17.6.10

UM GRANDE POETA DA LÍNGUA PORTUGUESA






FERREIRA GULLAR, PRÉMIO CAMÕES 2010

Brasil, 1950. José Ribamar Ferreira, 20 anos, locutor da Rádio Timbira, vê a polícia matar um operário num comício e nega-se a ler um comunicado oficial do governo estadual que atribuía o crime aos comunistas. É demitido. Acontecimento decisivo na vida de um dos maiores criadores literários da língua portuguesa. Que passou a assinar-se Ferreira Gullar e foi distinguido com o Prémio Camões 2010.

Nasceu em 1930, em S. Luís do Maranhão, nordeste brasileiro, de fortes tradições populares radicadas no tempo dos coronéis e sertanejos, dos escravos negros e camponeses pobres e onde são ainda bem visíveis as marcas da presença portuguesa. Revelou muito cedo qualidades invulgares no domínio da escrita, reconhecidas em prémios literários, o que lhe moldou o traçado da vida futura. Inconformado, tentou novas vias de expressão poética, no chamado movimento de poesia concretista. Haveria mais tarde de tentar ligar a escrita poética às artes de expressão visual, em permanente inquietação criadora. Praticou pintura e escreveu livros de reflexão sobre cultura, arte e vanguarda. Virou-se também para o teatro e as suas peças marcaram uma época. Com a vida política no Brasil, entre 1964 e 1985, manchada pelo regime militar anti-democrático,  Ferreira Gullar aprofunda o seu empenhamento social e político, aderindo ao Partido Comunista, o que lhe valeu alguns anos na clandestinidade e no exílio. “Poema Sujo”, longa composição poética escrita na Argentina em 1975, circula às escondidas e certifica Gullar como o grande poeta da resistência, do povo, dos mal-amados da vida. No final dos anos 70 regressa à pátria. Pouco a pouco retoma a actividade de jornalista e homem de cultura, escrevendo, traduzindo, intervindo. Com o restabelecimento da democracia, é-lhe reconhecido o estatuto de cidadão exemplar, intelectual e criador literário, sendo mesmo indicado, em 2002, como candidato ao Nobel da Literatura, por subscrição de nove professores de universidades do Brasil, Portugal e Estados Unidos.
O Prémio Camões, atribuído a Ferreira Gullar em 2010, é o público reconhecimento de uma obra de elevada qualidade artística e indiscutível mérito sócio-cultural.


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Cantiga para não morrerQuando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento. Dentro da Noite Veloz (1962-1975)

Os mortosos mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
       certas sinfonias
                 algum bater de portas,
       ventanias

           Ausentes
           de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
           se de fato
           quando vivos
           acharam a mesma graça
 Muitas Vozes (1999)
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PRÉMIO CAMÕES
É o mais importante galardão literário da Língua Portuguesa. Foi instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil, para distinguir autores de língua portuguesa pelo conjunto da sua obra. É atribuído anualmente, alternadamente no território de cada um destes Estados, por decisão de um júri constituído para o efeito e o prémio consiste numa quantia pecuniária resultante das contribuições dos dois Estados, fixada anualmente de comum acordo. O primeiro autor premiado foi Miguel Torga, em 1989. O mais recente, 2010, foi o brasileiro Ferreira Gullar. Autores portugueses já distinguidos para além do já mencionado: Virgílio Ferreira (1992); José Saramago ( 1995); Eduardo Lourenço ( 1996); Sophia de Mello Breyner (1999); Eugénio de Andrade ( 2001); Maria Velho da Costa ( 2002); Agustina Bessa-Luís (2004); Luandino Vieira ( 2006); António Lobo Antunes (2007).
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CITAÇÕES
«Há poetas que se notabilizam pela pesquisa formal, pela experimentação da linguagem em busca de novas formas de expressão. Outros cultivam diálogo com as formas consolidadas e consagradas. Existem os que consideram a poesia como veículo das alegrias, naufrágios e perplexidades de sua própria experiência individual. Alguns vinculam a poesia à dimensão épica e colectiva de um povo perante a História.
"A obra de Ferreira Gullar, de modo ímpar, efectua um amálgama de todas essas tendências, revelando um compromisso ético e uma relevância estética que a situam, consensualmente, no mais alto patamar da criação artística contemporânea.» (António Carlos Secchin, jornal Público, Supl. Mil-Folhas)
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«"Poema Sujo", um dos mais longos poemas da literatura contemporânea no Ocidente, e talvez o mais conhecido e traduzido do autor, foi lançado no Rio de Janeiro em 1976, um ano antes do seu regresso ao Brasil. Na altura, Vinicius de Moraes gravou o poema e registou que "Gullar [acabava] de escrever um dos mais importantes poemas [do século XX]". E acrescentava que com poetas como Gullar, Drummond ou João Cabral de Mello Neto, a poesia brasileira contemporânea ombreava com a melhor poesia do mundo. » (Página da WOOK, sobre a edição QUASI, publicada em 2003 e entretanto esgotada.)

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BUMBA MEU-BOI

É a designação bem brasileira de uma festa popular de S. Luís do Maranhão, terra natal de Ferreira Gullar. A origem do auto do “bumba-meu-boi” remonta ao Ciclo do Gado, no século XVIII, resultante das relações desiguais entre os escravos e os senhores nas Casas Grandes e Senzalas, reflectindo as condições sociais vividas pelos negros e índios. Contado e recontado através dos tempos, na tradição oral nordestina, e depois espalhada pelo Brasil, a lenda adquire contornos de sátira, comédia, tragédia e drama, conforme o lugar em que se inscreve, mas sempre levando em consideração a história de um homem e um boi...Estas festas, que atraem milhares de turistas têm lugar em Junho e podem ser integradas na grande tradição das festas pagãs do solstício de Verão.

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