27.9.06

Que lugar é este?

Pergunto, perguntamos. E abro Fernando Pessoa ao acaso. Põe-me a mão sobre o ombro e arrasta-me pelas ruas de Lisboa. Vai falando:


« Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!

Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?Está maluco.
(...)


Hoje é quem eu sou.Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.

Se eu pudesse crer num manipanso qualquer
–Júpiter, Jeová, a Humanidade,
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!


Fernando Pessoa

Droga pesada, este homem. Procuro desembaraçar-me dele, quero caminhar sozinho. Paro junto ao Jardim de S. Pedro de Alcântara, olho o mar de casas. Custa-me respirar, a angústia tira o sono, o apetite, a alegria.
Mas ele alcançou-me de novo e diz, muito de leve, a olhar em frente:
"... netos do Destino e enteados de Deus , que casou com a Noite Eterna quando ela enviuvou do Caos que nos procriou..."

1 comentário:

avelaneiraflorida disse...

Talvez um "antídoto":

No jardim da lembrança,
Onde cultivo as flores
De perpétua e alada primavera,
Nem a terra se cansa,
Nem desmaiam as cores,
Nem o pólen dos sonhos desespera [...]

chamado MIGUEL TORGA?!!