10.3.13

MALANDRAGENS



Helder Macedo é tema de capa da LER de Março 2013.
Ler de fio a pavio, é claro.

H. Macedo gosta de malandrices. Para além de fumar que nem um cavalo ( dos que fumam...)acha que Camões é "o malandro maior da literatura portuguesa" - está na capa e vem lá dentro, na entrevista feita pela Ana Sousa Dias.

Concordo em parte - acho que o Bocage era ainda mais..
Já nos meus idos do Liceu de Santarém o professor Brás ( Reis Brasil, pseudónimo literário) esfalfava-se a explicar que era uma patetice falar em amor platónico em Camões. "Qual platónico! Ele era pelo amor puro, isto é, amor inteiro, o que supõe também a carne!"
E lembrava que Camões o diz no episódio da morte de Inês de Castro:

" Tu, só tu, puro Amor, com força crua
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua, "

O puro Amor de Inês dera-lhe três filhos de Pedro, como bem lembrava o bom do dr. Brás.

Volto ao Helder Macedo. Diz ele que há versos de Camões que roçam a obscenidade:


“O Ca­mões é o malandro maior da literatura portuguesa. Basta ler aquilo que até há pouco tempo - e eu escre­vi bastante sobre isso - as pessoas rejeitavam como sendo o Camões que não interessa, as Cartas que são de uma hilariante obscenidade e perfeitamente ex­traordinárias. A maneira como ele descreve a vida de Lisboa, com uma crítica social acérrima, e não apenas quando fala da vida boémia dos prostíbulos que ele frequentava ativamente, chamando aliás às prostitu­tas, porque estavam à janela, as «ninfas de água doce». E muita da poesia lírica, mesmo nos sonetos mas sobretudo nas redondilhas, há poemas que, se des­codificamos, são profundamente obscenos. Há um exemplo extraordinário que parece a coisa mais inocente do mundo. Orgulho-me de ter sido a primei­ra pessoa que entendeu o significado da redondilha: o mote é «Quem disser que a barca pende, dir-lhe-ei, mana, que mente». E as voltas - «esta barca é de car­reira, tem seus aparelhos novos, boa de leme e veleira». Quando descodificamos, a barca é fálica e a água é a coisa feminina. É um poema de alta propaganda da sua virilidade. Traduzindo isto em linguagem corren­te, é obsceno em extremo e, assim, é lindo.
(…)
Num poema feito por ele, é uma obscenidade radiosa e nada negativa. Traduzido em linguagem de rua, aí os pudicos e as pudicas ofendiam-se muito. Assim, dizem «cena misteriosa à beira de um rio». São aqueles exe­getas tradicionais do Camões (…)”


Ops! Interessante!
Que versos são esses?



Mote
Quem disser que a barca pende
Dir-lhe-ei, mana, que mente.

Voltas

Se vos quereis embarcar
— E pera isso estais no cais —
Entrai logo. Que tardais?
Olhai que está praia-mar:
E se outrem, por vos fretar,
Vos disser que esta que pende,
Dir-lhe-ei, mana, que mente.

Esta barca é de carreira,
Tem seus aparelhos novos;
Não há como ela outra em povos,
Boa de leme e veleira.
Mas se, por ser a primeira,
Vos disser alguém que pende,
Dir-lhe-ei, mana, que mente.

Luís de Camões
OBRA COMPLETA, Redondilhas



Quem sou eu para contestar Helder Macedo, professor catedrático de Estudos Portugueses durante 33 anos no King's Colledge?
Sempre a aprender!

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