Não conheço ninguém que mais fundo tenha ido na expressão poética da lucidez: Teixeira de Pascoaes.
(...)
Ó gente enamorada! Ó gente moça!
Que, de repente, ao túmulo baixais,
Qual o vosso pecado? A culpa vossa?
Ó procissão das lágrimas, dos ais,
Diante de mim, passando, eternamente,
A caminho dos antros sepulcrais!
Dor sem fim, sem princípio, dor presente,
Martirizando as almas; e, sobre elas,
O sorriso de Deus indiferente!
(...)
O Deus aceso em raivas e furores,
Que mata as criancinhas sem pecado
E parece viver das nossas dores,
E fez do nosso pranto o mar salgado,
E fez da nossa angústia um ermo outeiro
E sobre ele, Jesus crucificado;
O Deus que me tornou prisioneiro,
E que transforma tudo quanto eu amo,
Em desfeita visão de nevoeiro;
Ah, esse Deus que, quando por Deus chamo,
É silêncio que, em neve, se condensa,
A própria sombra inerte que eu derramo...
(...)
(Poema: Canto heróico, do livro Elegias)
São de Pascoaes estes versos, último terceto do poema Poeta
Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
4 comentários:
Pascoaes...acho-o um pouco triste demais!
prefiro o "meu" Torga:
" Vamos, ressuscitados, colher flores!
Flores de giesta e tojo, oiro sem preço...
Vamos àquele cabeço
Engrinaldar a esperança;
Temos calor no corpo entorpecido;
Vamos! Depressa!
A vida recomeça!
A seiva acorda,nada está perdido!"
in Poesia Completa
Mas, no fundo, Torga tem o mesmo sentido trágico da existência, o mesmo desespero de homem que se sente anjo caído, infinitamente só face ao grande silêncio do Universo.
E de Deus...
Desculpa a insistência, mas Pascoaes...
Enfim...talvez eu goste demais de Torga!!!!
Contudo, "Páscoa na Aldeia" é um hino diferente.Mesmo em relação ao homem,à natureza.A Deus...
Talvez, porque pertence à obra "Sempre ( A minha Aldeia), essa visão seja ainda optimista.Talvez mais tarde tenha mudado...
Eu não sei muito de Pascoaes!
Percebo, Avelã. Eu também resisti muito tempo à ideia de ler aprofundadamente T. Pascoaes. Achava-o muito negativista, saudosista, vizinho do fado e doEstado Novo
Depois um dia vi um texto do José Gomes Ferreira em que ele falava do poeta de Amarante com um dos nossos grandes. T. Pascoaes tinha resistido aristocraticamente ao salazarismo. E tinha grande qualidade poética, tanto formal como ideologicamente.
Por fim descobri a antologia de T.P. organizada pelo Mário Cesariny e publicada em 2002 pela Assírio & Alvim. E fiquei deslumbrado.
Claro, há alturas em que não o suporto, outros há em que corro para ele. Esta coisa das leituras é como conviver com as pessoas. E é! Depende da disposição, do sol ou da chuva, de se ter dormido bem ou mal...
Hoje acordei com vontade de bater à porta do velho poeta. Não sei porquê. Ou talvez saiba: hoje é Domingo de Páscoa, há uma espécie de euforia do catolicismo. E eu lembrei-me do célebre "silêncio de Deus".
Beckett respondia a quem lhe perguntava que contas daria ele a Deus no dia da sua morte: "Eu também me sinto no direito de pedir contas a Deus pelo mundo que criou..."
A transcrição do poema de T. Pascoaes que eu fiz tem a ver com estas questões, como terás bem percebido.
Há um tempo para tudo. E um dia vais descobrir o grande poeta que ele é.
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