Aquilino Ribeiro
A Casa Grande de Romarigães
AQUILINO RIBEIRO NO PANTEÃO NACIONAL
Quem foi este homem? Merece tamanha honra?
Os restos mortais do escritor Aquilino Ribeiro devem ser trasladados para o Panteão nacional – propôs, há duas semanas, o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Para as novas gerações talvez este nome já diga pouco. No entanto ele é um dos grandes escritores portugueses. Depois de Camilo C. Branco e de Eça de Queiroz, não houve mais nenhum que tão bem soubesse dominar a Língua Portuguesa, pela capacidade plástica e expressiva, pela riqueza vocabular, pela variedade de construção, pelo recurso à saborosíssima oralidade popular que ele bebeu desde a infância na Beira Alta onde nasceu. A sua pena laboriosíssima – 50 anos de vida literária, com romances, novelas, contos, memórias, traduções e muito mais – fixou em páginas inesquecíveis todos os tipos humanos do povo, os pobres e esquecidos do progresso, que se afirmam pela tenacidade e pela manha, habituados às condições duríssimas da vida serrana ou da sorte adversa nas mais diversas paragens.
Aquilino Ribeiro foi acusado de “escritor difícil” porque usava muitos termos caídos em desuso no falar urbano – e talvez se encontre aqui a causa de algum esquecimento a que foi votado. Aos acusadores lembrava que, a esses termos regionalistas, os ouvia do povo nas aldeias. E que, perante uma palavra desconhecida, o bom leitor tira pelo sentido e passa adiante.
Dele ficou a imagem do escritor que não se refugiou na secretária. Lutou contra a monarquia e contra a ditadura do Estado Novo, correu riscos, foi preso, exilou-se. Cinco anos antes de morrer ainda publicou “Quando os Lobos Uivam”, romance em que denunciou a florestação forçada dos baldios, até aí secular fonte de lenha e pastorícia dos povos serranos. O governo de Salazar perseguiu-o e ele respondeu, intrépido, com um opúsculo exemplar de desassombro, intitulado “Quando os Lobos julgam, a Justiça uiva”. Só não foi a julgamento devido ao levantamento nacional e internacional que se organizou em sua defesa.
Parece-nos, pois, que a iniciativa de Jaime Gama, propondo a inumação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro no Panteão Nacional de Santa Engrácia, é justíssima e só pecará por tardia.
JMD
Quem foi este homem? Merece tamanha honra?
Os restos mortais do escritor Aquilino Ribeiro devem ser trasladados para o Panteão nacional – propôs, há duas semanas, o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Para as novas gerações talvez este nome já diga pouco. No entanto ele é um dos grandes escritores portugueses. Depois de Camilo C. Branco e de Eça de Queiroz, não houve mais nenhum que tão bem soubesse dominar a Língua Portuguesa, pela capacidade plástica e expressiva, pela riqueza vocabular, pela variedade de construção, pelo recurso à saborosíssima oralidade popular que ele bebeu desde a infância na Beira Alta onde nasceu. A sua pena laboriosíssima – 50 anos de vida literária, com romances, novelas, contos, memórias, traduções e muito mais – fixou em páginas inesquecíveis todos os tipos humanos do povo, os pobres e esquecidos do progresso, que se afirmam pela tenacidade e pela manha, habituados às condições duríssimas da vida serrana ou da sorte adversa nas mais diversas paragens.
Aquilino Ribeiro foi acusado de “escritor difícil” porque usava muitos termos caídos em desuso no falar urbano – e talvez se encontre aqui a causa de algum esquecimento a que foi votado. Aos acusadores lembrava que, a esses termos regionalistas, os ouvia do povo nas aldeias. E que, perante uma palavra desconhecida, o bom leitor tira pelo sentido e passa adiante.
Dele ficou a imagem do escritor que não se refugiou na secretária. Lutou contra a monarquia e contra a ditadura do Estado Novo, correu riscos, foi preso, exilou-se. Cinco anos antes de morrer ainda publicou “Quando os Lobos Uivam”, romance em que denunciou a florestação forçada dos baldios, até aí secular fonte de lenha e pastorícia dos povos serranos. O governo de Salazar perseguiu-o e ele respondeu, intrépido, com um opúsculo exemplar de desassombro, intitulado “Quando os Lobos julgam, a Justiça uiva”. Só não foi a julgamento devido ao levantamento nacional e internacional que se organizou em sua defesa.
Parece-nos, pois, que a iniciativa de Jaime Gama, propondo a inumação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro no Panteão Nacional de Santa Engrácia, é justíssima e só pecará por tardia.
JMD
Aquilino Ribeiro: Biografia
Aquilino Ribeiro nasce a 13 de Setembro de 1885 em Carregal, concelho de Sernancelhe. Aos dez anos, vai residir com os pais para Soutosa, onde faz a instrução primária. Transita depois para Lamego e Viseu, onde chega a frequentar o seminário, abandonando-o por falta de vocação. Em 1906 muda-se para Lisboa e, em pleno período de agitação republicana, começa a escrever os primeiros artigos em jornais. Em 1907, devido à explosão de uma bomba, é preso. Mas consegue evadir-se e, entre 1908 e 1914, divide a sua residência entre Paris e Berlim. Em 1914, com a eclosão da I Grande Guerra, volta a Portugal. Em 1918 publica o primeiro romance, "A Vida Sinuosa". A convite de Raul Proença, entra em 1919 para a Biblioteca Nacional. A partir desse ano, escreve incessantemente: "Terras do Demo" (1919), "O Romance da Raposa" (1924), "Andam Faunos Pelos Bosques" (1926), "A Batalha Sem Fim" (1931) e muitos outros títulos. Envolvido em revoltas contra a ditadura militar, no Porto e em Viseu, exila-se por duas vezes em Paris, onde casa pela segunda vez (a primeira mulher falecera). A partir de 1935 o seu labor literário torna-se mais fecundo: "Volfrâmio" (1944), "O Arcanjo Negro" (1947), "O Malhadinhas" (1949), "A Casa Grande de Romarigães" (1957), "Quando os Lobos Uivam" (1958), este último apreendido pela censura e pretexto para um processo em tribunal. Entretanto, viaja: Brasil, Londres, Paris. Em 1960 o seu nome foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura. Três anos depois, durante as comemorações do 50° aniversário do seu primeiro livro – promovidas pela Sociedade Portuguesa de Escritores, então presidida por Ferreira de Castro – adoece inesperadamente. Morre a 7 de Maio de 1963, no Hospital da CUF, com 78 anos.
A História da Casa Grande
Aquilino Ribeiro, no prefácio que escreveu para o romance "A Casa Grande de Romarigães" – uma das suas obras mais lidas, inspirada num velho solar do alto Minho que ainda hoje pode ser visitado –, explica em que é que se baseou:
"Quando se procedeu ao restauro da Casa Grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho dum santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos. (…) Não posso ver um farrapo impresso que não se me sobressalte a curiosidade. Com avidez fui tirando para fora cartapácios sem frontispício e sem índice, entre os quais um Mestre de Vida que ostentava uma dactiloscopia densa e salivosa, com os cantos das folhas tenazmente arrebitados, avisos e recibos da contribuição predial, uma resma de bulas da Santa Cruzada de pinto e de doze vinténs, receitas de botica, algumas traindo pelo sebo e a usura terem sido aviadas amiúde, folhinhas de anos sucessivos, e uns cadernos de papel almaço em que me palpitou matéria de bisbilhotice. Um deles, (...)foi o “Livro que há-de servir ao assentamento das cisas notáveis que assucederem na Casa Grande de Romarigães, também chamada Quinta de Nossa Senhora do Emparo. Com um epítome da origem, fundação, sítio e nobilíssima árvore de seus morgados, pelo Padre Sebastião Mendrugo, da Casa Cachada, e seu capelão. Ano da Graça de 1680". (…)"O outro manuscrito, em letra especiosamente torneada, chamava-se Vida de D. Luís António de Antas e Meneses, sargento-mor de Milícias e procurador às Cortes de 1828. Ao que se depreendia do estilo, abundante em ciência heráldica e genealógica, era obra dum linhagista do Alto Minho, tão amigo de Deus e do rei como inimigo dos malhados, o senhor Manuel Afonso, de Venade":
"Quando se procedeu ao restauro da Casa Grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho dum santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos. (…) Não posso ver um farrapo impresso que não se me sobressalte a curiosidade. Com avidez fui tirando para fora cartapácios sem frontispício e sem índice, entre os quais um Mestre de Vida que ostentava uma dactiloscopia densa e salivosa, com os cantos das folhas tenazmente arrebitados, avisos e recibos da contribuição predial, uma resma de bulas da Santa Cruzada de pinto e de doze vinténs, receitas de botica, algumas traindo pelo sebo e a usura terem sido aviadas amiúde, folhinhas de anos sucessivos, e uns cadernos de papel almaço em que me palpitou matéria de bisbilhotice. Um deles, (...)foi o “Livro que há-de servir ao assentamento das cisas notáveis que assucederem na Casa Grande de Romarigães, também chamada Quinta de Nossa Senhora do Emparo. Com um epítome da origem, fundação, sítio e nobilíssima árvore de seus morgados, pelo Padre Sebastião Mendrugo, da Casa Cachada, e seu capelão. Ano da Graça de 1680". (…)"O outro manuscrito, em letra especiosamente torneada, chamava-se Vida de D. Luís António de Antas e Meneses, sargento-mor de Milícias e procurador às Cortes de 1828. Ao que se depreendia do estilo, abundante em ciência heráldica e genealógica, era obra dum linhagista do Alto Minho, tão amigo de Deus e do rei como inimigo dos malhados, o senhor Manuel Afonso, de Venade":
Para concluir, Aquilino refere que nunca pretendeu realizar um romance, mas sim uma monografia. E sai-se com uma frase que exemplifica o humor que percorre muitas das suas páginas: "Se me saiu romance, aconteceu-me a mesma coisa que a um triste e tosco carpinteiro dos meus sítios, de quem toda a gente zombava, decerto por milagre desenfadado do Espírito Santo: estava a fazer um gamelo para o cão e saiu-lhe uma viola”.
O ESCRITOR BEIRÃO
Até ao fim de uma vida intensamente vivida, Aquilino Ribeiro manteve-se ligado ao universo rural da Beira Alta, onde nasceu, cresceu e se tornou (de acordo com as suas palavras) «são e escorreito de corpo e espírito». Nem a permanência, alguns anos, em Paris nem meio século de Lisboa o afastaram das origens, homem da serra dos pés à cabeça, por dentro e por fora, «sem febre nem desejos metafísicos, como o mais néscio e regalão dos regalões». (Abóboras no Telhado.) Deixou o livro de memórias Um Escritor Confessa-Se. Todavia, a infância e a adolescência na Beira Alta revivem, com mais pitoresco e nitidez, nos romances Cinco Réis de Gente, Uma Luz ao longe e Via Sinuosa. O mesmo cenário se depara, por exemplo, nas Terras do Demo e na Estrada de Santiago, em cuja primeira edição surgiu a novela O Malhadinhas, um dos pontos mais altos da criação literária de Aquilino.
No entanto, Aquilino Ribeiro condensou muito mais elementos em que se conjugam a geografia, a história e a antropologia numa série de livros que costumo chamar «o quinteto da Beira Alta»: Os Avós dos Nossos Avós (l943); Aldeia (l946); Geografia Sentimental (l95l); Arcas Encoiradas (l953), e O Homem da Nave (l954). Aqui se depara tudo quanto define os usos e tradições dos habitantes da serra desde épocas remotas até às primeiras décadas deste século, quando se abrem estradas e se introduzem meios de transporte que vão do caminho-de-ferro até ao automóvel. Testemunho deste quotidiano era o Malhadinhas, o almocreve que se incumbira de estabelecer as comunicações entre o interior e o litoral, o campo e a cidade, levando e trazendo muitos produtos essenciais do comércio regional. (Texto do jornalista António Valdemar)
O que dele disseram alguns
“Conheci Aquilino Ribeiro, de quem me prezo de ter sido amigo e de quem continuo, cada vez mais, com o passar dos anos e as sucessivas leituras, rendido admirador." (Mário Soares)
"A força plástica e musical do mundo aquiliniano é admirável.A serra portuguesa, a aldeia patriarcal, o rebanho transumante, vivem nos seus livros como a vida flamenga e holandesa nos quadros dos grandes pintores dos Países Baixos." (Vitorino Nemésio)
“É a única personalidade literária da República que hoje podemos pôr ao par (e também em condigna oposição a) Fernando Pessoa.” (Óscar Lopes)
"É um inimigo do Regime. Dir-lhe-á mal de mim; mas não importa: é um grande escritor." (António de Oliveira Salazar)
2 comentários:
no Badaladas se os correios mo entregarem...o que não fizeram esta SEMANA!!!!!
Mas Aquilino é uma excelente escolha!
Tenho bastas provas que a Beira produz grandes Homems e Mulheres!!!
Mas para fundo musical vou escolher outro que não Nabucco!!!!
De qualquer modo o meu "BEM HAJA" beirão para a tua sugestão!!!!!
Um dos meus escritores preferidos.
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