14.2.08


NO QUARTO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO
PADRE ANTÓNIO VIEIRA: UMA VIDA PRODIGIOSA

Vida, obra e pensamento confundem-se numa dinâmica excepcional. Evocamos hoje este homem de palavra e de acção, que veio em Missão a Torres Vedras no ano de 1652, - onde pregou o “Sermão da Segunda-feira depois do Segundo Domingo da Quaresma” (Sermões, T. VI, 1690) e que foi contemporâneo do ilustre jesuíta torriense Padre Francisco Soares, o “Lusitano”.


António Vieira nasceu em Lisboa em 6/2/1608 e faleceu na Baía, Brasil, em18/7/1697. Foi missionário, pregador, diplomata e, sobretudo, cidadão interventor na vida social e política do seu tempo. Aos sete anos parte com a família para a Baía, no Brasil, onde o pai ia exercer a função de secretário da Governação. Estuda no colégio jesuíta da Baía e ingressa na Companhia de Jesus, recebendo ordens em 1635 e iniciando-se como pregador. Em 1641 integra a comitiva que vem a Lisboa para apresentar ao rei D. João IV a adesão da colónia brasileira à causa da Restauração. Impressionado pela sua inteligência, o monarca nomeia-o seu confessor e conselheiro, e encarrega-o de várias missões diplomáticas na Holanda e em Roma, com vista ao reconhecimento da independência restaurada. Afrontando interesses dominantes, aponta soluções para as dificuldades económicas do reino, como a criação de Companhias Comerciais, numa notável antecipação do que o Marquês de Pombal viria a fazer um século depois. Em 1652 regressou ao Brasil, dedicando-se à missionação, mas volta dois anos depois para obter protecção real para os índios. De novo em Lisboa, com a morte de D. João IV, seu protector, a Inquisição acusa-o de professar opiniões heréticas (1662-1667), é condenado ao silêncio e reclusão mas, com a subida ao trono de D. Pedro II, vê a sua pena levantada. Depois de novo e intenso período de trabalho como diplomata e pregador em Roma, volta a Portugal e, alguns anos depois, regressa definitivamente à Baía, onde morre com quase 90 anos de idade.
Uma vida plena! Havia atravessado sete vezes o Atlântico, em viagens perigosas e desconfortáveis. Percorrera milhares de quilómetros no interior do Brasil, em missionação, onde defrontou com enorme coragem a avidez dos colonos que escravizavam os índios. Visitara vários países da Europa no desempenho de melindrosas missões diplomáticas. Defrontara o mais temível poder da época, a Inquisição, conseguindo limitar a sua influência. Estudara e conhecera como poucos as Sagradas Escrituras, que utilizou em pregações que deslumbraram o mundo de então. E tivera tempo, ainda, de redigir uma obra vastíssima: cerca de duzentos sermões, mais de meio milhar de cartas, relatórios, representações, pareceres e outros documentos de carácter político e diplomático, além de várias obras de assuntos religiosos ou de visão profética fundada numa leitura muito pessoal da Bíblia. É o caso de “Esperanças de Portugal, quinto império do mundo…”, e da “História do Futuro”. Prodigiosa vida, esta!
MD


António Vieira, o «Imperador da Língua Portuguesa»

Recordo a resposta de José Saramago, num encontro em Torres Vedras, em Abril de 1983, a alguém que lhe perguntou qual o segredo da sua prosa: “Sigo o conselho de Camilo Castelo Branco: «caldinhos de Vieira»!”. O futuro Nobel da Literatura confessava, assim, a enorme admiração pelo grande prosador.
Fernando Pessoa, na “Mensagem”, chamou ao Padre António Vieira «Imperador da Língua Portuguesa». De facto, juntamente com Camões, Vieira é o grande alicerce da nossa Língua. Dois exemplos:


Textos do P. António Vieira:


Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura e informe; e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afia-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
(Sermão de Domingo do Pentecostes)

Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros. Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer. Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.
(Sermão de Santo António aos Peixes)


Marcas de um Homem
«O dinamismo, como marca fundamental do seu perfil, torna-se também a marca inconfundível do seu estilo. O anticonvencionalismo faz dele o missionário que percorre quase descalço os sertões brasileiros com o mesmo à-vontade e o mesmo entusiasmo com que desempenha as suas funções de embaixador diplomático de Portugal em Paris, Haia, Londres e Roma. Esse anticonvencionalismo de acções e o desassombro de palavras é também o sinal de escândalo que o há-de levar, em efígie, às fogueiras da Inquisição. (…) A sua obra inscreve-se em três tópicos: a luta contra a escravatura; a consolidação da recém-recuperada independência política; utopia universal, corporizada no sonho do Quinto Império. (…) a obra de António Vieira é talvez um dos mais significativos testemunhos dessa transição, certamente dramática, do espírito do Renascimento para o espírito barroco, enredado numa nova angústia e numa nova maneira de estar no mundo. (…) Tem como referentes uma “certa utopia” e a missão social que ela assumirá.» (Maria Leonor Carvalho Buescu, in: Dicionário da Literatura Portuguesa, Ed. Presença, 1996)

8 comentários:

avelaneiraflorida disse...

Mais uma FIGURA da Literatura portuguesa que nos é permitido recordar nesta página!
Homem do Barroco,mas pensando para além do seu tempo, antecipando FUTURO!!!
Homem de convicções, de preserverança, mas, sobretudo, "visionário" de um outro SER HUMANO!!!!
"Brigados", Méon, por mais esta PÁGINA!!!

biabisa disse...

Se todos fôssemos surdos- mudos rebentaríamos de dôr por vermos e não podermos falar. É isto mais ou menos que este génio da literatura diz num dos seus muito belos sermões. Obrigada pela lembrança deste tão grande personagem. Não sabia que, em tempos muito recuados, tinha estado em Torres. Assim já valeu vir ao lugaronde.

biabisa.blogspot.com visite-me.

biabisa disse...

Cá estou eu de novo. Há muito que não viajava por Vieira e fui hoje visitá-lo, por supor, e com razão, que havia imprecisões no comentário feito por mim anteriormente. Finalmente o que disse atrás, faz parte de uma carta que Vieira escreveu ao Conde da Castanheira e não a um sermão. Belíssima, por sinal, até foi considerada uma carta circular e, por isso, em várias edições não é considerada carta, mas sim, CIRCULAR À NOBREZA DE PORTUGAL.
Aqui fica registado um belo texto, digno de ser lido todos os dias pela sua contínua actualidade.

Joaquim Moedas Duarte disse...

Avelaneiraflorida

Obrigado pela atenção e presença constantes.
O LUGAR ONDE é mesmo um lugar onde se podem encontrar personagens intemporais, é essa a ideia. É muito bom convivermos com eles, não é?

Joaquim Moedas Duarte disse...

Biabisa

Agradeço muito as suas palavras que me ajudaram a rever "mais Vieira".
Irei ao seu espaço, com certeza.
E aguardarei mais visitas suas.

biabisa disse...

Quanto à localização do meu Afganistão e brincando consigo +porque o conheço, sempre lhe digo que vivo nesse país no único sítio que tem mar, por gostar muito. Obrigada pela sua visita e volte sempre. Cumprimentos.

Maria Faia disse...

Estimado Amigo,

Venho desejar-te uma Páscoa Feliz.

Beijo Amigo,

Maria Faia

Anónimo disse...
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