21.3.10

ALICE NO PAÍS DA INFÂNCIA




                
 Desenho de John Tenniel

ALICE NO PAÍS DA INFÂNCIA

“As coisas simples são as que mais nos intrigam quando delas se fala de maneira complicada”
Na falta de alguém já ter dito esta frase, tive de a inventar agora mesmo. Estava-me a fazer falta para falar deste livrinho tão complicadamente simples que é “Alice no País das Maravilhas”.
Qualquer wikipédia nos dirá que ele foi escrito por Lewis Carrol- pseudónimo do matemático inglês Charles Dodgson, que viveu entre 1832 e 1898 – e que é a versão escrita e desenvolvida de uma história inicial que ele contou a três irmãs, uma delas chamada Alice Liddell, durante um passeio de barco no Tamisa.
Quem já contou histórias a crianças, inventando-as na altura, sabe como esse é um jogo cujo desenlace depende do estado de espírito com que se começou. E há dias em que tudo sai com naturalidade, sobretudo quando nos desprendemos da preocupação da verosimilhança e deixamos que a imaginação tome conta da história.
É aqui que entram os comentadores da complicação. Para eles, a história de Lewis Carroll é tão rica de pormenores imaginativos que se torna necessário um modelo teórico de interpretação. E então, uns dizem que ele é um surrealista antes do tempo. Outros, que só os conhecimentos matemáticos nos darão a chave para o entendimento de tão complexa construção. Outros, ainda, fazem análise psicanalítica, encontrando em cada personagem, em cada situação, um indício de trauma de infância do autor, ou uma manifestação da luta entre o consciente e o subconsciente.

Tanta teoria dá-me vontade de rir. Depois de conhecer o Chapeleiro Maluco, o Coelho apressado ou o Arganaz dorminhoco, apetece-me inventar outro personagem ainda mais improvável. O Tolinhas da Teoria, por exemplo.
É verdade que o período mais complicado da nossa vida foi a infância. Porque era preciso aprender tudo. Mas, simultaneamente, tudo era muito mais simples, pois ainda não tínhamos termos de comparação.
Lewis Carroll dedicou às crianças do seu tempo este “livro de disparates”- expressão dele. E completou a dedicatória assim: “Se eu escrevi alguma coisa que possa contribuir para o repositório da diversão saudável e inocente acumulada nos livros das crianças que tanto amo, isso será para mim uma coisa que espero recordar sem vergonha nem tristeza (…) quando chegar a minha vez de percorrer o vale das sombras”.
Posso ser muito básico mas apetece-me dizer que “Alice no Pais das Maravilhas” é simples como os olhos das crianças e complicado como os dos adultos.
Bem dizia Gil Vicente: “Uma coisa pensa o cavalo, outra quem está a montá-lo”. Nem mais. | MD



AS CRIANÇAS PRECISAM DE CONTOS DE FADAS

«Tanto os mitos como os contos de fadas respondem às eternas perguntas: «O que é o mundo verdadeiramente? Como vou eu viver a minha vida nele? Como ser verdadeiramente eu próprio?» As respostas dadas pelos mitos são definitivas, enquanto o conto de fadas é meramente sugestivo; as suas mensagens podem insinuar soluções sem nunca as relatar. Os contos de fadas deixam à fantasia da criança a decisão se deve (ou como deve) aplicar a si própria o que a história revela sobre a vida e a natureza humana.
O conto de fadas procede de uma forma que se conforma com a maneira de pensar da criança e com aquilo por que ela vive, e é por isso que o conto de fadas é para ela tão convincente. Ela pode obter muito mais conforto de um conto de fadas do que dos esforços intelectuais e racionais dos adultos para a tranquilizarem. A criança confia no que dizem os contos de fadas porque o mundo destes está de acordo com o seu.»
Bruno Bettelheim, Psicanálise dos Contos de Fadas, Bertrand Ed. 2006


Foto de Alice Liddell, tirada por Lewis Carroll

 
PRIMEIRA PÁGINA DE “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS”

«Alice começava a aborrecer-se imenso de estar sentada à beira-rio com a irmã, sem nada para fazer: espreitara uma ou duas vezes para o livro que a irmã lia, mas não tinha gravuras nem diálogos. «E de que serve um livro», pensou Alice, «se não tem gravuras nem diálogos?»
Por isso cogitava de si para si (com certa dificuldade, porque o dia quente a fazia sentir estúpida e sonolen¬ta), se havia de dar-se ao trabalho de levantar-se e colher margaridas pelo prazer de fazer com elas um colar de flo¬res. Foi então que, de repente, um Coelho Branco com olhos cor-de-rosa passou a correr ao pé dela.
Não era coisa muito extraordinária; nem Alice pensou que fosse assim muito inusitado ouvir o Coelho dizendo:
— Credo! Credo! Vou chegar atrasadíssimo!
(Quando mais tarde pensou nisso, ocorreu-lhe que devia ter ficado espantada, mas naquela altura pareceu--Ihe tudo bastante natural.) Porém, quando o Coelho deu em puxar um relógio do bolso do colete, e olhou para ele e desatou a correr, Alice levantou-se imediatamente, porque lhe passou na ideia que nunca antes tinha visto um coelho com um bolso de colete, nem um relógio que tirasse de lá, e, ardendo de curiosidade, correu pelos campos atrás dele, mesmo a tempo de o ver enfiar-se por uma toca debaixo de uma sebe.»



ALICE NO CINEMA

Está nas salas, desde 4 de Março, a mais recente versão para cinema do imortal livro de Lewis Carrrol, do realizador Tim Burton. Excerto de uma entrevista ao realizador, no Jornal de Notícias:

Não sentiu uma pressão especial pelo facto de a história ser tão conhecida e de poder haver algum desapontamento entre os fãs?

Não, porque acho que nunca houve uma versão que fosse a definitiva. Esta história faz parte da nossa cultura, não só através dos livros e do cinema mas também da música e de tantas outras artes. Há tantas interpretações possíveis que para mim era como que um território aberto. E acabei o filme há uma semana, ainda não tive tempo para esse tipo de preocupações.

Qual a diferença entre Wonderland e Underland, como lhe chama no filme?

Bom, escreve-se de maneira diferente… É um estado de espírito. Não quisemos fazer uma versão literal da história. Pelo contrário, quisemos ser fiéis ao que sentimos ser o espírito das personagens e ao que Lewis Carroll nos transmitiu a todos.


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