21.5.11

MANUEL ANTÓNIO PINA, PRÉMIO CAMÕES 2011- Lugar Onde nº 106


Semanário Badaladas em 20 MAIO 2011




AINDA BEM QUE HÁ PRÉMIOS LITERÁRIOS…
PARABÉNS, MANUEL ANTÓNIO PINA!


A notícia apanhou muita gente desprevenida: Manuel António Pina (MAP) foi distinguido com o prémio Camões 2011, o mais alto galardão literário da Língua Portuguesa, instituído em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil e que se aplica a autores do espaço da lusofonia pelo conjunto da sua obra. Se pensarmos que, dos portugueses já premiados, fazem parte Miguel Torga, Virgílio Ferreira e José Saramago, entre outros, a atribuição deste ano é surpreendente. Nem a dimensão da obra nem a qualidade dela parecem do mesmo plano desses consagrados autores. Contudo, o júri, reunido no Rio de Janeiro, foi unânime e esse facto desafia o nosso preconceito.

Olhemos então esta obra: tem início em 1973 e abrange vários géneros: infanto-juvenil, poesia, crónica, teatro e ensaio, num total de 38 títulos; e foi reconhecida por 9 prémios, entre os quais o prestigiado “Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores”.

E se nos aproximarmos mais daremos conta do rigor e da originalidade de uma voz que ressoa nas suas páginas, interrogando o enigma do tempo que passa e o sentido essencial da existência humana. Eduardo Prado Coelho escreveu: Seja nos seus poemas, seja nos textos que nos oferece no âmbito do que se pode chamar «literatura para as crianças», seja ainda no teatro, Manuel António Pina é certamente um dos nomes fun­damentais da actual literatura portuguesa.” (ver: A Poesia Ensina a Cair, 2010, p.87)

Procuremos os seus livros, leiamos a sua poesia. Manuel António Pina não nos desilude. Por mais redutores e injustamente selectivos que sejam, ainda bem que há prémios literários…


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OBRA

Manuel António Pina nasceu no Sabugal (Guarda) em 1943. Licenciado em Direito. Poeta, autor de livros infanto-juvenis, tradutor, cronista, dramaturgo e jornalista profissional com passagem pelos títulos mais prestigiados da imprensa portuguesa, e também pela rádio e televisão. Foi professor da Escola Superior de Jornalismo do Porto e membro do Conselho de Imprensa.
38 títulos publicados e 9 prémios literários. De índole discreta, a sua obra tem-se afirmado pela qualidade e originalidade, sem concessões ao populismo fácil.

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CITAÇÕES

«O escritor Manuel António Pina ganhou o Prémio Camões. E, de repente, eis-me reconciliado com a justiça deste tempo. Poeta enorme, escritor incomparável, camarada indomável, jornalista e cronista de estalo, o Pina tem a justa recompensa em vida por um percurso original, digno e desafiador. Brindo a isto numa altura em que Portugal, pelos vistos, apenas se avalia em dívida ou em Dublin.» (Miguel Carvalho, jornalista, in http://adevidacomedia.wordpress.com/ em 12 Maio 2011)
«Independentemente de à poesia pouco mais ser dado dizer do que o silêncio do mundo (silêncio que é, na língua, abertura ao sentido e sentido aberto), ela pode constituir uma espécie de epifania sem revelação daquilo que talvez saibamos sem sabermos que o sabemos.”(M. A. Pina, entrevista à revista brasileira Agulha, 2003)
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POEMAS DE MANUEL ANTÓNIO PINA

ARTE POÉTICA

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?

                                *
LUZ

Talvez que noutro mundo, noutro livro,
tu não tenhas morrido
e talvez nesse livro não escrito
nem tu nem eu tenhamos existido

e tenham sido outros dois aqueles
que a morte separou e um deles
escreva agora isto como se
acordasse de um sonho que

um outro sonhasse (talvez eu),
e talvez então tu, eu, esta impressão
de estranhidão, de que tudo perdeu
de súbito existência e dimensão,

e peso, e se ausentou,
seja um sonho suspenso que sonhou
alguém que despertou e paira agora
como uma luz algures do lado de fora.

*

COMPLETAS

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


                                                                                     ***

SENTIDO MISTERIOSO

«Encheu os pulmões de ar fresco e pensou: «Deve ser isto a alegria. Que estranho sentimento! De repente, fiquei de bem comigo, como se estivesse zangado e tivesse feito as pazes comigo.» E recordou-se então de quando era criança, e a mãe, à noite, antes de adormecer, lhe aconchegava os lençóis e se debru­çava sobre ele para lhe dar um beijo. «Há quanto tempo não me lembrava de minha mãe!», murmu­rou. E, sem saber porquê (que bem que se sentia por não saber finalmente qualquer coisa!), tudo à sua volta, o mundo, a vida, ele próprio, lhe pareceu então fazer sentido, um sentido claro e misterioso que ele, que sabia tudo, não conseguia entender, mas sentia dentro de si como se tivesse encontrado uma coisa que há muito perdera e de que já se esque­cera.» (M. A. Pina, HISTÓRIA DO SÁBIO FECHADO NA SUA BIBLIOTECA, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009)





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