15.2.10

O CONSPIRADOR CONTEMPLATIVO



NO 1º CENTENÁRIO DA REPÚBLICA


JOSÉ RELVAS, o conspirador contemplativo*

Lavrador, revolucionário, aristocrata, artista, político, diplomata. Quem olhasse apenas a sua envergadura física não acreditaria possível tamanha acção em vida e tal herança na morte. No entanto José Relvas marcou indelevelmente a sua geração e deixou um património valioso. Nos 100 anos da República Portuguesa, é oportuno e justo recordá-lo.

José Mascarenhas Relvas nasceu na Golegã a 5 de Março de 1858, numa família rica, de ascendência aristocrata. Seu pai, Carlos Relvas, artista culto, foi o célebre pioneiro da fotografia cujo estúdio ainda hoje se pode visitar na Golegã. José Relvas, depois de uma passagem breve pelo Curso de Direito da Universidade de Coimbra, matriculou-se no Curso Superior de Letras de Lisboa, que concluiu.

Grande proprietário agrícola, fixou-se em Alpiarça onde fez construir um solar que foi sua habitação, a Casa dos Patudos.

Estudioso e profundo conhecedor dos problemas agrícolas relacionados com a viticultura, distinguiu-se em 1907 nos protestos da lavoura ribatejana contra as medidas vitivinícolas, proteccionistas da lavoura duriense, adoptadas pelo governo de João Franco. Adere ao Partido Republicano Português, de que se torna um dos mais destacados e corajosos dirigentes. O jornal “Liberdade”, da 1ª República, refere-o assim: «Quando um homem com uma tal ascendência, uma tal fortuna, uma tal educação, uma tal cultura, um tal temperamento de artista, se destaca a bloco da alta burguesia e, calcando desdenhosamente aos pés certos preconceitos ainda então muito enraizados, exclama – EU SOU REPUBLICANO! - esse homem pratica um acto heróico, de coragem moral e de bravura cívica, que não pode deixar de impressionar o meio em que vive e de alentar os menos animosos».

Em 1908 dá-se o regicídio, facto crudelíssimo que os mais prudentes republicanos nunca aprovaram. Caso de J. Relvas que nas suas “Memórias Políticas” o atribui a circunstâncias particulares e inesperadas da vida política e que, segundo ele, chegou a pôr em causa os objectivos republicanos.

Em Abril de 1809, no Congresso de Setúbal, José Relvas foi eleito para o Directório do Partido Republicano, com a incumbência de preparar a insurreição contra o regime monárquico. Vemos então este homem – rico, com mulher e três filhos e uma casa de sonho – meter ombros à tarefa e desdobrar-se num trabalho hercúleo e perigoso em defesa do seu ideal político: um país renovado pela República, regime de homens responsavelmente livres. Não era um extremista, um fanático, antes se revelou um diplomata e um homem de enorme tacto, num período histórico tão conturbado como foi aquele em que viveu.

Meses antes do 5 de Outubro vai em missão secreta a Londres e a Paris, para garantir a não intervenção estrangeira no caso de uma acção revolucionária - e voltará às missões diplomáticas já depois da revolução, em defesa do novo regime.

No desenrolar da revolução de Outubro, desaparecidos os que deviam chefiá-la – Miguel Bombarda e Cândido dos Reis – foi José Relvas o líder de rua que garantiu a ligação entre os revolucionários dispersos. Não admira, pois, que tivesse sido ele quem, já na varanda dos Paços do Concelho de Lisboa, na manhã de 5 de Outubro de 1910, proclamou a República e anunciou a constituição do Governo Provisório, em que ele próprio, por recuo de última hora de Basílio Teles, foi compelido a aceitar a pasta de ministro das Finanças. Mais tarde foi designado para as difíceis funções de ministro de Portugal em Espanha (1911-1914), aí negociando o acordo entre os governos espanhol e português sobre a repressão dos emigrados monárquicos instalados em Espanha.

Porém, o seu espírito recto e carácter íntegro não se conformaram com as crescentes intrigas palacianas dos políticos que não estavam à altura dos elevados ideais dos fundadores da República. E Relvas retira-se para Alpiarça. É chamado ainda a formar governo em 1919, no contexto de uma gravíssima crise política que raiou a guerra civil, quando as forças monárquicas ensaiaram a vingança. Mas findo este breve interregno, regressa à quinta dos Patudos. Desgostos familiares devastadores – a morte dos três filhos – não vergaram o ânimo deste homem, que manteve até ao fim a actividade de grande proprietário agrícola e amante das artes. E que deixou páginas de enorme lucidez e alguma amargura nas suas Memórias Políticas, publicadas em 1977/78. Morreu em 31 de Outubro de 1929 e repousa no seu jazigo do cemitério de Alpiarça.
JMD

*Título da Exposição na Assembleia da República, em 2008, sobre José Relvas

 
 
 
 
CASA DOS PATUDOS – MUSEU DE ALPIARÇA


Situada à saída de Alpiarça à beira da estrada para Almeirim, integra-se hoje num conjunto paisagístico de grande beleza, perto de uma pequena barragem e de um parque de lazer.

Antiga residência familiar de José Relvas, foi construída entre 1905 e 1909, com projecto do arquitecto Raul Lino. O seu fundador legou-a por testamento ao município de Alpiarça, para que fosse aberta ao público como museu, o que aconteceu em 1960. E destinou a quase totalidade dos seus bens e rendimentos ao mesmo município, para a construção de um Lar de idosos pobres, e isso foi feito, do outro lado da estrada, frente à Casa-Museu dos Patudos.

Diz o Roteiro Turístico de Alpiarça: esta Casa-Museu “pode ser encarada em três perspectivas museológicas: a Casa em si, enquanto projecto de Raul Lino; as colecções de arte aqui reunidas, que englobam pintura, escultura, azulejariam, porcelana, faiança, tapeçaria e mobiliário; e a perspectiva monográfica da memória do seu fundador, José Relvas”.

Acredite, leitor: vale a pena lá ir. De Torres Vedras a Alpiarça, são cerca de 80 km, pela A8, A15 até Santarém e Alpiarça. E se tiver o dia por sua conta, pode seguir até à Golegã, vinte quilómetros mais adiante, para visitar o famoso chalé-museu da fotografia, de Carlos Relvas. Belo programa para um dia da próxima Primavera.



José Relvas proclamando a República, na varanda dos Paços do Concelho de Lisboa, em 5 de Outubro de 1910


«Para José Relvas, a existência tinha uma ética e uma estética. A ética cumpriu-a na acção associativa e política e no programa de mudança do regime e reforma das instituições – o conspirador. A estética cumpriu-a na reunião de um património artístico – o contemplativo.»
João B. Serra, na abertura da exposição na Assembleia da República, em 2008, intitulada “José Relvas, o conspirador contemplativo”

2 comentários:

Paúl dos Patudos disse...

Parabéns
Excelente post, ligado à nossa terra e suas gentes. Gostei muito. Obrigado.
bjos
Ana Paula

fj disse...

um bom passeio a ter em conta...mas com bom tempo!
um abraço ribatejano