23.8.11

LUGAR ONDE de 19 de Agosto de 2011 no BADALADAS



JOÃO RUI DE SOUSA: OS POETAS SÃO PONTES

Poesia nos tempos que correm? Para quê? Não mata a fome a ninguém…
Mas ainda hoje ecoa o brado de Natália Correia - “Ó subalimentados do sonho/ a poesia é para comer!” Incansavelmente, João Rui de Sousa faz há muitos anos o inventário das justificações da poesia. Leia-se “A utilidade dos poetas”, do livro Quarteto para as próximas chuvas (Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008):



Os poetas são pontes
para numerosos recados.

 Ora eles (construindo-se) constroem,
com o eclodir das suas imagens e metáforas
oásis e palácios reinventados; ora eles,
alimentando-se com a rudeza da pedra,
ou mesmo com caliça e enxofre,
abrem espaço para recintos calamitosos,
para o zimbro do sofrimento.

 Andava pelos meus 15 anos quando descobri a poesia contemporânea nas páginas de um suplemento literário, clareira de luz num jornal soturno – o Correio do Ribatejo - semanário regional publicado em Santarém e de que meu pai era assinante. Essa página era feita por João Rui de Sousa e despertou o meu amor pela Literatura. Habituei-me a recortar poemas e a copiar prosas, que guardava depois num álbum de capa preta. Muitos anos depois, num jantar em Torres Vedras, pude agradecer pessoalmente a João Rui de Sousa esse trabalho de divulgação. Esta página LUGAR ONDE tem sido um tributo a esse grande poeta que me iniciou e faço-a mensalmente na convicção, talvez ingénua, de que possa despertar alguns jovens de hoje para o gosto dos livros e para o texto poético.

Sim, a poesia é necessária. Como diz João Rui de Sousa no final do poema: “eles (os poetas) podem, com palavras de alvor / e de resistência, ajudar a erguer as traves / de uma cidade aberta, de uma pátria livre.” |JMD

                                                                                * * *
POESIA AO JANTAR





Foi entre Fevereiro e Abril de 1991, há 20 anos! A Cooperativa de Comunicação e Cultura convidou quatro poetas para quatro jantares, no Restaurante D. Fuas, no Centro Histórico de Torres Vedras. Em 23 de Fevereiro veio Pedro Támen; em 9 de Março, Eugénio de Melo e Castro; em 23 de Março foi a vez de João M. Fernandes Jorge; e em 6 de Abril encerrou-se o ciclo com João Rui de Sousa. No último dos quatro folhetos então publicados, com a belíssima marca gráfica de Aurelindo Ceia, escrevia-se: “Foi primeira preocupação na organização deste ciclo, não só divulgar poesia e possibilitar relações de proximidade entre o autor e seus leitores, como deles fazer um acto de comunicação e prazer partilhados. Para isso, decidiu-se servir poesia ao jantar.” Na foto, junto à parede do fundo: Andrade Santos, João Rui de Sousa e Manuela Gomes, que fez a apresentação do poeta.
                                                                                      * * *

O POETA E A SUA POESIA
Nascido em 1928, João R de Sousa revela-se como poeta, em livro, na década de 60 do século passado, com Circulação. De inicial formação técnica agrícola, passou às Letras com a Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas. Trabalhou na Biblioteca Nacional como investigador de espólios literários. Foi um dos fundadores da revista literária Cassiopeia. A propósito da Obra Poética (1960-2000 ), publicada pela Dom Quixote em 2002 e que reúne toda a sua produção até essa altura, Joana M. Frias sublinhou que a poética de João Rui de Sousa se organiza em torno de duas ideias chave: visão existencialista, “dominada por uma expressão de angústia”; e um recorte clássico do discurso “assente em princípios como a harmonia, o equilíbrio e a regularidade, a nitidez e o rigor da construção” (Revista Relâmpago, nº12, Abril 2003). Lavra e pousio ( 2005) e Quarteto para as próximas chuvas(2008), são os títulos mais recentes da sua poesia, já muitas vezes distinguida com diversos prémios.
***

DEPOIS DE AMANHÃ A PRIMAVERA
 A dadivosa mãe que em tudo existe
para além do só remédio só palavra
um cobertor de esperanças para o medo
três girassóis lindíssimos desdobráveis
 A boca na boca e as lágrimas
mais azuis de brinquedos e de imensos
lençóis de inventar os dias límpidos
A dadivosa mãe as tardes quentes
 Florescer a noite de agasalhos
de corações em pé no destemor
alimentar as órbitas fraternas
de iluminar raízes dança pura
 Ó música sem tédio dos cabelos
do teu olhar do cheiro dos reflexos
desta razão solar! Em caule e rama
- ó dadivosa mãe - tudo desperta!

***

IR PELO MAIS LARGO

Eu sonho-me eu sobro-me eu excedo-me.
Jamais permitirei que me aparafusem
à parede das restrições. Jamais me coibirei
de colorir com as cores mais vivas os vidros
interiores. Jamais impedirei a explosão
contínua de mim mesmo (ou seja: de todo
o granito que aí se acoite).
 Irei pelo mais largo,
pela máxima amplitude de voz
e de palavras, pelos horizontes
mais fundos e verdejantes,
pelo sagrado voo e pelas pastagens
de uma excelsa ciência:
a de nada trair de essencial
à possível harmonia do mundo,
e à mais fraterna visão libertária.

***
LÍMPIDAS PALAVRAS
Eram límpidas palavras:
 eram insectos perfeitos
que não passavam por larvas;
 eram águas em corrente
fruídas logo à nascença
no entremeio das fragas;
 eram jovens diligentes
que sabiam como os lábios
ardiam antes da fala.

1 comentário:

lis disse...

Será que há quem nao goste de poesia Méon? é a melhor hora de esvaziar-se de si mesma e se encher de palavras , colher horas como se colhe rosas.
Eu amo os poetas.
Com sua permissão levo comigo a poesia de João Rui de Souza e agradeço suas partilhas necessárias e generosas.
Um "LUGAR ONDE"- habituei=me também a vir colher prosa poética.
Maravilhoso post.
um abraço