6.7.11

OS POETAS "A METRO"



Li e apreciei... 

http://bibliotecariodebabel.com/geral/e-levavam-nos-a-conhecer-as-principais-tipografias-do-reino/



No mais recente número da revista Ítaca (o terceiro), encontrei um poema muito divertido de Tiago Patrício. Uma vez que a expressão «poema muito divertido» raramente coexiste na mesma frase com o nome de um autor português, façam o favor de apreciar:



OS CRIADORES DE POETAS

Recolhiam os escritores à porta

dos clubes recreativos e colocavam-lhes pulseiras

com um número e uma cor a condizer com a alcofa

depois ficavam a olhar para eles

com uma certa ternura e curiosidade

liam-lhes os direitos em prosa

e faziam apostas quanto ao valor

de mercado depois do primeiro Inverno



Escolhiam nomes provisórios como pseudónimo

uma nacionalidade e um passaporte

e quando eles começavam a esboçar

as primeiras inclinações para um género literário

metiam-nos num avião ou num comboio internacional

que os levasse a conhecer o estado da arte

e as principais tipografias do reino



Eram os criadores de poetas

que lhes lavavam a cara

e os vestiam logo de manhã

com roupas adequadas à estação

compravam alfinetes de ama

ou ganchos e fitas para o cabelo



Mudavam-lhes as fraldas e faziam-nos rir

com caretas e expressões idiomáticas

até esboçarem o primeiro poema de amor

depois levavam-nos ao colo para os encontros de poetas

ofereciam-lhes guloseimas quando eles fazia birras

e cantavam-lhes canções durante as crises criativas

como se dessem corda a uma caixa de música



Tosquiavam-nos na altura certa

ofereciam-lhes a ração diária e um afago sincero

enquanto os levavam pela trela

até aos caminhos apressados da transumância

dos lugares santos entre os portos nocturnos

das cidades a transbordar

e abriam as portas para as paisagens

mais férteis da imaginação



Entretanto mostravam-lhes as grandes inovações

e diziam-lhes isto é a ciência, isto é a arte

isso meu pequeno

é a impaciência



Eram os criadores que lhes apresentavam

as pessoas certas e os lugares onde se deviam sentar

que os ajudaram a decifrar letreiros noutras línguas

e a atravessar a estrada na passadeira



Quando atingiam um determinado porte

e aprendiam a escrever sozinhos

poemas de várias páginas

trocavam-nos por outros mais novos

ainda sem óculos e aquela barba incómoda

Às vezes os poetas resistiam à mudança

e sentiam-se rejeitados quando lhes diziam

- Agora vai à tua vida



Mas criadores de poetas continuam

a lembrar-se deles nos aniversários dos seus livros

oferecem-lhes canetas douradas

e papel timbrado e no dia mundial da poesia

ainda os convidam a dizer algumas palavras

para essa grande celebração religiosa



Nessa altura os poetas cativos

de outras casas de criação rápida

e um corpo empanturrado por atenção

cheios de um ressentimento criativo dizem

- Não te conheço de lado nenhum

e agora as palavras estão fora de moda

2 comentários:

Branca disse...

O poema é divertido, mas o título que lhe deste ainda mais.
Bela dismistificação!

Beijos, Méon.

Branca

lis disse...

Maravilhoso Méon
mais verdadeiro que divertido talvez imaginativo e nem tanto assim rs
gostei achei perfeito
grande Tiago Patrício!