12.2.07

A TASCA DO VENCESLAU




A começar pelo nome: era uma tasca a sério.Cheirava a óleo de fritar, tinha balcão corrido, barris com o preço do vinho marcado a giz. Vinha sempre alguém lá de dentro a enxugar as mãos ao avental. Havia pratinhos sobre o balcão com petiscos caseiros.
Noutra fase mais adiantada chegou a vender fruta, que sabia a quintal regado com água de poço velho.
Tinha cartões para perfurar, o último furo dava direito a bola de futebol ou garrafa de brandy manhoso. Pelo caminho iam saindo espelhos de bolso, canivetes, lapiseiras...
O tinto era bom mas o branco era sempre "especial". Puro ou traçadinho de gasosa, empurrão ideal para sandes de coiratos ou jaquinzinho com molho à espanhola.

Estava fechada há anos. Mas a construção lembrava ainda como era aquela rua no início do século: casa térrea, telhado já abaulado pelas vigas empenadas, ervas entre as telhas, cantarias grossas.
Ainda tínhamos a vaga esperança de que alguém pegasse naquilo - nem nos importávamos que pusesse balcões novos de alumínio e fórmica.

Mas foi abaixo. Uma manhã destas corropiavam por lá uns camiões pesados que levavam o que uma feia máquina escavadora lhes despejava no dorso. A tasca do Venceslau desaparecia às carradas.

Há-de nascer ali mais um hino à construção civil, o "Venceslau Building", por exemplo, para irmanar com o "Serpa Pinto Plaza" e o "Edifício Twins", tudo made in Torres Vedras, perdão, Old Towers City...



- Ó Alzira, sai uma elegia com molho de escabeche!!!


ELEGIA POR UMA TASCA

Mágoas curtiste muitas
E desalentos tamanhos
afogados em penaltes de tinto
Ali à beira dos passantes
tão fácil entrar e pedir
- “um copo de três!”

Tanta vez consolaste
Tristezas insolúveis
Porém dissolvidas nos taninos
Oportunamente emborcados
Em desespero de causa.

Tasca taberna
santuário de dor
e de euforia

Muito mais eu diria
Se pudesse ainda
Entrar-te,
ó tasca do Venceslau !

8 comentários:

avelaneiraflorida disse...

Perdeu-se mais uma memória!!!
É inútil, as máquinas não percebem nada de sentimentos...

Mas eu fiquei com um pormenor...umas chaminés perdidas num telhado de traseiras.
De pé, contra tudo e contra todos!

Anónimo disse...

pois, é o progresso!
Eu também tenho lembraça das várias tabernas da cidade ao longo da minha infancia.
esta foi das ultimas onde eu ia comprar fruta com frequencia.
Mas também no estado em que estava o edifício, acho que foi melhor assim.
Vamos la ver agora se a Camara vai exigir uma arquitectura regional ou vai permitir mais um mamarrachal.

Joaquim Moedas Duarte disse...

Não consegui encontrar uma foto da tasca. Mas o Badaladas vai publicar uma na próxima página LUGAR ONDE, 6ª Feira 16 Fev.
Obrigado pelas visitas comentadas

Anónimo disse...

É realmente pena ter desaparecido essa casa centenária, que frequentava apenas nos corsos de carnaval.

Anónimo disse...

O Wencesllau não era uma tasca mas sim uma ADEGA, que teve também uma sala onde servia refeições, sendo uma casa de pasto de referência nos anos 60. Paralelamente, era também mercearia.
Era muito mais do que uma simples taberna e foi a última referencia do Bairro Tertuliano, onde estava a estação do Larmanajat, onde havia um albardeiro e ainda o último segeiro de Torres Vedras. Era um conjunto urbanístico coerente e cheio de tradições, mas pouco consentâneo com a voracidade construtora. O (nacional-)socialismo reinante há 30 anos nesta merdaleja tem destruído e descaracterizado tudo. Seremos talvez a cidade mais feia e anódina de Portugal. A única atraçao será o facto original de apresentarmos um cigano como Presidente da Camara.

Joaquim Moedas Duarte disse...

Agradeço os pormenores sobre a ADEGA do Venceslau. Aliás, soube recentemente que o BADALADAS publicou há poucos anos um artigo a documentar os 100 anos deste estabelecimento.Infelizmente ainda não pude lê-lo.

Joaquim Moedas Duarte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

muito obrigada ao anonimo que se lembrou ainda do ultimo segeiro de Torres Vedras, era o meu avo, de quem ninguem fala, mais uma profissao extinta, que so resta ainda nas memorias de alguns, é pena pois vivo num pais onde se da muita importancia a todos esses valores.
Mas eu vim aqui para falar da Casa Wenceslau e Irmao, que era tambem posto de telefone publico, poucos eram os que tinha telefone em casa, e era ao Wencesllau que se ia telefonar, "rapido para nao contar muitos periodos", às tias que estavam em Lisboa.
Na maecearia estavam sempre e em alternancia semanal com a cozinha, as senhoras da Casa Sra. D. Teresa e Sra. D.Soledade, parece-me ouvir ainda a portinhola do postigo a bater duas vezes quando o prato estava pronto a servir e la saia a fumegar o bacalhau com batatas,à segunda-feira e o cozido à Portuguesa de quinta-feira, para serem consumidos na sala de refeiçoes que ficava por detràs dos tonéis.
A porta da mercearia nao se passava sem entrar e dar os bons dias às senhoras e ao Sr José Wencesllau(este permanecia mais na adega onde se vendiam os copos de tres, o tracadinho para matar o bicho, os carapaus fritos e as sandes de torresmos e de atum" eles nunca se esqueciam da data do meu aniversàrio e ofereciam-me sempre um chocolate em forma de lapis de cor.
E à noite a sala transformava-se em sala de televisao, às quartas feiras para ver as Noites de Teatro, ... O bonanza, e aos domingos à tarde os mais pequenos podiam ver os filmes de Joselito e da Marisol, comer rebuçados de meio tostao, tremoços e pevides. Era assim a minha infancia, e a dos miudos do Bairro Tertuliano,da minha geraçao, podiamos brincar na rua, ir a pé para a escola, e no verao ate anoitecer, brincar no quintal dos miudos Damiao, o Ze, a Cremilde e o Paulo. E as Festas de Santo Antonio neste Bairro? ate se chegaram a contratar acordeonistas, e ai a Casa Wencesllau tinha um papel muito importante, na organizaçao da festa, mas tudo isto fica nas memorias, pelo menos na minha, e fico contente de as poder transmitir a quem de der ao trabalho de apreciar.
Um abraço a todas as pessoas do Bairro Tertuliano, ate sempre