14.2.13

LUGAR ONDE - Pagina do BADALADAS - 15 Fev 2013





VASCO GRAÇA MOURA

A poesia ensina a perder o fôlego


Fica já dito: quem só gosta de quadras populares com rimas chochas não leva nada desta poesia. Porque ela é exigente. Não por ser difícil mas por exigir outra disponibilidade. Rica de referências culturais e de ironias subtis, a poesia de Vasco Graça Moura escora-se numa incomum técnica de fabricação de versos e rimas que chegam a lembrar os poetas do séc. XVII – o que ele logo desmente com uma temática actualíssima. Nem aqui faltam letras para Fados – mas que letras!
Agora que saiu a POESIA REUNIDA(Quetzal, vol 1, Lisboa, 2012), em que se juntam 50 anos de labor poético, é que é possível abarcar o imenso horizonte desta escrita, torrente caudalosa de milhares de versos que ensinam a perder o fôlego – porque só a leitura nos faculta o ar para a vida.
Tenho pena de não dispor de mais dez páginas do jornal…
De perder o fôlego, a leitura desta obra!


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CITAÇÕES

«Vasco Graça Moura (. 1942) que o grande público se habituou a identificar com o comentarismo ideológico. E, no entanto, desde Jorge de Sena, talvez seja ele – com a possível excepção de David Mourão-Ferreira – a personalidade literária mais completa. Ensaísta, tradutor laureado, ficcionista, dramaturgo, cronista, é como poeta que atinge maior conseguimento»

«Estudioso não-ortodoxo de Camões e tradu­tor celebrado de Shakespeare, Dante, Enzensberger e Gotfried Benn, (…) sempre fez da sua poesia «um lugar de cul­tura [...] e por outro lado transforma a escrita poética numa caixa de ressonância e reminiscências», como bem observou Clara Rocha. Nos seus versos, as reminiscências denunciam quase sempre uma vasta erudição»(Eduardo Pitta, in “Comenda de Fogo, Círculo de Leitores, Braga, 2001)

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POEMAS


nova meditação sobre a palavra

assim a palavra se prestasse
ao jade ao jogo  ao jugo de uma toda
arte poética e nunca ripostasse
em golpes repentinos de judoka

assim nunca o poema se traísse
na trama aleatória de uma aposta
perdida  seu hábil mecanismo
traria o juro ao artesão que o monta

mas por precisa que seja a utensilagem
e a mão que a usa  por grande a qualidade
que tenha o material severo da palavra
por completa que fique a engrenagem

porque é que a ultrapassam as palavras
e ficam sendo sempre mais do que isso?


medusa

é quando a musa às vezes é medusa
hipnótica na noite, a que nos ladra
se o sono que não temos não lhe quadra
e dos nossos destinos se descruza,

e nos converte então em pedra-pomes
de atroz inconsistência o coração,
e fica duro e calcinado e não
se acalmam sofrimentos, ânsias, fomes,

e nos gela o seu gélido desprezo
que fica a rodear-nos como um halo,
ou um silêncio vil só de escutá-lo,
ou um eco mais torpe que traz preso,

e a apagar tudo o mais que se recorde,
com os dentes em sangue, morde, morde.


ofélia

é no vaivém da lua que naufraga
uma rosa nocturna assim perdendo
o lume e o perfume em que se apaga
o despegar das pétalas na vaga
vagarosa em que voga estremecendo,
com as grinaldas frouxas que inda traga,
ofélia entre nenúfares descendo,
vestida de palavras e morrendo.


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QUEM VAI À GUERRA…


Sou contrário à tese de que os escritores devem abster-se de tomar posições políticas públicas. O escritor é um cidadão como os outros, embora com a responsabilidade acrescida de dominar instrumentos de comunicação de que a escrita é o mais óbvio.
Vasco Graça Moura é figura destacada no panorama cultural português. Tem desempenhado variadíssimos cargos de gestão administrativo-cultural: Administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Comissário-geral para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses ou Director do Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da Fundação Gulbenkian, entre outros. É, actualmente, Presidente da Fundação Centro Cultural de Belém. E foi Deputado no Parlamento Europeu durante 10 anos, eleito pelo PSD.
Escreve regularmente na imprensa e não se coíbe de defender opiniões polémicas, seja sobre a actualidade política, seja sobre questões culturais, caso do último Acordo Ortográfico de que se tem assumido opositor feroz.
É claro que o seu desassombro e truculência lhe têm valido reacções de sinal contrário. Na guerra de argumentos, tal como na outra, quem dá também leva.

A título de exemplo, há tempos VGM opinou sobre a CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa, com estas palavras:
«O Instituto Internacional da Língua Portuguesa não está em funcionamento porque nenhum dos países membros da CPLP lhe dá meios para o fazer», disse Vasco Graça Moura, a propósito da VIII Cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, que decorre sexta-feira, em Luanda. «Isto corresponde a uma coisa chamada CPLP, que é uma espécie de fantasma que não serve para rigorosamente nada, que só serve para empatar e ocupar gente desocupada».

«Engraçado ver o pomposo Vasquinho, ex-deputado do PSD, a dizer isto quando o Sr. (Cavaco) Silva tinha acabado de dar uma longa entrevista onde realçou a importância e a influência da CPLP, muito especialmente após o seu mandato como seu Presidente e do grande trabalho por ele realizado.
PS: Claro que isto não tem importância nenhuma, mas não gosto muito do Vasco Graça Moura, que me parece preconceituoso e elitista, mas na prática poucos ligam com o que diz. Talvez por isso poucas vezes lhe pude fazer aqui um boneco e …apeteceu-me.»
A mim, que preparo esta página em plena época de carnaval, também me apeteceu transcrever esta brincadeira… 




2 comentários:

lis disse...

Eu que o diga Joaquim_ a poesia quase sempre me faz perder o folego rs
sem leitura seria tudo muito muito mais triste.
Vez ou outra publico algo de Vasco Graça Moura_ sou muito fã de autores portugueses, gosto da linguagem mais pura e original .
Obrigada ,os poemas são ótimos" ... ultrapassam as palavras."
abraço da
lis

José Patrício disse...

Ai, Joaquim, que pedagogia! A última linha deste Lugar Onde...
É de mestre.

José Luís