16.5.07

LUGAR ONDE - BADALADAS Semanário Regional de Torres Vedras




FLORBELA ESPANCA



A CORAGEM DE DIZER, CANTANDO, A TODA A GENTE

Mais do que os aspectos nevróticos da sua personalidade, importa realçar a extraordinária artífice de poesia que foi Florbela Espanca.

A poesia precisa de emoção e sentimento mas isso não chega. Muitos autores pensam que os seus poemas têm valor só porque os fizeram com lágrimas nos olhos, a sentirem muito o que escreviam. Mas não basta isso: é necessária, de igual modo, uma realização linguística significativa, uma construção artística e rigorosa de palavras. Caso contrário não se passa de banalidade vazia.
Florbela Espanca soube aliar à sensibilidade – por vezes exacerbada - uma enorme capacidade para exprimir verbalmente quem era e o que sentia. Usou como forma artística o soneto decassilábico ( poema de 14 versos de dez sílabas, em duas quadras e dois tercetos) em que foi exímia, muitas vezes ao nível dos nossos maiores nessa arte - Camões, Bocage e Antero de Quental. A sua originalidade está no facto de, usando essa forma clássica, abordar temas extremamente ousados para a sua época, como são o erotismo e a mulher activa na relação amorosa. Não fazendo parte de nenhuma escola ou grupo literários, conjugou as suas vivências pessoais com o tom mais inovador da expressão poética do seu tempo, de que Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa foram exemplos maiores. Florbela Espanca foi dos primeiros escritores a libertarem-se do convencionalismo moralista, assumindo o Desejo e o Corpo como realidades a não esconder, o que lhe acarretou incompreensões de toda a ordem. De igual modo antecipou o sentir da Humanidade moderna, insatisfeita e revoltada, procurando desesperadamente um sentido para a vida e as formas mais intensas de o exprimir. Foi esta coragem de viver em antecipação ao seu tempo que garantiu a Florbela Espanca a projecção que ainda hoje tem.

VIDA E OBRA

Florbela Espanca ( 1894 – 1930 ). Natural de Vila Viçosa, Alentejo. Estudos liceais em Évora e universitários em Lisboa. Dois casamentos e dois divórcios, motivos de escândalo na época. Terceiro casamento, com um médico. Devastada pela morte de seu único irmão, em 1927, e enredada nas contradições entre a afectividade real e a ânsia de Absoluto, suicida-se a 8 de Dezembro, no dia do seu 36º aniversário, na casa onde vivia, em Matosinhos. Desde 17 de Maio de 1964 – data da trasladação - os seus restos mortais repousam à entrada do cemitério da sua terra natal.
Obra principal: “SONETOS”, em que se reúne a poesia publicada antes e depois da sua morte: «Livro de Mágoas»(1919); «Livro de Soror Saudade»(1923); «Charneca em Flor»(1930); e «Reliquiae», versos póstumos publicados pela primeira vez na 2ª edição de Charneca em Flor, em1931. Também postumamente foram publicados textos seus em prosa: «Cartas de Florbela Espanca», «Contos» e «Diário». Os «Contos» (colectâneas “O Dominó Preto”, “As Máscaras do Destino” e “Contos Esparsos”) e o «Diário» tiveram uma 1ª edição de bolso nas Publicações Dom Quixote, em 2000.




EXCERTOS DO “DIÁRIO” (escrito no ano da sua morte)

23 de Janeiro: «Para que quer esta criatura a inteligência, se não há meio de ser feliz?», dizia, dantes, meu pai, indignado. Ó ingénuo pai de 60 anos, quando é que tu viste servir a inteligência para tornar feliz alguém? Quando, ó ingénuo pai de 60 anos?... Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto, ó ingénuo pai de 60 anos!

23 de Fevereiro: A vida tem a incoerência dum sonho. E quem sabe se realmente estaremos a dormir e a sonhar e acabaremos por despertar um dia? Será a esse despertar que os católicos chamam Deus?

28 de Fevereiro: Estou tão magrita! A lâmina vai corroendo a bainha, a pouco e pouco, mas implacavelmente, com segurança. Devo ter por alma um diamante ou uma labareda e sinto nela a beleza inquietante e misteriosas das obras incompletas ou mutiladas.

2 Dezembro: (última anotação) E não haver gestos novos nem palavras novas!


SONETOS DE FLORBELA


QUEM SABE?...

Queria tanto saber porque sou Eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber porque seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o Céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de Eternidade,
A tropeçar na sombra, é a Verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?


SER POETA


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!



AMBICIOSA

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O voo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar !

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus !

O amor dum homem? – Terra tão pisada,
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? Quando eu sonho o amor de um Deus!...




TRAÇOS DE IDENTIDADE I I















Ainda está a tempo – até 26 de Março - de ver a belíssima exposição de fotografia na Galeria Municipal Paços do Concelho, realização conjunta do Espeleo-Clube de Torres Vedras e da Associação para a Defesa do Património de Torres Vedras, com o apoio da Câmara Municipal. As 115 fotos mostram monumentos, lugares, casas, materiais, atmosferas... que, no seu conjunto, ajudam a definir os traços de identidade do nosso concelho.





3 comentários:

avelaneiraflorida disse...

Ei-la!!!!!

Joaquim Moedas Duarte disse...

Já aqui estás? Leitora de primeira linha!
Meu orgulho e...responsabilidade!

avelaneiraflorida disse...

Eu avisei que até 6ª feira era muito tempo...

Boa página!!!!
Com excepção do mais conhecido, todos os restantes sonetos permitem dar a conhecer um outro lado da F.E.
Exactamente o que a maioria não conhece!!!!