24.9.12

CALMA AÍ, SR. LA FONTAINE !


As Cigarras e as Formigas



Irmãs Cigarras sobre um cogumelo
Cantavam árias, davam recitais
e entravam nos Serões para animais,
ao microfone de um raminho belo...

Quando chegou o inverno, e do castelo
das nuvens desabaram vendavais,
pobres Cigarras, sem cantarem mais,
pediram à Formiga, em tom singelo:


- Ajude-nos um pouco, boa amiga!
- Vão bailar – respondeu-lhes a Formiga.
Deixem-me em paz com essa choradeira!

Sê previdente, mas sê bom também
e vê que a arte é como um sol que vem  
encher de luz a nossa vida inteira.

Adolfo Simões Müller, 1950






J. M. Ramos de Almeida, na sua intervenção no XIII Encontro de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian, em Novembro de 1998, conta-nos a propósito desta fábula um episódio verídico:

“ Uma mãe contava-a aos seus dois filhos e, chegada a história ao fim, quando a formiga instalada na sua casa guarnecida de alimentos responde à cigarra: «Cantaste...pois bem, agora danças», as crianças perguntaram: «E depois?» Então, a mãe, não querendo atraiçoar o pensamento do autor, respondeu: «Depois, a cigarra morreu!» Nesse momento, as crianças desataram num choro desabalado e exigiram outro final: que a formiga fosse generosa e hospitaleira, oferecesse a sua casa e a sua mesa à cigarra e que esta sobrevivesse.

Não sei se aquelas crianças foram ao ponto de, intimamente, exigirem também da cigarra uma meditação arrependida acerca da vida errada que levara durante o Verão, mas a verdade é que este epílogo feliz é indiscutivelmente muito mais moral e educativo que o de La Fontaine”.

Gravura de Gustave Doré, 
ilustração da fábula A CIGARRA E A FORMIGA

1 comentário:

Nozes Pires disse...

Pois.Cada autor tem a sua época e a sua doutrina. La Fontaine representava o espírito burguês empreendedor, contra o viver nobre e cortesão. Essa doutrina (luterana?) de poupança, rendeu bons frutos no pensamento de Max Weber. Marx, antes dele, já desmontava o mito das "robinsonadas" (suspeito que se inspirou em Adam Smith).
Abraço
P.S. O capitalismo "tardio" deu-nos as sociedades do espetáculo e o crédito bancário...