18.12.12

VOZES DO ALENTEJO EM TORRES VEDRAS


Maria de Lurdes Santos foi professora de Literatura Portuguesa e de Latim durante mais de trinta anos numa Escola Secundária de Torres Vedras.



Acaba de publicar um livro muito interessante que chegou até nós no passado Sábado, em sessão pública: VOZES DO ALENTEJO, edição da autora.

Neste livro propõe uma visita guiada à produção poética de autores populares do Alentejo, muitos deles analfabetos, cruzando os seus poemas com os de autores ditos eruditos ( letrados, reconhecidos como tal), verificando que as temáticas são frequentemente comuns e a forma usada pelos poetas populares não desmerece em nada da dos outros mais cultos.

Lurdes Santos analisa essas formas e destaca o domínio técnico destes autores populares que têm como base de registo unicamente a memória, chamando a atenção para o ritmo, as rimas e a fidelidade aos padrões clássicos da versificação, em linhas de continuidade que remontam à época medieval.

Este é um estudo feito a partir do contacto directo com os poetas populares e com a preocupação de contextualizar as suas produções com a vida quotidiana, articulando-a com o aspecto mais geral do país. Os textos surgem-nos assim em contexto social e político, o que lhes dá uma dimensão que ultrapassa as fronteiras do Alentejo. 
Veja-se esta sextilha de um dos grandes poetas populares alentejanos, Manuel José Santinhos:

O fadinho trabalhista
Cantado por um fadista
Aldeão ou camponês
Ao transmitir a poesia
Vem fornecer ousadia
Ao povo português

Ressalta também dos muitos versos transcritos pela autora o cunho ingénuo mas genuíno destes escritos. Neles se reflecte o reconhecimento do autor de que sabe que está a fazer algo que é muito especial (versos!) e, não raro, a sua surpresa por superar as suas limitações

Saboreemos estas décimas, a partir da quadra que serve de mote:

Mote

"Cada parvo com sua mania"
Lá diz o velho ditado
A minha é fazer poesia
Que espero ser do vosso agrado

Um dia estando a pensar
Na minha mente se fez luz
E para o papel transpus
As palavras a rimar;
Comecei assim a analisar
Tudo aquilo que eu sentia;
Com grande gosto o fazia;
Inda hoje isso me alegra
Pois eu cá não fujo à regra
"Cada parvo com sua mania".

É de noite principalmente
Que me dão estas parvidades
Umas mentiras, outras verdades
Vêm à minha ideia de repente;
Aparecem naturalmente
Sem muito me ter esforçado;
Acho isto muito engraçado;
"Quem não pode como quer
Que faça como puder"
Lá diz o velho ditado.


Eu gosto muito de ler;
A leitura me alimenta
Porque minha alma sedenta
Precisa de se rejuvenescer;
Mas há quem mais goste de saber
Se ganhou na lotaria
Corta de noite e de dia
Na casaca até mais não;
Têm a mania da perfeição
A minha é fazer poesia.

Eu já não tenho é a alegria
De quando era moça nova
Mas às vezes ainda renova
Um pouco dessa magia;
Talvez seja da euforia
De ter este gosto apanhado;
A poesia é um trinado
Mas melhor eu não sei fazer
Esta quadra estou a escrever
Que espero ser do vosso agrado.

Beatriz G. C. Nunes in: Cancioneiro Popular Terras de Santiago


Um agradecimento muito especial à nossa colega Mª Lurdes Santos por esta prendinha de Natal.



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