JOÃO RUI DE SOUSA: OS POETAS SÃO PONTES
Poesia nos tempos que correm? Para quê? Não mata a fome a ninguém…
Mas ainda hoje ecoa o brado de Natália Correia - “Ó subalimentados do sonho/ a poesia é para comer!” Incansavelmente, João Rui de Sousa faz há muitos anos o inventário das justificações da poesia. Leia-se “A utilidade dos poetas”, do livro Quarteto para as próximas chuvas (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008):Os poetas são pontes
para numerosos recados.oásis e palácios reinventados; ora eles,
alimentando-se com a rudeza da pedra,
ou mesmo com caliça e enxofre,
abrem espaço para recintos calamitosos,
para o zimbro do sofrimento.
Sim, a poesia é necessária. Como diz João Rui de Sousa no final do poema: “eles (os poetas) podem, com palavras de alvor / e de resistência, ajudar a erguer as traves / de uma cidade aberta, de uma pátria livre.” |JMD
* * *
POESIA AO JANTAR
Foi entre Fevereiro e Abril de 1991, há 20 anos! A Cooperativa de Comunicação e Cultura convidou quatro poetas para quatro jantares, no Restaurante D. Fuas, no Centro Histórico de Torres Vedras. Em 23 de Fevereiro veio Pedro Támen; em 9 de Março, Eugénio de Melo e Castro; em 23 de Março foi a vez de João M. Fernandes Jorge; e em 6 de Abril encerrou-se o ciclo com João Rui de Sousa. No último dos quatro folhetos então publicados, com a belíssima marca gráfica de Aurelindo Ceia, escrevia-se: “Foi primeira preocupação na organização deste ciclo, não só divulgar poesia e possibilitar relações de proximidade entre o autor e seus leitores, como deles fazer um acto de comunicação e prazer partilhados. Para isso, decidiu-se servir poesia ao jantar.” Na foto, junto à parede do fundo: Andrade Santos, João Rui de Sousa e Manuela Gomes, que fez a apresentação do poeta.
* * *
O POETA E A SUA POESIA
Nascido em 1928, João R de Sousa revela-se como poeta, em livro, na década de 60 do século passado, com Circulação. De inicial formação técnica agrícola, passou às Letras com a Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas. Trabalhou na Biblioteca Nacional como investigador de espólios literários. Foi um dos fundadores da revista literária Cassiopeia. A propósito da Obra Poética (1960-2000 ), publicada pela Dom Quixote em 2002 e que reúne toda a sua produção até essa altura, Joana M. Frias sublinhou que a poética de João Rui de Sousa se organiza em torno de duas ideias chave: visão existencialista, “dominada por uma expressão de angústia”; e um recorte clássico do discurso “assente em princípios como a harmonia, o equilíbrio e a regularidade, a nitidez e o rigor da construção” (Revista Relâmpago, nº12, Abril 2003). Lavra e pousio ( 2005) e Quarteto para as próximas chuvas(2008), são os títulos mais recentes da sua poesia, já muitas vezes distinguida com diversos prémios.
***
DEPOIS DE AMANHÃ A PRIMAVERA
para além do só remédio só palavra
um cobertor de esperanças para o medo
três girassóis lindíssimos desdobráveis
mais azuis de brinquedos e de imensos
lençóis de inventar os dias límpidos
A dadivosa mãe as tardes quentes
de corações em pé no destemor
alimentar as órbitas fraternas
de iluminar raízes dança pura
do teu olhar do cheiro dos reflexos
desta razão solar! Em caule e rama
- ó dadivosa mãe - tudo desperta!
***
IR PELO MAIS LARGO
Eu sonho-me eu sobro-me eu excedo-me.
Jamais permitirei que me aparafusem
à parede das restrições. Jamais me coibirei
de colorir com as cores mais vivas os vidros
interiores. Jamais impedirei a explosão
contínua de mim mesmo (ou seja: de todo
o granito que aí se acoite).
pela máxima amplitude de voz
e de palavras, pelos horizontes
mais fundos e verdejantes,
pelo sagrado voo e pelas pastagens
de uma excelsa ciência:
a de nada trair de essencial
à possível harmonia do mundo,
e à mais fraterna visão libertária.
***
Eram límpidas palavras:
que não passavam por larvas;
fruídas logo à nascença
no entremeio das fragas;
que sabiam como os lábios
ardiam antes da fala.
1 comentário:
Será que há quem nao goste de poesia Méon? é a melhor hora de esvaziar-se de si mesma e se encher de palavras , colher horas como se colhe rosas.
Eu amo os poetas.
Com sua permissão levo comigo a poesia de João Rui de Souza e agradeço suas partilhas necessárias e generosas.
Um "LUGAR ONDE"- habituei=me também a vir colher prosa poética.
Maravilhoso post.
um abraço
Enviar um comentário