Li e apreciei...
No mais recente número da revista Ítaca (o terceiro), encontrei um poema muito divertido de Tiago Patrício. Uma vez que a expressão «poema muito divertido» raramente coexiste na mesma frase com o nome de um autor português, façam o favor de apreciar:
OS CRIADORES DE POETAS
Recolhiam os escritores à porta
dos clubes recreativos e colocavam-lhes pulseiras
com um número e uma cor a condizer com a alcofa
depois ficavam a olhar para eles
com uma certa ternura e curiosidade
liam-lhes os direitos em prosa
e faziam apostas quanto ao valor
de mercado depois do primeiro Inverno
Escolhiam nomes provisórios como pseudónimo
uma nacionalidade e um passaporte
e quando eles começavam a esboçar
as primeiras inclinações para um género literário
metiam-nos num avião ou num comboio internacional
que os levasse a conhecer o estado da arte
e as principais tipografias do reino
Eram os criadores de poetas
que lhes lavavam a cara
e os vestiam logo de manhã
com roupas adequadas à estação
compravam alfinetes de ama
ou ganchos e fitas para o cabelo
Mudavam-lhes as fraldas e faziam-nos rir
com caretas e expressões idiomáticas
até esboçarem o primeiro poema de amor
depois levavam-nos ao colo para os encontros de poetas
ofereciam-lhes guloseimas quando eles fazia birras
e cantavam-lhes canções durante as crises criativas
como se dessem corda a uma caixa de música
Tosquiavam-nos na altura certa
ofereciam-lhes a ração diária e um afago sincero
enquanto os levavam pela trela
até aos caminhos apressados da transumância
dos lugares santos entre os portos nocturnos
das cidades a transbordar
e abriam as portas para as paisagens
mais férteis da imaginação
Entretanto mostravam-lhes as grandes inovações
e diziam-lhes isto é a ciência, isto é a arte
isso meu pequeno
é a impaciência
Eram os criadores que lhes apresentavam
as pessoas certas e os lugares onde se deviam sentar
que os ajudaram a decifrar letreiros noutras línguas
e a atravessar a estrada na passadeira
Quando atingiam um determinado porte
e aprendiam a escrever sozinhos
poemas de várias páginas
trocavam-nos por outros mais novos
ainda sem óculos e aquela barba incómoda
Às vezes os poetas resistiam à mudança
e sentiam-se rejeitados quando lhes diziam
- Agora vai à tua vida
Mas criadores de poetas continuam
a lembrar-se deles nos aniversários dos seus livros
oferecem-lhes canetas douradas
e papel timbrado e no dia mundial da poesia
ainda os convidam a dizer algumas palavras
para essa grande celebração religiosa
Nessa altura os poetas cativos
de outras casas de criação rápida
e um corpo empanturrado por atenção
cheios de um ressentimento criativo dizem
- Não te conheço de lado nenhum
e agora as palavras estão fora de moda
2 comentários:
O poema é divertido, mas o título que lhe deste ainda mais.
Bela dismistificação!
Beijos, Méon.
Branca
Maravilhoso Méon
mais verdadeiro que divertido talvez imaginativo e nem tanto assim rs
gostei achei perfeito
grande Tiago Patrício!
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