VASCO GRAÇA MOURA
A poesia ensina a perder o fôlego
Fica já dito: quem só gosta de quadras populares com rimas
chochas não leva nada desta poesia. Porque ela é exigente. Não por ser difícil
mas por exigir outra disponibilidade. Rica de referências culturais e de
ironias subtis, a poesia de Vasco Graça Moura escora-se numa incomum técnica de
fabricação de versos e rimas que chegam a lembrar os poetas do séc. XVII – o
que ele logo desmente com uma temática actualíssima. Nem aqui faltam letras
para Fados – mas que letras!
Agora que saiu a POESIA REUNIDA(Quetzal, vol 1, Lisboa,
2012), em que se juntam 50 anos de labor poético, é que é possível abarcar o
imenso horizonte desta escrita, torrente caudalosa de milhares de versos que
ensinam a perder o fôlego – porque só a leitura nos faculta o ar para a vida.
Tenho pena de não dispor de mais dez páginas do jornal…
De perder o fôlego, a leitura desta obra!
CITAÇÕES
«Vasco Graça Moura (. 1942) que o grande público se habituou a
identificar com o comentarismo ideológico. E, no entanto, desde Jorge de Sena,
talvez seja ele – com a possível excepção de David Mourão-Ferreira – a
personalidade literária mais completa. Ensaísta, tradutor laureado,
ficcionista, dramaturgo, cronista, é como poeta que atinge maior conseguimento»
«Estudioso não-ortodoxo de Camões e tradutor celebrado de
Shakespeare, Dante, Enzensberger e Gotfried Benn, (…) sempre fez da sua poesia
«um lugar de cultura [...] e por outro lado transforma a escrita poética numa
caixa de ressonância e reminiscências», como bem observou Clara Rocha. Nos seus
versos, as reminiscências denunciam quase sempre uma vasta erudição»(Eduardo
Pitta, in “Comenda de Fogo, Círculo de Leitores, Braga, 2001)
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POEMAS
nova
meditação sobre a palavra
assim a
palavra se prestasse
ao jade ao jogo ao jugo de uma toda
arte poética e nunca ripostasse
em golpes repentinos de judoka
assim nunca
o poema se traísse
na trama
aleatória de uma aposta
perdida seu hábil mecanismo
traria o
juro ao artesão que o monta
mas por
precisa que seja a utensilagem
e a mão que
a usa por grande a qualidade
que tenha o
material severo da palavra
por completa
que fique a engrenagem
porque é que
a ultrapassam as palavras
e ficam
sendo sempre mais do que isso?
medusa
é quando a musa às vezes é medusa
hipnótica na noite, a que nos ladra
se o sono que não temos não lhe quadra
e dos nossos destinos se descruza,
e nos converte então em pedra-pomes
de atroz inconsistência o coração,
e fica duro e calcinado e não
se acalmam sofrimentos, ânsias, fomes,
e nos gela o seu gélido desprezo
que fica a rodear-nos como um halo,
ou um silêncio vil só de escutá-lo,
ou um eco mais torpe que traz preso,
e a apagar tudo o mais que se recorde,
com os dentes em sangue, morde, morde.
ofélia
é no vaivém
da lua que naufraga
uma rosa
nocturna assim perdendo
o lume e o
perfume em que se apaga
o despegar
das pétalas na vaga
vagarosa em
que voga estremecendo,
com as
grinaldas frouxas que inda traga,
ofélia entre
nenúfares descendo,
vestida de
palavras e morrendo.
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QUEM VAI À GUERRA…
Sou
contrário à tese de que os escritores devem abster-se de tomar posições
políticas públicas. O escritor é um cidadão como os outros, embora com a
responsabilidade acrescida de dominar instrumentos de comunicação de que a
escrita é o mais óbvio.
Vasco
Graça Moura é figura destacada no panorama cultural português. Tem desempenhado
variadíssimos cargos de gestão administrativo-cultural: Administrador da
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Comissário-geral para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses ou Director do Serviço de Bibliotecas e Apoio à
Leitura da Fundação Gulbenkian, entre outros. É, actualmente, Presidente da
Fundação Centro Cultural de Belém. E foi Deputado no Parlamento Europeu durante
10 anos, eleito pelo PSD.
Escreve
regularmente na imprensa e não se coíbe de defender opiniões polémicas, seja
sobre a actualidade política, seja sobre questões culturais, caso do último
Acordo Ortográfico de que se tem assumido opositor feroz.
É
claro que o seu desassombro e truculência lhe têm valido reacções de sinal
contrário. Na guerra de argumentos, tal como na outra, quem dá também leva.
A
título de exemplo, há tempos VGM opinou sobre a CPLP – Comunidade de Países de
Língua Portuguesa, com estas palavras:
«O
Instituto Internacional da Língua Portuguesa não está em funcionamento porque
nenhum dos países membros da CPLP lhe dá meios para o fazer», disse Vasco Graça
Moura, a propósito da VIII Cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, que
decorre sexta-feira, em Luanda. «Isto corresponde a uma coisa chamada CPLP, que
é uma espécie de fantasma que não serve para rigorosamente nada, que só serve
para empatar e ocupar gente desocupada».
O
conhecido blogue http://wehavekaosinthegarden.wordpress.com/tag/vasco-graca-moura/
comentou e ilustrou:
«Engraçado
ver o pomposo Vasquinho, ex-deputado do PSD, a dizer isto quando o Sr. (Cavaco) Silva tinha acabado de dar uma longa entrevista onde
realçou a importância e a influência da CPLP, muito especialmente após o seu
mandato como seu Presidente e do grande trabalho por ele realizado.
PS: Claro que isto não tem importância
nenhuma, mas não gosto muito do Vasco Graça Moura, que me parece preconceituoso
e elitista, mas na prática poucos ligam com o que diz. Talvez por isso poucas
vezes lhe pude fazer aqui um boneco e …apeteceu-me.»
A mim, que preparo esta página em plena
época de carnaval, também me apeteceu transcrever esta brincadeira…
2 comentários:
Eu que o diga Joaquim_ a poesia quase sempre me faz perder o folego rs
sem leitura seria tudo muito muito mais triste.
Vez ou outra publico algo de Vasco Graça Moura_ sou muito fã de autores portugueses, gosto da linguagem mais pura e original .
Obrigada ,os poemas são ótimos" ... ultrapassam as palavras."
abraço da
lis
Ai, Joaquim, que pedagogia! A última linha deste Lugar Onde...
É de mestre.
José Luís
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