26.2.07

Um filme comovente







Entrei pela madrugada com «Diários de Che Guevara». Não tenho palavras. Pedi-as emprestadas a quem tão bem (d) escreveu este filme belísssimo:








DIÁRIOS DE CHE GUEVARA


Deixa o mundo mudar-te, e podes mudar o mundo!


«Diários de Che Guevara», que teve a sua estreia mundial em 2004, no Festival de Sundance, onde foi recebido com uma ovação em pé por parte dos espectadores, segue duas pessoas quando estas descobrem a rica e complexa topografia social e humana do continente americano latino. Em 1952, dois jovens argentinos, Ernesto Guevara (Gael García Bernal) e Alberto Granado (Rodrigo de la Serna), partiram numa viagem de estrada para descobrir a verdadeira América Latina. Ernesto é jovem de 23 anos estudante de medicina especialista em leprologia, e Alberto, de 29 anos, é bio-químico. Com um romântico sentido de aventura, os dois amigos deixam os seus confortáveis ambientes familiares em Buenos Aires em cima da motocicleta de Alberto, uma 1939 Norton 500, que recebe a alcunha "La Poderosa". Embora a motocicleta se avarie durante a sua jornada, eles continuam com recurso à boleia. À medida que se afastam cada vez mais da familiar e confortável Buenos Aires, os dois amigos tornam-se próximos como irmãos, unidos pela crença no progresso e no que a ciência e a medicina podem fazer pela região. Começam a conhecer uma diferente América Latina, através das pessoas que encontram na estrada, ao mesmo tempo que a variada geografia que encontram, de montanhas a desertos, de complacentes ricos a pessoas de pobreza extrema, começa a reflectir as suas próprias perspectivas em mudança. De mineiros sem casa a prostitutas de barco, de vítimas de lepra a pessoas prósperas, Ernesto e Alberto descobrem uma afinidade para a humanidade neles, e uma determinação para mudar o mundo. Durante a viagem de 8 meses e 8 mil quilómetros, partindo da Argentina, seguindo através dos Andes para o Chile, passando pelo deserto de Atacama para o Peru, em direcção a uma colónia de leprosos, até chegar à Venezuela, eles sobem às alturas de Machu Picchu, onde as majestosas ruínas e o extraordinário significado da herança Inca, destruída pelos invasores espanhóis, lhes causa um profundo impacto. Quando chegam à colónia de lepra de San Pablo, localizada nas profundezas da Amazónia peruana, os dois jovens começam a questionar o valor do progresso que é definido por sistemas económicos que deixam tantas pessoas na pobreza extrema e as oprime. As suas experiências na colónia despertam neles os homens que eles irão tornar-se mais tarde, ao definir a jornada política e ética que vão seguir nas suas vidas.





«OS DIÁRIOS DE CHE GUEVARA»

Belíssimo exemplo da viagem iniciática que deixa uma marca indelével na alma dos viajantes. Contornando o comercialmente aproveitador e erróneo título português, chegamos a um filme que conta a odisseia de Alberto e Ernesto através da América do Sul, maioritariamente feita na motocicleta que de poderosa só a ironia tinha. Contada com enorme sensibilidade humana (o desenvolvimento da amizade entre os dois e a consciência social larvar) e cromática (excelente a fotografia de Eric Gautier - e que paisagens recorta), esta história revela o estado das coisas numa América Latina artificialmente dividida pela política e pelos estratos sociais. São muito injustas algumas leituras do filme à luz de preconceitos políticos alicerçados na figura que se viria a tornar o Ernesto Guevara deste filme (o Che); leituras essas que, na minha opinião, turvam a visão daquilo que esta fita tem de essencial e que não é nada de panfletário. Mas ao contrário de muitas opiniões, considero este um filme altamente político. Não o serão todos os verdadeiros grandes filmes? Que outra forma igualmente potente existe de ser político do que ir ao âmago da consciência humana? Os actores têm um óptimo desempenho: se Garcia Bernal se cimenta como estrela latina maior da Meca do cinema, Rodrigo de la Serna é uma deliciosa revelação como o amigo Alberto Granado (de quem vislumbramos o rosto real na actualidade no final do filme - e os olhos que misturam desencanto com uma réstea de utopia). Referência final para o extraordinário epílogo a preto e branco condensando os retratos humanos daquela América sofredora, nitidamente influenciado pelo trabalho fotográfico de Sebastião Salgado.

Jorge Silva avidanaoeumsonho.blogspot.com




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