DOR E DESESPERANÇA
ONDE ESTÃO OS ESCRITORES DO MEU PAÍS?
O poeta e ensaísta Eduardo Pitta interrogava há dias o que
pensam e o que fazem os nossos escritores contemporâneos em relação ao momento
político que vivemos. "Que pensam da falácia europeia, do desemprego sem
freio, do empobrecimento geral..."? - Lançava ele na revista LER de Março
2013. Estranhava o alheamento de tantos nomes conhecidos das Letras, nossos
contemporâneos, e recordava os das gerações precedentes que deram testemunho de
insubmissão: Aquilino
Ribeiro, José Gomes Ferreira, Miguel Torga,
Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Urbano Tavares Rodrigues, muitos
outros ( Daniel Filipe, Carlos de Oliveira, Manuel Alegre, Alexandre O’Neill...)
Escritores que, antes de 1974, davam a cara, tomavam posição, tinham lugar na
luta pela dignificação do homem. E eram presos, respondiam em tribunais
políticos.
Perguntas pertinentes. Parece que os autores,
agora, preferem resguardar-se, não se comprometem. Procuram safar-se, vender.
Aparecem nos Encontros de escritores e cultivam a glória do texto mais original
que marque posição no campeonato dos famosos. Há que aparecer, escrever no Jornal de Letras, na Ler
e na Actual, fazer parte de júris. Narcisos
literários, alheados do sentir colectivo.
Já no final, Eduardo Pitta, prevendo dias negros em que os desempregados virão
finalmente para a rua, concluía: "Nesse dia ninguém vai querer saber do
sexo dos anjos para nada".
Hoje, tempo de dor sem esperança, regressemos aos poetas que
não calam.
Roga por
nós, ó pátria, ó sonho sem fronteira!
por nós a
quem recusam a alegria,
a liberdade,
o pão de cada dia,
a vida
verdadeira!
Ó pátria,
canta! Do teu presepe imaginário
ergue a voz
dulcíssima, magoada,
e estilhaça
de -esperança as paredes do aquário,
ó pacífica
pomba engaiolada!
Contigo iremos pela noite fora,
cantando «Erguendo rútilas bandeiras
por sobre aldeias, campos, sementeiras,
como os arcanjos portadores da aurora».
Daniel Filipe,
Pátria, Lugar de Exílio, 4ª Canção
*
SONETO
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de
cantar-vos a beleza de um dia,
quando a luz
que não nego abrir o escuro
da noite que
nos cerca como um muro,
e chegares a
teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz
de morte é a voz da luta:
se quem
confia a própria dor perscruta,
maior glória
tem em ter esperança.
Carlos de Oliveira
*
URNA ÁUREA
Ó Pátria amada minha misteriosa
que da Europa és a esfinge! És o
rebate
de uma última pedra preciosa
ou és cedo demais num tempo acre?
Sempre em tua estação de desditosa
deste mirtos em campos de vinagre.
Dá-nos consolação ó nebulosa!
sepultada no ovo do milagre.
Serás morte? serás a comovente
despedida do Anjo do Ocidente
que a flor perdeu anunciando balas?
Nas quinas és a urna de um segredo:
guardas a noite? o dia? és tarde? és
cedo?
Louca e triste, ó Mãe, porque te
calas?
Natália Correia
Epístola aos iamitas, Urna
Áurea
A CORAGEM DE
SOPHIA
“Não é
possível distinguir a poeta da cidadã. Sophia de Mello Breyner foi
exemplarmente as duas coisas. E a coragem foi uma das marcas do seu percurso
humano” (Guilherme de Oliveira Martins).
Quando, nos convívios clandestinos, a resistência cantava “Vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar” – eram de Sophia esses versos. A poesia não se refugiava na torre de marfim.
(O Nome das Coisas, 1972):
Quando, nos convívios clandestinos, a resistência cantava “Vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar” – eram de Sophia esses versos. A poesia não se refugiava na torre de marfim.
(O Nome das Coisas, 1972):
(…)
Sei que seria possível construir
a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar
a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta
para a reconstrução do mundo
A voz de
Sophia prolonga a de Camões na denúncia do “vil interesse e sede imiga / do
dinheiro que a tudo nos obriga” (VIII,96) e dos que não hesitam “Por contentar
o Rei no ofício novo / a despir e roubar o pobre povo”(VII, 85). Voz que ressoa
nestes versos bem explícitos:
Nestes
últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos
confusões praticou injustiças
Mas que
diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação
das coisas que a direita pratica?
Que diremos
do lixo do seu luxo — de seu
Viscoso gozo
da nata da vida — que diremos
De sua feroz
ganância e fria possessão?
Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?
Que diremos
de suas máscaras álibis e pretextos
De suas
fintas labirintos e contextos?
Nestes
últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou
as linhas do seu rosto
Mas que
diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação
da vida que a direita pratica?
Julho de 1976
***
1968: Sophia
visita a prisão política de Caxias e disso deixou testemunho:
CAXIAS 68
Luz
recortada nesta manhã fria
Muros e
portões chave a pós chave
O meu amor
por ti é fundo e grave
Confirmado
nas grades deste dia
***
Os poetas, os escritores do meu país, calam a desgraça,
já não semeiam "trovas no vento que passa", já não dizem NÃO!
Porquê?
[Fotos da net]
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