26.12.11

ENTRE O NADA E A DOR




Palmeiras Bravas, de Wiliam Faulkner. Lisboa: Portugália Editora. s/d. (Colecção Livro de Bolso, 19/20): Tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena  - que considera este romance "um dos mais belos e audaciosos romances de amor que jamais se escreveram".
Capa de João da Câmara Leme. (Ed. original, The Wild Palms, 1939). William Faulkner (1987-1962), é um dos grandes nomes da literatura norte-americano e mundial do Séc. XX. Foi Prémio Nobel da Literatura em 1947.


Foi a minha primeira descoberta do romance contemporâneo, nos anos 70. O nuveau roman francês não me agarrou, ao contrário dos grandes autores americanos, como Faulkner e Hemingway.

Inesquecível,  a última página, a que volto de vez em quando:


«Pois não era só memória. Memória era só a metade disso, não era bastante. Mas deve estar algures, pensou. Há o desperdício. Não só eu. Pelo menos, eu acho que não penso só em mim. Espero não pensar apenas em mim. Seja qualquer pessoa, pensando, recor­dando, o corpo, as ancas largas e as mãos que gostavam de fazer porcarias e coisas. Parecia tão pouco, não era pedir muito, não era querer muito. Adiante do velho rastejar em direcção ao túmulo, o velho apegar-se, velho e enrugado, murcho, derrotado, ape­gar-se nem mesmo à derrota mas apenas a um velho hábito; aceitando mesmo a derrota para ser-se autorizado ao apego ao hábito — os pulmões ofegantes, as tripas incómodas, incapazes de prazer. Mas, afinal, a me­mória era capaz de viver nas velhas entra­nhas ofegantes; e agora, de facto, estava no alcance da sua mão, incontroverso e claro, sereno, a palmeira estralejando e murmu­rando seca e brava e tenuemente e dentro da noite, mas podia encarar. Podia, não. Hei-de. Quero. De modo que é afinal a velha carne, não importa quão velha. Porque se  a memória existe fora da carne, não será memória, porque não saberá o que lembra,  de modo que, quando ela se tornou nada, então metade da memória tornou-se nada, e, se eu me tornar nada, então todo o recordar deixará de ser. É... pensou ele, entre a dor e o nada, eu escolho a dor.»
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Sobre Palmeiras Bravas encontrei este apontamento:(http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007_05_06_archive.html)


É a segunda vez que mergulho no estilo do Faulkner, gongórico, excessivo, por vezes delirante. Ele fala de Nova Orleans, dos escravos, da agricultura do Mississipi, do fim de uma aristocracia rural feita de elegâncias cavalheirescas que odeiam o pragmatismo dessa gente do Norte, que só pensa no dinheiro e no consumo. O amor de Charlotte Rittenmeyer e de Henry Wilbourne tem um nível e uma tragédia como a de Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta. Charlotte abandona o casamento e os filhos com o médico recém formado, Henry e vão viver um amor intenso, numa atmosfera de penúria e sensualidade. Arrastam-se em fuga por metade dos Estados Unidos, galvanizados pela força do seu amor. Charlotte morre num aborto mal sucedido e Henry aceita as penas da prisão, desprezando a oportunidade de suicídio por cianeto que lhe oferece o marido de Charlotte, exigindo que a memória da mulher amada permaneça imbuída na dor mais completa.


Mas é o fascínio do discurso narrativo que me prende do princípio ao fim. O médico, colega de Henry, que abre o romance quando é procurado quando Charlotte entra no seu calvário de sofrimento. A apresentação de Henry a Charlotte, e o conhecimento que ficamos a ter dos seus respetivos caracteres e de um casamento reduzido à podridão e meras conveniências; a fuga dos amorosos para Chicago, os trabalhos desqualificados, uma errância que em todas as linhas ainda nos recorda a crise de 1929; as condições de trabalho abomináveis numa mina que tanto pode estar no Árctico como noutro qualquer fim do mundo. A visita de Charlotte aos filhos e a intensidade do reencontro com o marido; a gravidez e o desejo do aborto; a retoma do discurso com o médico com que inicialmente abre o romance; os diálogos pungentes entre Charlotte e Henry; a deliberada entrega de Henry à Justiça, como se aquela sentença constituísse a única saída para a redenção.

Texto de Luís Graça professor na Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa...

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2 comentários:

lis disse...

Deve ser imperdível o romance de Wiliam Faulkner,o nome é atrativo.
Sempre que pensar em adquirir um livro aqui é o melhor "Lugar Onde..."(rs) eu devo vir buscar idéias.
Boas entradas Méon no novo Ano
deixo abraços

Joaquim Moedas Duarte disse...

Obrigado, Lis. Retribuo os teus votos.
Bjs