REGISTO DE NASCIMENTO DE UM POETA
Que esperamos nós de um livro de poesia?
Em “REGISTO DE NASCIMENTO”, seu primeiro livro (Livrododia Editores, Torres Vedras, 2005) - Luís Filipe Cristóvão põe a questão ao contrário: o que espera o poeta do leitor? E responde: “os dedos longos do leitor, pela noite esticados, / têm válvulas de fogo imitando línguas / (…) o verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue / e adormece extasiado em qualquer parte do mundo. (…) ao não-leitor tudo isto é indiferente.”
Isto é: o poeta espera uma leitura longa, atenta; que nós, seus leitores, sejamos capazes de deixar passar (como válvulas) os tumultuosos e intensos rios de palavras e seus múltiplos sentidos (fogo imitando línguas); que ousemos mesmo matar a sede com a escrita de dor e sofrimento (sangue), numa cumplicidade comungada que nos conduzirá, onde quer que estejamos, a um estado apaziguado de êxtase. O contrário disto será a indiferença.
Trata-se pois de um pacto inicial que nos é proposto. A partir dele, os 61 poemas deste belíssimo livro desvendam a memória com seus vastos recantos - infância, patamares de crescimento, recordações dispersas, algumas dores – assumindo o escritor este trabalho como o lavrador que revolve a terra e nela se suja. Neste desvendamento cabem também “o crescimento pessoal e as dúvidas da literatura, experiências do pensamento”, propósitos de vida (subo devagar / não quero acordar o passado).
Mas atenção leitores: a poesia de LFC não se reduz aos sentidos imediatos e banais das palavras. Joga com ambivalências, relações subtis, em que as referências constantes ao quotidiano parecem facilitar a adesão do leitor para logo a seguir lhe propor tensões inesperadas que deixam campo aberto para múltiplas leituras. E esta é a marca de água da poesia de qualidade. Se detectamos, aqui e ali, soluções verbais menos conseguidas, há um evidente e esforçado trabalho de oficina, bem visível no despojamento nos 84 versos do muito belo poema final “Itinerários”. Em versos curtos, espraiando-se por 20 páginas, o poeta atinge aqui, em nossa opinião, o mais elevado nível de expressividade.
Este livro é, para nós, o atestado inequívoco da afirmação de um poeta, nascido e criado em Torres Vedras cujo percurso vale a pena seguir com atenção.
Que esperamos nós de um livro de poesia?
Em “REGISTO DE NASCIMENTO”, seu primeiro livro (Livrododia Editores, Torres Vedras, 2005) - Luís Filipe Cristóvão põe a questão ao contrário: o que espera o poeta do leitor? E responde: “os dedos longos do leitor, pela noite esticados, / têm válvulas de fogo imitando línguas / (…) o verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue / e adormece extasiado em qualquer parte do mundo. (…) ao não-leitor tudo isto é indiferente.”
Isto é: o poeta espera uma leitura longa, atenta; que nós, seus leitores, sejamos capazes de deixar passar (como válvulas) os tumultuosos e intensos rios de palavras e seus múltiplos sentidos (fogo imitando línguas); que ousemos mesmo matar a sede com a escrita de dor e sofrimento (sangue), numa cumplicidade comungada que nos conduzirá, onde quer que estejamos, a um estado apaziguado de êxtase. O contrário disto será a indiferença.
Trata-se pois de um pacto inicial que nos é proposto. A partir dele, os 61 poemas deste belíssimo livro desvendam a memória com seus vastos recantos - infância, patamares de crescimento, recordações dispersas, algumas dores – assumindo o escritor este trabalho como o lavrador que revolve a terra e nela se suja. Neste desvendamento cabem também “o crescimento pessoal e as dúvidas da literatura, experiências do pensamento”, propósitos de vida (subo devagar / não quero acordar o passado).
Mas atenção leitores: a poesia de LFC não se reduz aos sentidos imediatos e banais das palavras. Joga com ambivalências, relações subtis, em que as referências constantes ao quotidiano parecem facilitar a adesão do leitor para logo a seguir lhe propor tensões inesperadas que deixam campo aberto para múltiplas leituras. E esta é a marca de água da poesia de qualidade. Se detectamos, aqui e ali, soluções verbais menos conseguidas, há um evidente e esforçado trabalho de oficina, bem visível no despojamento nos 84 versos do muito belo poema final “Itinerários”. Em versos curtos, espraiando-se por 20 páginas, o poeta atinge aqui, em nossa opinião, o mais elevado nível de expressividade.
Este livro é, para nós, o atestado inequívoco da afirmação de um poeta, nascido e criado em Torres Vedras cujo percurso vale a pena seguir com atenção.
Foto de Vanessa Fernandes
NOTAS BIOGRÁFICAS
Luís Filipe Cristóvão nasceu em Torres Vedras a 24 de Fevereiro de 1979. Desde cedo muito dedicado aos livros, licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas e concluiu uma pós-graduação em Teoria da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Estando ligado ao associativismo, fez parte da direcção do Académico de Torres Vedras, tendo sido Presidente durante dois mandatos. Foi também no ATV que iniciou a sua actividade como editor, primeiro com a revista quase da qual saíram cinco números e, actualmente, com a revista sítio, da qual se apresta para sair o terceiro número.
A sua carreira literária iniciou-se com a publicação de poemas na revista universitária Os Fazedores de Letras e com as séries de crónicas ficcionadas “Viver prejudica gravemente a saúde” e “ O direito de não ler” no jornal Em Frente Oeste. Colaborou com a revista 365, com o DN Jovem e em diversos sites portugueses e brasileiros. Publica regularmente nos blogues www.prazeresminusculos.blogspot.com e www.milnove79.blogspot.com. Em 2005 publicou o livro de poesia Registo de Nascimento, na Livrododia Editores, estando neste momento a preparar originais para publicação em 2007.
Desde o início do ano de 2005 é gerente da Livraria Livrododia, Lda, uma empresa que se tem dedicado à promoção do livro e da leitura a partir do concelho de Torres Vedras, tendo uma alargada agenda de actividades na livraria, onde no primeiro ano já estiveram presentes diversos autores como Mia Couto, Luiz Ruffato, Gonçalo M. Tavares e José Afonso Furtado, entre outros. Para além da livraria vem desenvolvendo actividades como leituras de poesia e organização de feiras do livro em escolas do concelho. No plano editorial, tem dado destaque aos autores torrienses: para além do próprio Luís Filipe Cristóvão, foram editados livros de Ana Meireles e Jaime Batalha Reis. Nos próximos meses serão publicadas obras de João Carvalho Ghira e Vítor-Luís Grilo.
POEMAS
semanário
esta semana comecei um poema que fala de chuva e despedidaschávenas de chá e borras de café, olhares quentes e políciase girassóis e livros e comboios e telefonemas com três palavrase versos e poemas e músicas e abraços e insistências várias.esta semana comprei uma máquina de fazer olhares sensuaise despi o meu casaco de senhor doutor para te dar as boas noitese peguei num boné que era do meu avô e gritei golo algumas vezese fui ver o sol nascer no mar do lado de lá do lado de lá de mim.esta semana encontrei-te na rua e disse-te adeus em duas ocasiõesdancei desajeitado no corredor da minha casa desarrumadalavei os dentes catorze vezes e tomei banho outras setedormi sempre pouco e sempre mal com calor e dores de garganta.esta semana pensei que podíamos ficar apaixonados para semprea música que eu ouvi na rádio poderia repetir em continuidadeos dicionários podiam ser peças de armários onde nos encontrássemosas férias são uma estrada comprida com curvas e garrafas de água.esta semana fui às compras e trouxe, em sacos de plástico, requeijãopão fresco manteiga chourição guardanapos fígado de porcopatê cervejas arroz doce salame salsichas alfaces iogurtespapel higiénico bolos secos e uma revista de palavras cruzadas.esta semana a minha mãe não me falou e a minha avó faz anostodos os jornais trazem na capa jogadores de futebol e bandeirinhasum pneu do meu carro estava vazio e eu enchi-o antes de ir ver-tenão me acabou a gasolina a meio do caminho e fiquei contente.esta semana tu foste embora para dentro de um livro que eu escrevie os meus versos longos ficaram cheios de pedacinhos de tieu sorrio ao ver crescer os meus filhos que ainda não nascerame entretenho-me a ver desenhos animados e a mudar de calendário
assume o escritor
assume o escritor a sua condição de lavrador
levando os joelhos a terra, deixando que os dedos
mergulhem no mar castanho onde nascem as videiras.
não se pense, no entanto, que lhe são desconhecidas
as distâncias entre a enxada e a caneta.
o que o escritor lavra, neste gesto repetido,
é a comunhão do homem com a terra.
2 comentários:
Só tenho um comentário: Excelente!
Só quem ama a terra escreve assim...
Obrigada por este post.
Sorrisos.
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