegar aos seus “beneficiários”, já que, professores, médicos do SNS e juízes que trabalhem no serviço público, recebem apenas cerca de 2/3 daquele rendimento. O outro terço fica retido para pagamento dos impostos e da segurança social.

Ou seja, usa-se e abusa-se da demagógica manipulação estatística para tentar justificar a retirada de direitos e os cortes salariais, em nome do combate aos “privilegiados” e às “corporações”!!

Esta é uma boa forma de tentar dividir para reinar, fomentando a inveja social dos que pouco têm contra os que têm alguma coisa, desviando a atenção do verdadeiro problema: os salários e as pensões douradas dos “boys”; a fuga maciça aos impostos por parte das profissões liberais; os escandalosos benefícios fiscais do poder financeiro; a corrupção generalizada do poder político e financeiroe que o recurso aos offshores garante.»

25.10.10

LUGAR ONDE - BADALADAS - 22 OUTUBRO 2010





POETAS DE AGORA




 NUNO JÚDICE : DO QUE É FEITO O POEMA?


«Um ritmo próprio regula a invenção das imagens
 que, sob a ilusão nascida da sua existência,
transmitem um nexo oculto. Ao escrever, então,
não me limito a designar realidades do mundo
aparente, antes dou uma ordem diversa aos elementos
que a tradição me legou e que,
através do sopro da imaginação, me sugerem o poema.»
(Nuno Júdice, A Condescendência do Ser, 1988)


Desde o início, em 1972 com o livro A NOÇÃO DE POEMA, Nuno Júdice imprimiu à sua escrita uma marca muito própria. O poema é uma construção de palavras – já o sabíamos. Mas ele instituiu a reflexão sobre o acto da escrita como um dos seus temas, perspectiva que é comum a toda a arte contemporânea, profundamente envolvida na teorização da sua génese. Daí a nossa dificuldade em entendê-la se nos limitarmos a uma leitura imediata. Todo a arte, hoje em dia, exige do receptor uma esforçada aproximação que passa, em primeiro lugar, pela superação da estranheza e, depois, pelo estudo das condições da sua elaboração.
Fernando Pessoa já levantara a ponta do véu: “O poeta é um fingidor…”. Queria ele dizer que o poeta transfigura a dor/emoção, modela-a, transforma-a em escrita. Mas ficou por explicar a poética, isto é, os modos como isso se faz. Nuno Júdice foi dos primeiros tentar fazê-lo desvendando o mistério da poesia através da própria poesia. Não por acaso, sendo criador literário, ele é, também, professor de Literatura.
Ao longo de 38 anos de actividade tem vindo a erigir uma obra imensa que se afirma como das mais notáveis no panorama da nossa literatura contemporânea, num ímpeto criador sempre acompanhado pela preocupação de encontrar respostas à interrogação inicial: de que matéria é feito o poema?

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Nuno Júdice estreou-se, como poeta, em 1972, com A Noção de Poema. Desse volume até ao muito recente O Breve Sentimento do Eterno vai um percurso marcado por um ritmo alto de publicação, na poesia mas também na ficção, no teatro ou ainda no ensaio,  uma vez que é também professor na Universidade Nova de Lisboa. Coligiu pela primeira vez a sua obra poética em 1991 (Obra Poética. 1972-1985), datando a última reunião dos seus versos de 2000. Poeta traduzido em várias línguas e na prestigiosa colecção da Gallimard, foram-lhe atribuídos já os mais significativos prémios literários portugueses. (in: Inquérito por OLAMblogue,  23-10-2008)


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POÉTICA NATURAL

Com os olhos do verso procuro a palavra
que, na terra de sílabas e fonemas,
arrasta a cesura, como quem lavra,
congeminando frases e teoremas.

Abstracto, o poema solta-se do berço,
como voam gaivotas, velas, asas de moinho,
e acaba em quadra seu movimento inverso
em música de cisco, nas palhas de um ninho.

Concreto, pousa o seu baraço de rimas,
como, na procissão, o relapso penitente.
Mas reza; e os seus lábios, como limas,
dão lhe uma cor de sinestesia dolente.

Mas um poema não vai buscar as suas flores
ao velho canteiro da retórica cega,
onde a estrofe é um enunciado de dores
em morna ladainha de cegarrega.

A inspiração roda nas mós de cada vogal,
até se desfazer em alcofas consoantes
que deito ao vento, na tarde outonal,
como nuvens brancas em céus brilhantes.

E é nesse horizonte que colho a única flor
que ao poema vem dar ritmo e sentido,
com as pétalas da vida e o pólen do amor
que em mim vestem o teu corpo despido.








VIAGEM
Na curva da estrada, um moinho
de velas abertas no ar sem vento: move-as
o eco das palavras esburacadas pelo
uso; empurra-lhe as pás um murmúrio
de asas queimadas pelo sol
da memória.
Subindo as escadas, sinto
um cheiro a mofo de farinha, a impressão
áspera da serapilheira dos sacos, um ténue
calor de barro no intervalo das pedras. Mós
num remoinho de sílabas
esmagadas.
Frestas por entre as telhas. Um
fragmento de céu limpo de nuvens. O
pássaro negro da eternidade
pousa no azul.

 

18.10.10

14.10.10

HINO DE LOS MINEROS

A canção original, adaptada pelos nossos mineiros, parece ter origem na região mineira das Astúrias.

Homenagem aos mineiros do Chile e a todos os mineiros.

Hino dos Mineiros-Aljustrel (Alentejo)

Homenagem aos mineiros do Chile. A todos os mineiros!

12.10.10

2.10.10

UM GRANDE, GRANDE POETA DA NOSSA LÍNGUA

Acabo de pôr um comentário no blogue dele, AQUI:

«Um amigo ensinou-me o caminho para si, caro Affonso. Não quero bajular. Por isso apenas digo que estou muito grato ao meu amigo e que você passou a fazer parte do meu tesouro literário. Já o pus no meu blogue e vou continuar. Gosto da sua escrita: mordente, trabalhada de palavras, surpreendente nas redescobertas de sentidos.

Bom dia senhor POETA da minha/nossa Língua comum!»

Esse amigo chama-se Cid Simões e é um garimpeiro de ouro literário. Na minha ignorância, por vezes enciclopédica!, nunca me tinha dado conta deste grande poeta da Língua Portuguesa. Chama-se Affonso Romano Sant'Anna e é brasileiro.
Nas minhas caturrices por vezes sou preconceituoso com os nomes. Já tinha lido algures e não tinha gostado da prosápia deste afonso com dois ff e santana com ' e dois nn. E passei adiante. Não sabia o que perdia. Vem o Cid e zás! - espeta-me com dois poemas à frente dos olhos que me deixaram abananado e... rendido. Grande poeta, caramba! Da estirpe do Ferreira Gullar, do prémio Camões deste ano.
Mas isto é poesia?
Claro, e da melhor!
Há verve, há trabalho de linguagem, há a veia satírica que tão arredada tem andado das nossas letras. Há uma voz que se agiganta nestes trocadilhos que nos arrastam pelos cabelos.
Exagero?

Então aqui vai, com mais um abraço de agradecimento ao meu caro amigo Cid!





A Coisa Pública e a Privada


Entre a coisa pública
e a privada
achou-se a República
assentada.

Uns queriam privar
da coisa pública,
outros queriam provar
da privada,
conquanto, é claro,
que, na provação,
a privada, publicamente,
parecesse perfumada.

Dessa luta intestina
entre a gula pública e a privada
a República
acabou desarranjada
e ninguém sabia
quando era a empresa pública
privada pública
ou
pública privada.



Assim ia a rês pública: avacalhada
uma rês pública: charqueada
uma rês pública, publicamente
corneada, que por mais
que lhe batessem na cangalha
mais vivia escangalhada.

Qual o jeito?
Submetê-la a um jejum?
Ou dar purgante à esganada
que embora a prisão de ventre
tinha a pança inflacionada?

O que fazer?
Privatizar a privada
onde estão todos
publicamente assentados?
Ou publicar, de uma penada,
que a coisa pública
se deixar de ser privada
pode ser recuperada?

Sim, é preciso sanear,
desinfetar a coisa pública,
limpar a verba malversada,
dar descarga na privada.

Enfim, acabar com a alquimia
de empresas públicas-privadas
que querem ver suas fezes
em ouro alheio transformadas.
 Affonso Romano Sant’Anna
1987

 E agora a cara do poeta: