Helder Macedo é tema de capa da LER de Março 2013.
Ler de fio a pavio, é claro.
H. Macedo gosta de malandrices. Para além de fumar que nem um cavalo ( dos que fumam...)acha que Camões é "o malandro maior da literatura portuguesa" - está na capa e vem lá dentro, na entrevista feita pela Ana Sousa Dias.
Concordo em parte - acho que o Bocage era ainda mais..
Já nos meus idos do Liceu de Santarém o professor Brás ( Reis Brasil, pseudónimo literário) esfalfava-se a explicar que era uma patetice falar em amor platónico em Camões. "Qual platónico! Ele era pelo amor puro, isto é, amor inteiro, o que supõe também a carne!"
E lembrava que Camões o diz no episódio da morte de Inês de Castro:
" Tu, só tu, puro Amor, com força crua
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua, "
O puro Amor de Inês dera-lhe três filhos de Pedro, como bem lembrava o bom do dr. Brás.
Volto ao Helder Macedo. Diz ele que há versos de Camões que roçam a obscenidade:
“O Camões é
o malandro maior da literatura portuguesa. Basta ler aquilo que até há pouco
tempo - e eu escrevi bastante sobre isso - as pessoas rejeitavam como sendo o
Camões que não interessa, as Cartas que são de
uma hilariante obscenidade e perfeitamente extraordinárias. A maneira como ele
descreve a vida de Lisboa, com uma crítica social acérrima, e não apenas quando
fala da vida boémia dos prostíbulos que ele frequentava ativamente, chamando aliás às prostitutas,
porque estavam à janela, as
«ninfas de água doce». E muita da poesia lírica, mesmo nos sonetos mas
sobretudo nas redondilhas, há poemas que, se descodificamos, são profundamente
obscenos. Há um exemplo extraordinário que parece a coisa mais inocente do
mundo. Orgulho-me de ter sido
a primeira pessoa que entendeu o significado da redondilha: o mote é «Quem
disser que a barca pende, dir-lhe-ei, mana, que mente». E as voltas - «esta
barca é de carreira, tem seus aparelhos novos, boa de leme e veleira». Quando
descodificamos, a barca é fálica e a água é a coisa feminina. É um poema de alta
propaganda da sua virilidade. Traduzindo isto em linguagem corrente, é obsceno
em extremo e, assim, é lindo.
(…)
Num poema feito por ele, é uma obscenidade radiosa e nada negativa.
Traduzido em linguagem de rua, aí os pudicos e as pudicas ofendiam-se muito. Assim, dizem «cena misteriosa à
beira de um rio». São aqueles exegetas tradicionais do Camões (…)”
Ops! Interessante!
Que versos são esses?
Mote
Quem
disser que a barca pende
Dir-lhe-ei,
mana, que mente.
Voltas
Se vos
quereis embarcar
— E pera
isso estais no cais —
Entrai logo.
Que tardais?
Olhai que
está praia-mar:
E se outrem,
por vos fretar,
Vos disser
que esta que pende,
Dir-lhe-ei,
mana, que mente.
Esta barca é
de carreira,
Tem seus
aparelhos novos;
Não há como
ela outra em povos,
Boa de leme
e veleira.
Mas se, por
ser a primeira,
Vos disser
alguém que pende,
Dir-lhe-ei,
mana, que mente.
Luís de
Camões
OBRA
COMPLETA, Redondilhas
Quem sou eu para contestar Helder Macedo, professor catedrático de Estudos Portugueses durante 33 anos no King's Colledge?
Sempre a aprender!
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