22.7.13

QUE É FEITO DELE?













António Ramos Rosa, em 2011, com Filipe Nobre Gomes e Paulo Borges.



António Ramos Rosa foi um poeta muito publicado, sobretudo entre os anos 70 e 90. Houve anos em que publicou vários livros: três livros em 1974, dois em 75, três em 77...
Voz poética inconfundível pela volúpia das palavras. Em muitos poemas não encontramos "um tema" - o amor, a solidão, a natureza, o abandono, a morte... - porque o cerne da sua poética é a relação que se estabelece entre as palavras em redor de um conceito. Veja-se o poema "Nudez":

O ar circula mais leve em toda a parte
Os sinais transmitem o silêncio habitável

É um sonho é um logro e é a presença viva
Brilha o brilho animal do ar imóvel

Cálida substância nova une a linguagem e a vida
varandas varandas sobre a água sobre o céu

Uma infinita plenitude uma infinita ligeireza
a beleza nua sem exaltação e incandescente
o lugar transparente uma clareira indevisa

Torre de pássaros e de barro e de ervas
torre fresquíssima obscura e clara
torre na margem extrema do mistério
tudo se compreende e tudo é incognoscível
Tudo passa tudo deriva e tudo é imóvel
Somos e não somos somos sempre mais

Aceita aceita a terra breve a única
que os deuses povoam na transparência breve
Aqui a terra revelou-se um horizonte aberto
e as palavras antigas reacendem-se

De novo é a primeira vez e a única
Luz primeira luz da terra primeiros lábios
sopro de fibras mais intensas mais ligeiras
e nomes mais simples mais animais mais nus

Do livro GRAVITAÇÕES, Litexa Portugal, 1983





Esta escrita interroga-me e deixa-me perplexo. Obriga-me a fechar os olhos e a pensá-la sem recurso aos sentidos. Mas quando os reabro encontro imagens sugeridas em claro escuro, como em certas fotos experimentais.



                                                                                                                                                                                                                              Foto: Carlos Savasini

Fecho este GRAVITAÇÕES e interrogo-me: que é feito deste poeta, homem com 89 anos, autor de tantos livros de poesia e de dois livros de ensaios sobre poesia que se tornaram clássicos: A poesia moderna e a interrogação do real, vol.s I e II, publicados em 1979?

Nas minhas buscas encontrei um rasto luminoso. Vale a pena folhear esta revista ENTRE CULTURAS.




1 comentário:

Anónimo disse...

Olá boa noite. Há dias fiz-me a mesma pergunta - que é feito dele? E descobri no facebook a ''sua'' página, feita por uma sobrinha, Gisela Gracias Ramos Rosa. Velhinho, está num recolhimento de intelectuais, na zona de Belém, Lisboa. Julgo ter lido bem as informações dispersas que naquela página fui encontrando, dispersas, em comentários e publicações.
Hoje também descobri este seu sítio - somos da mesma geração, livros da Biblioteca Itinerante, O Velho e o Mar, Esteiros e Avieiros, enfim, esse tempo em que os homens - nós - não tendo sido meninos foram capazes de ter recolhido alguma luz da vida. Cumprimentos, Luísa Barbosa