João de Deus nasceu em S. Bartolomeu de Messines em 1830, morreu em Lisboa em 1896. Os anos que viveu gastou-os em ser amável com o mundo, a começar pela literatura que cultivou de forma inovadoramente simples. Só não suportava o analfabetismo, num país onde 80% da população não via uma letra. Por isso criou um método de aprendizagem da leitura que tinha como objectivo primeiro atrair as crianças – ao contrário dos métodos tradicionais de “repetição em coro e paulada na tola”.
Levou dez anos a cursar Direito em Coimbra. Boémia, convívio, sempre amável na sua bondade infinita. Quando de lá saiu, pouco se interessou pelos tribunais e tentou o jornalismo. Arranjaram-lhe um lugar de deputado mas era porque não o conheciam bem. Preferia continuar o amável convívio dos que amam simplesmente a vida.
Usou a Língua com a sensibilidade e a candura das crianças, recuperando formas tradicionais do cancioneiro ou o rigor lógico do soneto - como Antero de Quental sublinhou e reconheceu.
Mestre da sátira amavelmente certeira, e do poema gracioso, deixou algumas composições que ainda hoje encantam. Quem não se lembra do poema A Vida? Ou O Dinheiro: “O dinheiro é tão bonito / Tão bonito, o maganão! / Tem tanta graça, o maldito, / Tem tanto chiste, o ladrão! / (…) E elas acham-no tão guapo! / Velhinha ou moça que veja, / Por mais esquiva que seja, / Tlim! / Papo.”
Podemos lê-lo facilmente nos dois volumes da colecção Livros de Bolso Europa-América: Campo de Flores I (nº 265) e Campo de Flores II (nº 283).
DIA DE ANOS
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo, coitado!
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho…
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois, se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira!
A VIDA
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
a luz que nesta vida me guiava,
olhos fitos na qual até contava
ir os degraus do túmulo descendo.
Em se ela anuviando, em a não vendo,
já se me a luz de tudo anuviava;
despontava ela apenas, despontava
logo em minha alma a luz que ia perdendo.
Alma gémea da minha, e ingénua e pura
como os anjos do céu (se o não sonharam...)
quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!
Não sei se me voou, se ma levaram;
nem saiba eu nunca a minha desventura
contar aos que inda em vida não choraram ...
......................................................
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida – pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
AROMA E AVE
Eu digo, quando assoma
o astro criador:
– Deus me fizesse aroma
de alguma pobre flor!
E digo, quando passa
uma ave pelo ar:
– Deus me fizesse a graça
de asas para voar!
Aroma da janela
me evaporava eu,
me respirava ela
e me elevava ao céu!
E quem, se eu fosse uma ave,
me havia de privar
a mim da luz suave
daquele seu olhar?
A CARTILHA MATERNAL
Este foi o grande contributo de João de Deus para a cultura e instrução de um país mergulhado na ignorância. Feliciano de Castilho já tentara impor um novo método mas faltava-lhe a arte da sedução pessoal de João de Deus. Incentivado por um grupo de amigos – criou e publicou em 1876 a Cartilha Maternal, que viria a ter um êxito estrondoso pela forma inovadora e intuitiva como abordava as primeiras letras. Teve detractores, obviamente, mas este método veio a ser aprovado pelo Governo para todo o país e foi muito utilizado no Brasil. Alexandre Herculano considerou a Cartilha “utilíssima e genial”. Em 1882 os seus amigos criaram a Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, que viria a tornar-se na Associação dos Jardins Escolas João de Deus. Actualmente conta com 40 estabelecimentos de ensino, de norte a sul do país, entre os quais o de Torres Vedras.
João de Deus foi nomeado vitaliciamente Comissário Geral da Leitura e até ao fim a vida teve o reconhecimento de todo o país, que culminou numa homenagem nacional, com o rei D. Carlos a agraciá-lo com a grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada.
4 comentários:
I'm appreciate your writing skill.Please keep on working hard.^^
Estimado Amigo,
Venho até sua casa hoje, primeiro dia da nova década para lhe desejar as maiores Felicidades todos os dias da sua vida.
Beijo amigo,
Maria Faia
Olá Duarte!
POis que já é sabido que, de cada vez que por aqui passo, alguma surpresa tenho sempre e, geralmente, boa. Desta vez, lembrou-me a cartilha de João de Deus, por onde aprendi a ler e a desenhar as letras, na companhia da minha avé paterna, Lucinda que, mesmo cega, tinha a paciência bastante para me ensinar estas coisas que tanto prezo!
Obrigada, meu amigo.
E já agora, pois que tb é sabido que sempre que escrevo algo novo o aviso. Há novas em carmim! Um abraço para si. Até breve. Azul.
Olá Duarte. POis, venho felicitá-lo pelo novo blogue. Creio não estar enganada ao associá-lo ao blogue que se destina a divulgar o património de Torres Vedras. parece-me muito bem organizado, recheado de informação interessante. Parabéns e bem haja.
Um abraço forte para si. Até breve. Azul,
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